Ontem passei o dia na British Library. Não era minha primeira vez, é verdade. E confesso que fui lá com dois propósitos bem definidos: registrar-me formalmente na biblioteca, para ter um acesso mais amplo a seu acervo e, especialmente, ver a Magna Carta (também chamada de Magna Carta Libertatum ou Grande Carta das Liberdades), na sua versão original, de 1215, que a British Library possui em exposição no seu museu.
Originalmente escrita em latim e conhecida, no Brasil e mesmo no mundo de língua inglesa, pelo seu nome latino, a Magna Carta, para quem não sabe, é um dos documentos mais importantes da história do direito e, por que não dizer, da Humanidade. Segundo a British Library, não há evidências de que apenas um único original da Magna Carta tenha sido produzido e oficialmente firmado em 1215 e, dos muitos “originais” da Magna Carta produzidos à época (sendo guardados em lugares supostamente seguros, como catedrais, abadias etc.), apenas quatro sobreviveram e dois desses estão no seu museu. Os outros dois exemplares acham-se nas cidades inglesas de Salibury e Lincoln.
A Magna Carta, registre-se, teve como inspiração e modelo a anterior Charter of Liberties, de 1100, na qual o rei Henrique I voluntariamente reconheceu que seus poderes estavam limitados pela lei. Mas, quando falamos da Magna Carta, nos referimos, precisamente, ao documento de 1215, que foi várias vezes emendado nos anos subsequentes, por diferentes monarcas, sendo a versão de 1297, é verdade, a que restou assentada nos livros pertinentes à legislação da Inglaterra e do País de Gales.
Na época, a Magna Carta foi uma solução prática para um contexto em que o rei inglês estava em conflito com a Igreja e com boa parte dos barões do Reino e enfraquecido por desastrosas campanhas militares em França. Por pressão dos barões, ela exigiu do rei João Sem Terra (que teve sempre sua legitimidade ao trono inglês contestada pela forma como a ele ascendeu após a morte do rei Ricardo Coração de Leão, que havia partido para uma cruzada) e, por consequência, dos monarcas subsequentes que respeitassem certos direitos e procedimentos legais, deixando claro que a vontade do monarca não era absoluta, estando sujeita ao direito. Afirma-se, por exemplo, estar na Magna Carta a origem do instituto do habeas corpus. Ela, pelo menos implicitamente, garante a expedição dessa ordem para o caso de prisão ilegal. Não resta dúvida, entretanto, que a Grande Carta foi um dos primeiros passos dados no caminho que levou ao surgimento do constitucionalismo moderno, sobretudo nos países de língua inglesa, como a Inglaterra e os Estados Unidos, bastando lembrar sua repercussão no Bill of Rights americano e na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Alguns de seus artigos e parte da introdução, inclusive, ainda estão tecnicamente em vigor no contemporâneo direito inglês.
Mas o fato é que, confesso, mais uma vez fiquei embasbacado logo ao entrar na British Library e ver sua “lojinha”. Ou seria melhor definir como livraria? Não resisti à tentação e ali entrei. Os que me conhecem sabem que eu adoro livrarias. E se adorasse apenas livrarias, haveria uma explicação plausível. Vai ver é porque gosto muito de livros. Mas também adoro andar por supermercados e shoppings centers, mesmo que, “econômico” que sou, não compre quase nada. Tenho achado que a razão para isso está nas cores. Sim, na profusão de cores que sempre há em livrarias, supermercados e shoppings centers que, não sei bem dizer o porquê, acalentam a minha alma.
Entretanto, com as livrarias acontece algo mais. Certa “fúria” consumista me atinge, tenho sempre dito, e compro livros e mais livros. Não foi diferente dessa vez. Afinal, eram livros sobre a história da literatura, da linguagem, da escrita, da impressão, livros sobre a história do livro, enfim. Títulos sugestivos como “1000 Years of English Literature”, “Literary Genius”, “A Book Addict’s Treasury”, “Libraries within the Library”, “Books as History”, “A Bibliography of Printing” e “Form and Meaning in the History of Books”. Infindáveis títulos, dos quais, alguns (ou muitos, depende do ponto de vista) comprei.
E com isso, com essas aquisições, além da volta da velha dor no ombro por carregar livros (e vinhos também, confesso), o que ganhei? Agradáveis momentos de leitura, claro. Mas, sobretudo, ganhei cores para eu enxergar em casa e acalentar a minha alma.
Sim, da Magna Carta, pouco vi. Apenas o suficiente para colher as informações necessárias à redação desta crônica. Quanto ao registro na British Library, me esqueci.
Ficará para outra vez; amanhã, talvez.
Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP
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