AS MÃOS, O CORPO –
É tempo de floração da cultura digital. Digital diz respeito aos dedos da mão. Estão nas mãos humanas as flores do bem e as flores do mal. No isolamento compulsório, a que fomos submetidos, comanda a internet. Distribui informações maravilhosas, ou destinadas à perturbação social. O coronavírus faz-nos lembrar de que corona significa coroa, uma coroa de espinhos na cabeça da humanidade.
Convém a todos nós uma visão histórica.
A higiene das mãos e de todo o corpo ganha agora a importância de salvar vidas. Lavar as mãos é uma das grandes contribuições judaicas à civilização. Há milênios, Moisés recomendou ao povo a limpeza do corpo. Muito depois, os seus parentes árabes levaram a higienização ao continente europeu.
Na Última Ceia, anotou São João, Jesus lavou os pés de seus discípulos. A humildade divina recomendou aos seus apóstolos fazerem o mesmo. O lava-pés tornou-se praxe pelos príncipes da Igreja.
Pilatos era romano. Será que lavou realmente as mãos no tocante à condenação de Jesus? Adotou um hábito judeu? Os romanos costumavam lavar o corpo em banhos públicos.
Lady Macbeth, a ambiciosa rainha que liquidou o legítimo rei para que o marido tomasse o seu lugar, torturada pelo remorso, lavava obsessivamente as mãos. Sentia que a mancha de sangue não largava. Shakespeare descreveu a doença no século XVI. Hoje, os psiquiatras chamam-na de TOC – Transtorno Obsessivo Compulsivo.
Em meados do século XIX, o médico austríaco Philipp Semmelweis identificou maior número de mortes no parto. Isso porque, ao fazê-lo, as parteiras e médicos não lavavam as mãos. Recomendou a prática que logo se universalizou.
A limpeza corporal brasileira é dos nossos antepassados indígenas, os Tupis tomavam quatro ou cinco banhos, nadavam nos rios e lagoas. E neles não jogavam seus dejetos.
A primeira literatura feita no Brasil já demonstra esse fato. Em sua carta, Pero Vaz de Caminha, observador detalhista, dá notícia ao Rei Dom Manuel que os habitantes daqui “andam bem curados e muito limpos”. Caminha estava habituado a ver e sentir mau cheiro do civilizado porcalhão europeu. Michel di Montagna, depois de conversar em Rouen com Tupinambá, ouviu um relato de que um visitante brasileiro escreveu, nos Ensaios, a superioridade civil dos selvagens.
Maria de Betânia lavou os pés do Mestre com suas lágrimas.
No Calvário, o Salvador do Mundo dirige-se ao Senhor Deus: “Pai, em tuas mãos, entrego meu espírito”. (Lucas 23:46)
Muito além da tecnologia asséptica difundida pela internet, está o Jornal do Sertão dos Cantadores Nordestinos.
As flores do bem são ofertadas pelos cantadores nordestinos. A ciência do cordel está ao lado da melhor tecnologia asséptica. No Cordel, o poeta popular, além de recomendar lavar as mãos com sabão, exige também fazer a limpeza da alma e do coração.
Diogenes da Cunha Lima – Advogado, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN