MEMORIAS PROVINCIANAS I –
Coletei depoimentos sobre a figura do monsenhor Walfredo Gurgel de quem viveu e conviveu de perto com ele: o coronel da reserva da Policia Militar Benedito Florêncio de Queiroz, seu ex-aluno, afilhado e Ajudante de Ordens durante o seu governo. Queiroz era íntimo do monsenhor e das conversas de bastidores. Sobre a vida e a obra do padre governador muita informação foi revelada e publicada atestando a sua lisura no trato da coisa pública e personalidade tanto religiosa quanto política, que se casavam perfeitamente. Aqui, pinço fatos rotineiros, humanos, que realçam cada vez mais o homem simples, o cidadão bem intencionado e fiel a sua tradição, porém, acima de qualquer suspeita.
01) Certa vez, numa reunião do secretariado, convidou a todos para a festa de Nossa Senhora de Santana na sua Caicó. Todos assentiram, inclusive, o general Ulisses Cavalcante, secretário de segurança que era radicalmente contra a exploração dos chamados “jogos de azar”, tão comum nas festas paroquiais e profanas do interior. “Vou governador, mas chagando lá não deixarei de agir e fechar todo o tipo de jogo!”. Lembrando-se dos seus correligionários que bancavam o joguinho, o monsenhor não esperou pra depois: “Ô Ulisses, sendo assim você está desconvidado, porque lá quem manda sou eu. Festa sem esses divertimentos não presta. É a tradição!”. E Ulisses não foi.
02) De outra feita, o capitão Durval majorou em 100% a cobrança dos alvarás dos jogos ditos contraventores de Caicó. Walfredo, mesmo governador, não abdicava da condição de municipalista por causa das raízes políticas e o fato de ser também a terra do seu adversário senador Dinarte Mariz. Após receber a visita dos “prejudicados”, chamou Queiroz para intermediar. O delegado local não teve alternativa: liberou geral. Ai aconteceu o inusitado. O pessoal voltou ao monsenhor com uma reivindicação esquisita mas típica do interior: “Governador, deixe os alvarás no valor de 50% porque senão vamos sofrer represálias do delegado”. E assim ficou.
03) E esta, demonstra a atenção que o então presidente Humberto de Alencar Castelo Branco dispensava ao padre governador, testemunhada através de diversos fatos, não obstante, o clima local de radicalismo político. Numa das vindas presidenciais, Castelo foi convidado a fazer uma visita às obras de construção do hospital, que, posteriormente, se chamou “Walfredo Gurgel”. Após ouvir a exposição do governador acerca das dificuldades, Humberto de Alencar Castelo Branco não titubeou em ajudar, virando-se para o seu ministro da Saúde Raimundo de Brito, por sinal, norte-riograndense: “Providencie o atendimento do pleito”. Era todo o equipamento necessário ao funcionamento do hospital. O baixinho gostava mesmo do monsenhor.
04) Outro fato ocorreu dentro do carro oficial com destino a Caicó, ouviu de Aluízio Alves que estava deixando o governo, solicitar ao governador eleito: “Monsenhor, gostaria de lhe fazer um pedido. É a indicação de Manoel de Brito para a secretaria de finanças”. “Aluízio”, responde o padre, “Para essa secretaria já escolhi um nome: é o doutor José Daniel Diniz, meu sobrinho afim”. Aluízio não tocou mais no assunto e nem se aborreceu com Walfredo. Tempo depois, Brito foi para a Casa Civil. Foram dois gênios da política.
05) Parelhas, ano da graça de 1967. Manoel Virgílio do Nascimento, seridoense, 80 anos, reencontra-se com o conterrâneo e amigo monsenhor Walfredo Gurgel, governador do estado. Havia muito tempo que não se avistavam. Alegria, abraços e as perguntas inevitáveis do padre: “Manoel, que prazer! E esses meninos, são seus netos?”. “Não, governador, são meus filhos”, responde o velho sem perder o prumo. “Mas, seus filhos, você já com essa idade?”. “Pois é, governador, o segredo é treinar sempre”, fechou o firo da conversa o seridoense de fibra longa.
Valério Mesquita – Escritor – [email protected]