AS CASAS DE NERUDA –
Neruda (1904 – 1973) foi um homem vasto. Tudo nele era profuso, excessivo. Abundância de poesia, de mulheres amadas, de casas, pessoas e objetos do mundo incorporados por emoção. Também de seu nome. No registro civil, consta Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto. Abandonou os cinco nomes de origem e assumiu o pseudônimo Pablo Neruda.
Como diplomata, em muitos lugares serviu. Foi cônsul-geral do Chile em Rangum, Siri Lanka, Java, além de Singapura (Myanmar), Espanha e México. Foi habilíssimo embaixador do Chile em Paris.
Teve três casas em Santiago e arredores, todas nominadas. A da capital, ele a chamava de La Chascona (que significa A Descabelada) que era como ele brincava com sua amada Matilde Urutia. Em Valparaíso, La Sebastiana e, finalmente, a da Isla Negra, sobre uma falésia perto do porto de San Antônio, repleto de lobos marinhos, gaivotas e pelicanos.
La Chascona serviu de morada romântica para Matilde quando o poeta era casado com Delia Del Carril. Com ela já casado, viveu até a morte. Nessa casa, há uma pequena seleção de obras sobre o escritor. Tive emoção ao receber do poeta Assis Câmara uma foto da minha obra “O Livro das Respostas” figurando entre os selecionados. Fotografar era proibido, mas o meu amigo usou discretamente o celular. Esse livro é uma ousadia que tive ao “dialogar” com Neruda respondendo às 311 perguntas oníricas, publicadas em obra póstuma.
La Sebastiana é uma casa em vertical cheia de objetos singulares, reunidos pelo dono. Aliás, o poeta ocupava apenas o terceiro e quarto andar. Dividia com um amigo a parte inferior. Ele preferiu morar no alto para ver o porto e o mar.
A casa da Isla Negra é a mais fantástica das moradas. O nome foi composto para que o poeta se sentisse protegido como ilha e por arrecifes. Lá, ele escreveu o seu Canto General em que aborda a natureza e história do continente americano.
A casa, toda simbólica, é surreal. A mobília e a decoração eram consideradas imprescindíveis pelos habitantes. Sobre um grande suporte de madeira, os sinos anunciavam a alegria e a chegada do casal enamorado. Uma enorme âncora lembrava que ali era o seu porto. A casa está abarrotada por obras de arte, lembranças adquiridas em viagens, objetos doados por amigos. Como tem forma de barco, há excepcionais carrancas que ornavam proas de barcos. Lá está o fraque e os sapatos que Neruda usou ao receber, em Estocolmo, o prêmio Nobel (1971). “Confesso o que vivi foi ditado quando já enfermo”.
O poeta demorava o olhar sobre sua coleção de borboletas, uma máquina de fabricação de hóstias (ele era ateu!), os caracóis em uma sala inteira, garrafinhas com areias coloridas. Fiquei imaginando se eram areias tornadas arte em Tibau/RN.
O mar era essencial a Neruda. Trouxe para lá cartografias, mapas-múndi, planisférios e telescópios. O peixe era o seu símbolo e fora alçado como se fosse um galo a indicar a direção dos ventos.
Quem vem visitar a casa museu encontra no caminho uma placa que anuncia a verdade: “Em Isla Negra: tudo floresce”.
Os visitantes das casas nerudianas sentem-se, naturalmente, tomados de boa emoção e de lembrança eterna de uma vida rica, construtiva e alegre. Recordo o desejo final do maior poeta das Américas: “Não quero que morra a minha memória de alegria”.
Diogenes da Cunha Lima – Advogado, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN
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