ASSOBIANDO E CHUPANDO CANA –
Outro dia li, em uma revista, uma matéria que dizia:
“A cantora alemã Anne-Maria Hefele possui uma impressionante característica: ela é capaz de cantar múltiplas notas – em diferentes tons – ao mesmo tempo. O fenômeno é conhecido como “canto overtônico”. “É uma técnica de canto onde a pessoa canta duas notas ao mesmo tempo”, conta Hefele.” http://revistagalileu.globo.com
Se tem uma coisa que eu acho o máximo é gente que consegue fazer duas coisas, ou mais, ao mesmo tempo. É muito massa quem cozinha e arruma a casa; atende o telefone e continua a preencher o formulário, que nada tem a ver com o assunto do telefonema; faz arroz, feijão, macarrão e carne, com as seis bocas do fogão acesas ao mesmo tempo, e ainda faz a salada enquanto o liquidificador rodopia com o suco de cajá umbu; fala ao celular, ou enviar mensagem de texto, e dirige; escreve um romance no meio de uma discussão conjugal ou faz as unhas enquanto faz escova nos cabelos.
Já tentei inúmeras vezes, colocar o feijão no fogo e ir lavar o banheiro. Ou o feijão queimou ou o banheiro ficou cheio de sabão – causando escorregões nos usuários distraídos. Desisti de tentar ser a mulher multitarefas. Assumi, definitivamente, minha incapacidade de fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Tive sorte de ter descoberto essa minha demência antes de incendiar a casa ou ser condenada por assassinato duplamente qualificado – com dolo e impossibilidade de defesa – advindos dos escorregões no banheiro ensaboado.
Sou o tipo de gente que não sabe assobiar e chupar cana. Morro de raiva ao tentar descobrir os segredos do mágico, pois sempre sou tapeada, no meio da magia, pela minha distração, ao observar outro ponto mais chamativo. Não sei amar duas pessoas ao mesmo tempo, não sei dividir atenções, nem carinhos e nem muito menos o fogo da paixão. Cada qual a seu tempo. Sou puro instinto, intensa e sem reservas. Em tudo que faço, entrego-me de corpo e alma. Sou absoluta e verdadeira nas minhas atitudes e ações. Não sei sorrir se dentro de mim só existe dor. Não sei chorar de dor quando a alegria não mais cabe em mim.
Esmero-me no que faço. Gosto de sentir, vivenciar e participar de todas as etapas de construção, desconstrução e reconstrução daquilo que me disponho a realizar. Gosto dos rituais do fazer, do cuidar e do preparar, dedicando-me a cada ação, uma de cada vez. Gosto de absorver-me, sem distração, naquilo que me dá prazer e me satisfaz. Entro em transe hipnótico ao realizar uma tarefa. Uma das minhas especialidades na arte de cozinhar é o arroz refogado com cenoura, que sai bem soltinho, colorido e delicioso. Na arte da costura, faço bolsa em couro, desde a modelagem até os retoques finais, com perfeição. Na arte do amor… Ah, Já querem saber demais!
Vou parar por aqui. Meu vizinho acabou de ligar o som nas alturas, Aff… Som alto no “pé do ouvido” e escrever crônica – ao mesmo tempo – definitivamente não ficou para mim.
Flávia Arruda – Pedagoga e escritora, autora do livro “As esquinas da minha existência”, [email protected]