BICICLETA –
Paro no sinal e vejo uma figura rosa se aproximando. Uma senhorinha, bem idosinha, toda de rosa, exceto pelas meias de cano longo azuis contrastando fantasticamente com o resto da vestimenta. Ela vinha na sua bicicleta. Capacete. Cabelinhos soltos ao gosto do vento. Sorriso no rosto.
Pensei na sensação gostosa que ela devia estar sentindo ao passar tranquilamente ao lado dos carros, sem máscara, sentindo cócegas no rosto causadas pelo vento, talvez conquistando o antigo sonho de andar de bicicletas…
Pensei que aquele sorriso provavelmente teria uma razão simples para acontecer tão genuinamente. Sorrisos genuínos geralmente têm relação com simples conquistas. Observar as ondas do mar. Olhar a lua cheia e encantadora. Escutar o ronronar do filho bebê. Tomar café na casa dos pais, reconhecendo cada pedacinho da casa que te acolheu nos anos de solteira. Comer um balde de jabuticabas. Ouvir uma criança falando golira e não gorila. Sorrisos genuínos.
Quase tão simples como as gargalhadas sonoramente genuínas. Aquelas que nos dobram ao meio. Que arrancam lágrimas e nos deixam sem fôlego. Que acontecem, muitas vezes, numa simples troca de olhares numa reunião séria e nos fazem perder o eixo e… e gargalhar! Rir tanto até esquecer o motivo da risada, mas ser grata por ele ter existido e valido apenas estes segundos que nos retiram do mundo sério dos adultos. Mundo cheio de prazos, de planilhas de Excel, reuniões com pronomes de tratamento, e-mails repletos de palavras novas. A fuga…
Acho que a senhorinha de rosa estava fugindo. Fugindo dos problemas, das preocupações, das angústias. Ela só não imagina que me levou no bagageiro. Leve como uma folha. Uma leveza me dada por ela ao sorrir para o mundo e me lembrar de fazer o mesmo. Fugi sorrindo por alguns instantes e agradeci por ter sido tocada por ela, a senhorinha de rosa, a senhorinha da bicicleta…
Bárbara Seabra – Cirurgiã-dentista, professora universitária e escritora