A BOA MORTE –

A expressão não é contraditória. Da boa morte é, talvez, o primeiro título de louvor a Nossa Senhora. Também é o que a ela rogamos no final da “Ave Maria”.

É bom ter vida longa, mas não prolongar sofrimento. Os gregos antigos já preconizavam (eutanásia) a boa morte. Deve ser o ideal, principalmente, para quem teve uma boa vida.

O Direito da maioria dos países, inclusive o Brasil, inadmite qualquer iniciativa para fazer cessar o sofrimento incontrolável, doentes terminais.

Ortotanásia (morte sem sofrimento) e distanásia (morte lenta e muito sofrida) são expressões destinadas a se aplicar, inclusive, ao suicídio assistido. Afinal, ninguém veio ao mundo para sofrer.

O tema é um dos mais polêmicos, abrangendo convicções ético-jurídicas, científicas, socioeconômicas, religiosas. Negada por muitos, poucos aceitam a ortotanásia, evitando a distanásia sem promover meios para provocar rapidamente a morte.

O importante é que se deve usufruir inteira e plenamente do que a vida nos oferece do bem e do belo. Ainda, à consciência da finitude humana, valem as ações edificantes, a promoção do bem-estar próprio e do outro, o que acarretam a alegria e o júbilo de ser. Importa deixar lembrança memorável. De quem se possa parodiar antigo poema: “Foi como um sol poente / que já não dá calor / mas ilumina a gente”.

A legislação de muitos países, com diferentes conceitos, adota a boa morte de alguma forma. Holanda, Suíça, Canadá, alguns Estados dos EUA, Bélgica, Colômbia e Portugal cominam pena quase simbólica. O Brasil criminaliza a eutanásia como homicídio (art. 121 do C.P) ou ainda (art. 122 do C.P) indução ou instigação ao suicídio. E ainda estabelece com o aumento de pena quando a “vítima” tem diminuída a capacidade de resistência. Apenas possibilita a diminuição da pena quando um agente for impelido por motivos de relevante valor social ou moral. A Constituição Brasileira coloca em primeiro lugar um dos direitos fundamentais: a inviolabilidade da vida. Isso significa dizer, a bem dizer, que qualquer mudança legislativa deveria ser feita através de Emenda Constitucional.

Em 1934, o Uruguai editou código penal reconhecendo o “homicídio piedoso”, possibilitando ao juiz a não aplicação de pena. O Rio Grande do Norte tem pioneirismo. Um ano antes da lei uruguaia, o médico Januário Cicco escreveu tese eutanásica, que foi muito discutida por profissionais e integrantes e, depois, por seus colegas da Academia Norte-rio-grandense de Letras. Os professores Gustavo da Cunha Lima Freire e Juarez Chagas criaram, para a UFRN, as disciplinas de Bioética e Tanatologia.

Considera-se entre os requisitos necessários à eutanásia, ser imprescindível a manifestação do interessado, quando possível. Em pessoas em estado vegetal, admite-se a presunção de sofrimento desnecessário.

A mídia planetária tem destacado a conquista da morte pelo cientista e professor australiano, David Goodall. Ocorreu na Suíça aos 104 anos em uma clínica de suicídio assistido. Apesar de não ter doença terminal, considerava sua vida um sofrimento desnecessário, inútil. Como na Austrália a eutanásia é criminalizada, ele pediu ajuda ao programa “Exit International”. O professor ficou famoso quando a universidade em que ensinava desejou terminar a sua carreira por riscos da sua idade avançada. Ele recusou e continuou lecionando.

Ouvindo a 9º sinfonia de Beethoven, ele tomou a injeção letal, cercado de familiares e amigos. Hoje, deve estar gozando das delícias do paraíso.

Para ele, alguém poderia ter lido este trecho de “O Guardador de Rebanhos” de Fernando Pessoa: “E quando se vai morrer, / lembre-se que o dia morre / e que o poente é belo e / é bela a noite que fica”.

David lutou, mas conseguiu uma boa morte.

 

Diógenes da Cunha Lima – Advogado, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN

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