Diógenes da Cunha Lima
A triste descoberta é a de que não tenho mais a quem pedir a bênção. Na verdade, posso pedir aos tios, mas não é a mesma coisa. Da mãe, é uma graça do céu, em que ela é intermediária. O ato de benzer produz efeitos bons e duradouros. Estou convencido de que dar e receber bênção é uma mercê que Jesus concedeu aos homens. Da mesma maneira que os padres consagram benzendo, pais, parentes mais velhos e padrinhos pedem a graça do Senhor sobre o abençoado. E conseguem.
Mãe não deveria morrer. Não morre, penso eu. Elas, apenas, escondem-se dentro de nós. Em uma parte nobre do nosso corpo, onde funciona a memória do coração. No coração se aloja a memória mais sensível.
Estava fazendo meditação em exercício de yôga. Há um momento especial em que ficamos entre a vigília e o sono, quase transe. Senti como se estivesse prendendo um pássaro azul nas mãos. Era bonito, pouco maior que uma rolinha. O pássaro voou. E era a minha mãe. Depois, os participantes do yôga fizeram um círculo. Novamente, imaginei o pássaro azul voando do chão para o infinito.
O meu pai costumava brincar com ela, dizendo:
– Nicinha, se você não cuidar de mim, eu viro um foguete azul e siuuu… desapareço. Depois, vão perguntar a você – e você que não mente – vai responder: Não, não morreu, confundiu-se com o céu.
Os dois estão voando no azul e, ao mesmo tempo, guardados em memórias do coração.
Sempre pensei que a orfandade existia para meninos. A orfandade não tem idade. Hoje, sabemos todos, a orfandade cresce com a idade, com a experiência de vida.
Dona Nicinha teve uma parada de funções vitais. Surpreendentemente, melhorou e foi hospitalizada. Não mais falou. Apenas reconheceu cada filho, abençoou Aryam, Gilma, Daladier, Marcelo, Dina e a mim, ainda que com dificuldade de pronunciar as palavras. Foi a última missão que se impôs, transmitir a bênção, intermediária de Deus. Não houve uma queixa durante a doença. Deixou aos seis filhos, vinte netos, vinte e sete bisnetos e uma trineta exemplo de fé, trabalho e dignidade pessoal.
Trabalhou duro, com o marido diabético no interior, para manter seis filhos estudando na Capital. Economizou tudo. Nunca aceitou a cultura do desperdício, infelizmente, tão difundida no nosso povo. Dona Nicinha nunca admitiu excessos. Nem faltas. As coisas deveriam ser na medida exata, com visão exata, com palavras exatas.
Sempre entendeu ser esta vida passageira, lugar para cumprir dever, ser útil e fazer feliz. Esteve sempre preparada para voar porque o seu lugar não era aqui.
Na presença dos seus companheiros do Apostolado da Oração, do seu Clube da Maior Idade, parentes e amigos, pedi que conservassem o belo costume brasileiro de pedir e receber bênção. Meus filhos e netos passaram a fazê-lo agora.
Não tenho mais a quem pedir a bênção estirando a mão direita espalmada em sua direção. A não ser em direção do azul.
Diógenes da Cunha Lima – Escritor, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN
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