Cada dia, cada ano, a eleição municipal se configura como uma disputa voraz pelo controle da maquina pública. Com o apoio da comunicação de massa que induz e seduz o eleitor, o município brasileiro transformou-se em projeto de ampliação do círculo familiar. É bastante colocar parentes próximos e confiáveis em secretarias para garantir a continuação do mando dos descendentes da mesma linhagem. O pior é que a súmula vinculante permite. Secretário municipal ou estadual é caracterizado como um cargo político. Pode? Daí, se conclui, que dessa maneira, jamais se saneará a vida pública dos vícios do nepotismo e do assalto organizado ao poder público.

Outro componente inconfiável que agride a lisura do pleito eleitoral reside no processo da reeleição. A fragilidade e a imaturidade desse sistema alimentam a ambição do político brasileiro. Encastelado na prefeitura, o gestor desonesto é capaz de qualquer improbidade para nele permanecer. E se perpetuar. Vejo ainda longe, muito longe, a reforma política para corrigir esses males, visto não existir vontade nos congressistas, nem no poder executivo porquanto não deseja se aprisionar. O programa “Bolsa Família”, por exemplo, é a institucionalização oficial de uma contravenção política ou uma falsa moeda que garante ao dono do poder a medalha de ouro das olimpíadas eleitorais. Se o estado e/ou o município criarem um programa dessa natureza com certeza cairão nas malhas da lei.

Tenho perfeito entendimento de que os juristas sinalizam constantemente o aperfeiçoamento das nossas regras eleitorais. E de que já se avançou bastante. Mas, paulatinamente. Concebo que negociar o novo tratado político-eleitoral com a classe política é o mesmo que malhar no ferro frio. O congressista jamais admite corte nos seus privilégios. Quando da discussão recente da lei contra o nepotismo, um deputado sugeriu ao Supremo Tribunal Federal o estabelecimento de uma cota de cargos públicos, só para atender a parentela da Câmara Federal e do Senado.

Por outro lado, existem prefeituras que se fortaleceram tanto, política e economicamente, alimentadas fortemente pela facilidade da moeda político-eleitoral denominada “emenda parlamentar”, que hoje, se constituem em verdadeiras cidadelas, feudos, bastilhas, símbolos do absolutismo familiar. Aí o nepotismo campeia. E, no entanto, foram poupados pela legislação como se já não bastasse a permissividade da reeleição. De que adianta a propaganda oficial veiculada constantemente na televisão que pede ao eleitor a renovação na escolha do candidato, a insubmissão ao voto comprado e que recuse a chantagem eleitoral de qualquer natureza? No momento em que, a política de coalizão partidária, nascida do monstrengo da pluralidade – colocou nas mãos dos parlamentares a faculdade de canalizar benesses financeiras para os municípios – criou-se uma terrível moeda de troca. A venenosa teia de aranha que dá sustentabilidade política aos governos cobra um preço muito alto, cuja fatura é impagável, à medida que robustece o controle de perpetuação da máquina dentro do mesmo círculo familiar. O direito fundamental do eleitor-cidadão é a queda total da Bastilha que ainda o humilha e perverte a democracia.

Do contrário, a cada dia, a cada ano, vai se legitimando o velho brocardo ademarista e malufista do “rouba mas faz”. A prosperidade de um município se mede pelo bem estar do seu povo e não pela riqueza pessoal dos seus gestores.

  Valério Mesquita – Escritor e presidente do IHGRN  – mesquita.valerio@gmail.com

Ponto de Vista

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