Esse fim de semana, mais uma vez passei na Praia da Pipa. Todas as vezes que consigo me livrar de compromissos que acontecem nos fins de semana, tais como festas de aniversários, casamentos, formaturas etc, vou com minha esposa para o paraíso, como ultimamente a nossa praia está sendo chamada.
Para os que não a conhecem, a Praia da Pipa tem duas vidas bem definidas. Durante o dia, tudo acontece na sua orla. Os residentes, os nativos, os turistas, os visitantes ocasionais ou simplesmente pessoas das redondezas, tomam conta de suas águas mornas e límpidas, principalmente, nas marés baixas. É comum vê-los desfrutando das suas águas na praia do Porto, em volta da Pedra do Santo, onde se encontra chantada a imagem do padroeiro São Sebastião, ou mesmo nas diversas piscinas que se formam principalmente nas praias do Centro e Poço das Mulheres. Outros se aventuram em agradáveis caminhadas.
Quando seguem para o norte, o destino mais procurado é a Praia do Curral do Canto conhecida atualmente como Baía dos Golfinhos. É para lá que também se dirigem todos os barcos e lanchas de passeio. Os corretores/vendedores desses passeios anunciam aos gritos pela beira da praia – passeio de barco para ver golfinhos – os mais ousados na tentativa de atrair o cliente, ainda completam: se não conseguir ver os golfinhos, devolvemos o dinheiro…
A Praia do Curral do Canto, nome que remonta de um curral de captura de peixes que lá existia até o ano de 1998, hoje tem um nome mais comercial: Baía dos Golfinhos em alusão a uma ou duas famílias desses mamíferos que há anos habitam aquela pequena baía. Quando digo uma ou duas famílias é porque o número desses cetáceos avistados, sempre é bem reduzido e nunca supera a casa dos seis a oito indivíduos. Em conversa com pescadores mais antigos, eles confirmam nossa observação. Nessa baía, os golfinhos – também conhecidos como botos cinza – se constituem como a principal atração. As embarcações lançam âncora e aguardam que eles apareçam. Quando isso acontece, chegam bem próximo dos barcos, naquele seu mergulho que mais parece uma cavalgada em câmara lenta, onde expõem seu dorso cinzento, ornados pela barbatana costal que corta as águas com elegância. Porém o maior espetáculo ocorre, sem dúvidas, quando se alimentam. Essa alimentação é constituída basicamente de tainhas (mugil cephalus), abundantes nessa pequena enseada. É comum vê-los em perseguição a esses peixes em grande velocidade. Em dado momento, as tainhas, sentindo-se encurraladas, saltam para fora d’água na tentativa desesperada de escapar do predador. É nessa ocasião que acontece o ponto alto do espetáculo. O golfinho também se arremessa para fora da água e consegue, na maioria das vezes, capturar o peixe em pleno ar. Nessa ocasião, os turistas que se encontram nos barcos, como também os que assistem a cena da beira da praia, vão ao delírio.
Quando as pessoas em seu passeio seguem para o sul, o destino é o Morro dos Amores, hoje também conhecido como Praia do Amor. Os nomes primitivos mudam ao sabor do apelo comercial. E é nesse momento que acontecem as mais esdrúxulas explicações para o nome dado ao Morro dos Amores. Certa vez, assistia a uma entrevista na TV, e fui surpreendido com as explicações dada pela entrevistada com relação a procedência do nome. Afirmava que tinha sua origem em um grande coração que se formava em determinado ponto, entre a Praia do Amor e a Pedra do Moleque, quando justamente a maré estava seca. Pura invencionice! Na realidade o nome Morro dos Amores, tem origem nos antigos veraneios no decorrer nos anos 30/40. Nessa época os casais acorriam a esses morros com suas amadas para namorar longe das vistas dos familiares, uma vez que todos, de alguma maneira, eram parentes. Há quem diga que alguns de nós, descendentes das famílias Barbalho e Simonetti, tenham sido gerados naquelas areias encantadas sob um céu de estrelas que somente na total ausência da luz, seria possível observá-las em toda sua plenitude.
Após a Praia do Amor, chega-se a Pedra do Moleque que, segundo historiadores, dá nome a praia. Essa pedra, para quem a visualiza de dentro do mar, tem o formato de uma grande pipa, que em Portugal se refere a um barril de madeira, daí o nome Praia da Pipa e que já aparece em antigas cartografias, e que também foi registrada com outros nomes, como por exemplo: Itacoatisara (1574 – Mapa de Luiz Teixeira); Orathapica (Mapa de W. Lansz Blaeu); Ponta da Pipa, (1625 – Mapa de Jodocus Hondius); Itacoatiara (1643 – Mapa de Macgrave), para citar alguns desses nomes.
Quando a noite chega, tudo passa a acontecer na rua de cima, como nós e os nativos outrora costumávamos nos referir a principal rua da Pipa, hoje denominada avenida Baía dos Golfinhos. É lá onde se concentra a maioria dos bares e restaurantes. O movimento começa a partir das 18 horas e vara a madrugada. A avenida fica totalmente tomada. Pessoas circulam pela rua em todas as direções, desde os jovens, que é a grande maioria, a pessoas de todas as idades. O sotaque também é variado – uma autentica Babel dos nossos tempos – com predominância para o espanhol ou castelhano como queiram, visto ser os hermanos – argentinos -, a grande maioria entre os estrangeiros. Todos em busca do que aquele local tem a oferecer: passeio pelas suas ruas de paralelepípedo (tomara que nunca asfaltem), iluminadas vitrines das casas comerciais, sorveterias, barzinhos, onde se concentram a maioria dos jovens. A boate Calangos funciona nos sábados e domingos e sempre promove shows com artistas do sul do país. Porém a principal atração são os seus restaurantes. Existem para todos os gostos e oferecem pratos de vários países. É comum as pessoas se deslocarem tanto de Natal, como de João Pessoa, no vizinho Estado da Paraíba, para curtir a noite da Pipa e saborear seus pratos preferidos.
Nesse fim de semana, resolvi subir pra jantar, coisa que raramente o faço. Prefiro o silêncio e a tranquilidade da beira mar, onde tenho minha casa, adquirida de um pescador e que ainda mantenho, parte dela como construída inicialmente. De taipa ou pau a pique, denominação dada em algumas regiões do país –, evitando assim sua completa descaracterização, já que ao longo do tempo, promovi diversas reformas visando melhorar o conforto e criar espaços para abrigar filhos e netos que chegavam. Fomos eu, minha esposa e um casal de primos. Passeamos um pouco pela rua principal. As mulheres, pra variar, entrando de loja em loja, quando não, hipnotizadas diante das vitrines principalmente as que exibem roupas e bijuterias. Segui na frente; na banca de revista entrei e procurei saber sobre à venda do livro de minha autoria “A PRAIA DA PIPA DO TEMPO DOS MEUS AVÓS”. A proprietária informou que, apesar da crise, estava conseguindo vender alguns exemplares. Em tempos bicudos, o primeiro a ser cortado é o supérfluo, e no Brasil, como tudo que se refere a cultura sempre esteve relegada a segundo plano, ler, certamente, está no rol do que é considerado supérfluo.
Ao passar por um dos restaurantes o nome me chamou a atenção: TRANQUILO. Ora vejam, naquela rua agitada, naquele frenético vai e vem de pessoas, surge bem diante dos meus olhos aquele restaurante, com um nome que nada tem a ver com aquele agitado ambiente. Entramos e tomamos assento em uma das mesas que ficava bem próximo aos passantes. Logo aparece o garçom e nos oferece o cardápio. Após alguma discussão quanto aos pratos e aos preços (os restaurantes da Pipa têm a fama de preços salgados), chegamos a um consenso. Enquanto eu e minha esposa solicitamos uma massa, o casal preferiu um filé. Eles optaram por cerveja, enquanto eu preferi tomar cuba libre – rum Montila carta branca e coca-cola, até aí tudo combinando. Enquanto aguardávamos os pratos solicitados, conversávamos amenidades.
Chamou-me a atenção aquele garçom que agora atendia a mesa vizinha. Conversava com desenvoltura e parecia ser uma pessoa com escolaridade acima da média dos que exercem a profissão. Quando terminou o atendimento da mesa, chamei-o e, cheio de curiosidade jornalística, perguntei se ele ara nativo da região. Respondeu prontamente: “Não senhor, sou de Aracajú”. Aumentou ainda mais minha curiosidade e pergunto por que estava na Pipa. Nesse instante ele começou a contar um pouco de sua história de vida o que me motivou a escrever esta crônica.
Iniciou, dizendo, que já tinha escutado muito falar do lugar e da diversidade linguística aqui existente. Veio para amealhar algum dinheiro e, principalmente, praticar outras línguas: espanhol, francês e principalmente o inglês, sua grande paixão, pois sonha com o dia em que chegará a sua Pasárgada, que tem o nome de Califórnia. Imediatamente lembrei-me da música do compositor Lulu Santos, DE REPENTE CALIFÓRNIA, onde o autor inicia a música dizendo: “Garota eu vou pra Califórnia, viver a vida sobre as ondas, vou ser artista de cinema o meu destino é ser Star”. Imagino que esses versos martelam sua cabeça dia e noite.
Quanto mais falava, mais deixava transparecer em seus olhos miúdos e sua voz, embargada pelo sentimento, ao se referir aquele Estado da América do Norte toda a emoção no desejo ainda reprimido, daquela viagem.
Disse chamar-se Matheus e sonha com o dia em que iria desembarcar na Califórnia e realizar aquele sonho que acalenta a tantos anos e habita seus pensamentos nas longas noites de insônia. Acrescentou que o aquele restaurante onde trabalha à noite pertence a um suíço e, convenientemente, é onde ele pratica o inglês. Pela manhã trabalha em outro restaurante, propriedade de um chileno na praia de Sibaúma. Essa praia fica a uns vinte quilomentros ao sul da Pipa, que teve sua origem de um quilombo de negros fugidos das fazendas de cana-de-açúcar da região.
Estive em Sibaúma pela primeira vez no início dos anos 60, viagem que fazíamos a pé pela beira da praia, única maneira de se chegar. Nessa época, eram apenas algumas moradias rudimentares, feitas com taipa e cobertas com palhas de coqueiros. Seus habitantes viviam da pesca, de lavouras de subsistência como mandioca, milho e feijão, e a criação de pequenos animais.
Pois bem, foi nessa noite aprazível quando degustava uma massa de ótima qualidade em meio a uma agradável conversa que sempre envolve as reminiscências de nosso tempo de criança, nos inesquecíveis veraneios, descobri, por acaso, mais uma das muitas facetas da Praia da Pipa; uma grande escola a céu aberto para a prática de conversação em diversas línguas. Seus alunos aproveitam para aprimorar a familiaridade com as línguas, inclusive, aumentando seu conhecimento gramatical.
Apesar de conhecer essa praia desde sempre, pois meu primeiro veraneio ocorreu exatamente dentro da barriga de minha mãe, essa praia maravilhosa continua a cada dia, a me surpreender. E, eu, como bom observador, vou continuar aguardar pela próxima surpresa.
Ormuz Barbalho Simonetti – Presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
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