AS MENINAS –
Meus avós paternos eram do interior da Paraíba. Maria e Severino, eram conhecidos por toda a gente por dona Lolô e seu Lelê. Papai herdou o nome do pai, mas sempre se apresentou pelo sobrenome, Nogueira. Lá na terrinha dele é conhecido por Bilzinho. Ele não simpatiza muito com o próprio nome. Eu entendo…
Cidade pequena tem umas coisas engraçadas. Só lembro da igreja estar aberta uma única vez, nas bodas de ouro de meus avós. Lembro dele atrás do balcão da bodega vendendo grãos e AAS infantil. A bodega era a representação de todo um shopping: mercadinho, farmácia, padaria, conveniência. Tudo tinha lá.
Depois de alguns anos, meus avós construíram uma casa na entrada da cidade, vizinha ao colégio e todos os que entravam lá passavam diante da casa, levantando poeira naquela estrada de barro e atropelando alguns sapos, o que me incomodava mais que a poeira…
O café-da-manhã com cuscuz, queijo caseiro, bolo amarelo pela cor dos ovos das galinhas criadas no quintal e leite tirado da vaca, também tinha inhame, macaxeira, galinha assada, papa, carne de sol torrada. Era cedo que começava o movimento na cozinha e se estendia por todo o dia, pois as refeições só terminavam para dar início à seguinte. Um vai e vem de pratos duralex, panelas grandes, fogões que nunca se apagavam.
Em determinada hora do dia vovô dizia que ia visitar “as meninas”. As meninas eram suas irmãs, também de idade avançada. Eu me divertia com aquilo porque, na minha cabeça, menina era eu, ainda criança, de cabelo preso em duas Maria-chiquinhas, camisetas com meu nome pintado e lendo gibis da turma da Luluzinha. Não elas, com seus cabelos grisalhos, usando vestidos de estampa floral pequenininha e chamando sutiã de califon. Não, não podiam ser meninas.
Mas, vovô Lelê as chamava assim e as visitava todas as tardes. Pegava seu chapéu, colocava na cabeça e saía assobiando, com seus passos lentos, vestindo camisa de botão. Agora percebo que nunca o vi de camiseta…
O que será que passava em sua cabeça naquele percurso, quando, enfim, se via distante do barulho da algazarra dos netos, jogando adedonha ou brincando de esconde-esconde debaixo das camas ou nos boxes dos banheiros? Ele sempre parecia despreocupado, de bem com a vida. Será que era mesmo? Nunca saberei disso… Depois de algum tempo ele voltava para casa, sentava à mesa com meu pai e ouviam músicas conversando sem parar. Iam ver a plantação ou o açude ou um animal aqui e ali. Logo estavam de volta para sentar à mesa e começar mais uma refeição.
Hoje em dia temos um grupo do terço. Temos praticamente a mesma idade. Sou a mais nova por questão de meses: 46 anos. Que estranho pensar nestes números… Enfim! Vou para o nosso quarto e aviso a todos:
– Estarei rezando o terço com as meninas!
Eles sabem que o aviso é dado para não me interromper. As meninas… As meninas de seu Lelê… As meninas de Babinha – como, carinhosamente, sou chamada. As meninas…
Agora eu entendo vovô e sua forma doce de chamar suas irmãs.
O tempo não parece passar, apesar de passar louca e velozmente por nós. Ou nós por ele…
Bárbara Seabra – Cirurgiã-dentista, Professora universitária e Escritora
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