BIBLIOTECAS ESPANHOLAS (II) –
Na semana passada, conversamos aqui sobre a “Biblioteca Nacional de España”, cuja sede principal fica em Madrid (no Paseo de Recoletos, 20-22) e, principalmente, sobre a “Biblioteca do Monastério Real de San Lorenzo del Escorial”, que fica a noroeste da capital do país (cerca de uma hora de carro), na cidadezinha de San Lorenzo del Escorial, que, afirmei (e ora reitero), não tem muitos atrativos, mundanos quase nenhum, afora o seu palácio/monastério, “El Escorial”, para muitos espanhóis, a oitava maravilha do mundo.
Já agora eu afirmo – e reiterarei mil vezes, se necessário for – que a cidade onde está localizada a nossa atração livresca de hoje tem atrativos de se perder a conta; e para todos os gostos, espirituais e mundanos, não importa. Falo da cidade de Salamanca (para depois, seguindo uma certa “lógica”, falar da biblioteca da sua Universidade).
Com uma história que retroage ao período pré-romano, às margens do rio Tormes, Salamanca é uma belíssima cidade universitária – e, por isso mesmo, muito cultural, movimentada, animada, vibrante – de cerca de 150 mil habitantes. Exemplo mais fulgurante do renascimento e do estilo arquitetônico “plateresco” espanhol (dominante por volta dos séculos XV a XVII), especialmente embelezada pelas obras barrocas dos irmãos/artistas Churriguera, José Benito (1665-1725), Joaquim (1674-1724) e Alberto (1676-1750), a cidade nos foi muito recomendada. Foram dois ou três dias lá. E ela não nos decepcionou.
As Catedrais Velha (românica, edificada entre os séculos XII e XIII) e Nova (“apenas” do século XVI) de Salamanca, que são vizinhas, são de tirar o fõlego. Foi ali pertinho, aliás, no número 9 da Plaza de Anaya, que topei com a excelente “Librería Nueva Plaza Universitaria” e adquiri, lembro-me bem, maravilhosos livros que ensinam o idioma espanhol através da literatura, da história, da arquitetura e das artes em geral. A Igreja de Santo Estevão, com sua fachada plateresca entalhada, é também de rara beleza. A Casa das Conchas, hoje uma biblioteca, é curiosíssima. E adoramos a “Plaza Mayor” (mantive o nome no original, que é mais chique), projetada pelos onipresentes (em Salamanca) irmãos Churriguera. Afinal, adoro praças do tipo, quase simetricamente quadradas, delimitadas pelos prédios à volta, com seus restaurantes, cafés e comércios variados, perfeitas para passear e se quedar sem destino certo.
Entretanto, pondo tudo na balança, o ponto alto da cidade, em torno do qual gira toda sua vida, é a sua Universidade. A denominada “Universidade de Salamanca”, ainda como “Estúdio Geral”, foi oficialmente fundada em 1218 pelo rei Afonso IX de Leão (1171-1230), mas, reconhecidamente, aulas já eram ministradas por ali, desde pelo menos 1130, por patrocínio e nas dependências da Catedral/diocese local. E foi já o rei Afonso X de Leão e Castela, o Sábio (1221-1284), alguns anos depois, que transformou (ou renomeou) o “Estúdio Geral” ligado à catedral em “Universidade”, sendo ela, portanto, de toda sorte, uma das primeiras na Europa (curiosamente, ela é posterior à pouco conhecida “Universidade de Palencia”, fundada, entre os anos de 1208 e 1212, na cidade próxima em homenagem à qual foi batizada, pelo Rei Afonso XIII de Castela, mas que teve vida breve após o falecimento deste).
E no que toca à “Biblioteca da Universidade de Salamanca”, como bem registram Jean Serroy (texto) e Guillaume de Laubier (fotografias), em “The Most Beautiful Universities in the World” (Abrams Books, 2015), “o orgulho espanhol é exemplificado na arquitetura e na decoração de uma universidade cujos edifícios, incluindo a velha biblioteca, são tesouros nacionais. Aberta em 1465, expandida em 1471 e reconstruída em 1749, a biblioteca não só possui uma coleção de 160.000 documentos e livros de valores inestimáveis, incluindo cerca de 3.000 manuscritos e 500 incunábulos, mas também é ela mesma um extraordinário trabalho de madeira esculpida, prateleiras cheias, marcadores indicando a classificação dos seus livros, móveis enormes e impressionantes globos representando a história e a geografia do mundo, e mais especificamente de um país de conquistadores que foram transportados pelos ventos oceânicos em direção a novos horizontes”. Chamou-me particularmente a atenção, recordo bem, a pequena “sala dos manuscritos” da famosa biblioteca, um dos seus mais preciosos ambientes, que, segundo registra “La universidad: una historia ilustrada” (Edición Turner, 2010), livro publicado sob a direção de Fernando Tejerina, guarda mais de três mil peças, parte delas (a maioria, para ser mais preciso) adquiridas onerosamente pela Universidade, outra parte fruto de doações de outras instituições ou mesmo de particulares.
No mais, se é a estátua do Frei Luís de León (1527-1591), ilustre professor de teologia da Universidade, que domina a entrada do famoso “Pátio das Escolas”, e se temos em Miguel de Unamuno (1864-1936) o seu mais badalado reitor, não esqueçamos, nós estudantes do direito, que a Universidade de Salamanca também foi a casa dos frades Francisco de Vitória (1483-1546) e Francisco Suárez (1548-1617), dois dos mais importantes juristas de todos os tempos, sobretudo para os fins do direito natural e direito internacional, sobre os quais, se Deus permitir, um dia ainda conversaremos aqui.
Muito embora eu já confesse que, rodando pelas ruas da cidade, com tantas maravilhas para se ver atualmente em Salamanca, com tanta gente jovem, bonita e animada para prestar a atenção, dessa feita eu quase não pensei nesses dois “Franciscos” de tantos séculos atrás.
Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP
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