AS FOLHAS DE MANJERICÃO… –

Era uma segunda-feira, a brisa da tarde carregava o aroma das folhas de manjericão, vindo do meu pequeno plantio, e com ele uma melancolia sutil, daquelas que nos convidam a ponderar sobre a vastidão do tempo e a rapidez da nossa passagem por aqui. Sentada em meu terraço, numa cadeira de balanço de ferro, enrolada com fio espaguete laranja, observava as folhas que se desprendiam dos caules ramificados, caindo ao solo, servindo de adubo para as que ainda resistiam ao tempo, cumprindo ciclos, um lembrete silencioso da impermanência. Da efemeridade da vida.

Meus pensamentos vagavam, impulsionados pelos versos de um poema que lera mais cedo, do meu amigo poeta Dom Marcelo, que falava sobre o legado e a brevidade da vida. “Se tudo termina no pó do caminho, por que semear, por que construir?”. A pergunta ecoava em minha mente, como um sussurro insistente. Quantas vezes nos dedicamos a projetos grandiosos, a edificar impérios de areia, apenas para vê-los desmoronar diante da primeira onda?

A busca por uma herança, por deixar uma marca indelével no mundo, parece ser uma obsessão humana, um tipo de paranóia. Queremos ser lembrados, celebrados, imortalizados em livros ou nas memórias daqueles que amamos. Mas, como bem nos lembra o poema, “o tempo apaga cada pergaminho”. As grandes obras se deterioram, os nomes se perdem na névoa do passado, e até mesmo as memórias mais vívidas se desvanecem com o tempo.

No entanto, em meio a essa constatação sombria, surge um lampejo de esperança. “Mas se há beleza na obra deixada, mesmo que o vento a leve ao além, se um gesto brilha antes do nada, será que o nada existe também?”. A boniteza, a bondade, a compaixão – penso ser esses os fragmentos de eternidade que podemos tecer em nossa jornada.

Talvez a verdadeira preciosidade não seja uma estátua de bronze ou um livro empoeirado, mas sim a soma de todos os pequenos atos de amor e gentileza que praticamos ao longo da vida. Um sorriso compartilhado, uma palavra de conforto, um gesto de solidariedade – esses são os tijolos que constroem um patrimônio duradouro, não na memória coletiva, mas na alma daqueles que tocamos.

E, quem sabe, a legitimidade esteja no próprio caminhar, na experiência de viver plenamente cada momento, de se maravilhar com a beleza do mundo e de se conectar com a essência da nossa humanidade. Afinal, como disse o poeta, “talvez o legado seja a jornada, e não quem o lembra ou o mantém”.

Levantei-me da cadeira de ferro enrolada com fio de espaguete laranja, com um leve sorriso nos lábios. A brisa da tarde ainda sussurrava entre as folhas, mas agora me parecia mais suave, mais acolhedora. O desalento se dissipara, substituída por uma sensação de paz e contentamento. A vida, em sua ligeirice e fragilidade, era um presente arretado, e a única maneira de honrá-lo era vivê-lo plenamente, com amor e gratidão.

LEGADO

Se tudo termina no pó do caminho,

por que semear, por que construir?

Se o tempo apaga cada pergaminho,

por que lutar, por que insistir?

Se o eco morre sem um vizinho,

que importa o nome para difundir?

Mas se há beleza na obra deixada,

mesmo que o vento a leve ao além,

se um gesto brilha antes do nada,

será que o nada existe também?

Talvez o legado seja a jornada,

e não quem o lembra ou o mantém.

Dom Marcelo

24/02/2025

 

 

 

 

 

Flávia Arruda – Pedagoga e escritora, autora dos livros As Esquinas da minha Existência e As Flávias que Habitam em Mim, crônicasflaviaarruda@gmail.com

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