CADÊ NOSSA MEMÓRIA
Quando se alardeia que o Brasil é um país sem memória, tem gente que estrebucha tentando ensombrar o óbvio ululante. Relembro aqui atitude recente dos poderes Executivo e Legislativo de Natal, objetivando alterar o tradicional topônimo Avenida Salgado Filho para homenagear um ilustre potiguar. Indiscutível a boa intenção de agraciar o cidadão, porém, resguardando o pouco de patrimônio histórico da cidade.
Procedimento idêntico ocorreu em 2017, quando da tentativa de condecorar renomado político da terra sacrificando o nome da Avenida Hermes da Fonseca, via integrante de uma sequência de oito artérias paralelas que homenageiam os primeiros presidentes do Brasil. O bom senso prevaleceu ao ataque à memória.
O desrespeito alcança edificações históricas, logradouros, museus, todos acusados do crime de tentar preservar do esquecimento o legado cultural público. O menosprezo e o abandono de relíquias alcançam desde o modesto Museu Café Filho até a Fortaleza dos Reis Magos, marco inicial da cidade de Natal, inaugurada em 1599.
Tal indiferença não é privilégio do povo potiguar, pois ainda remói na nossa lembrança o desleixamento causador do incêndio que destruiu o Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, em 2018.
Enquanto isso, em Montese – comuna italiana da região de Modena – existem, no museu histórico da cidade, salas dedicadas a pracinhas brasileiros pela participação heroica na II Guerra Mundial. No dia 25 de abril – considerado data cívica relevante na Itália -, se festeja a libertação da cidade do jugo nazifascista.
Após desfiles e deposições de flores em diversos monumentos alusivos à guerra, o ponto alto da celebração acontece quando estudantes da rede municipal de ensino executam a Canção do Expedicionário, em português claro, numa homenagem à efetiva ação da Força Expedicionária Brasileira – FEB. É algo de arrepiar os cabelos e fazer marejarem os olhos do mais insensível dos brasileiros presente ao evento.
Tais homenagens em reconhecimento aos feitos da FEB ocorrem, também, nas cidades italianas de Gaggio Montano, Sassuolo, Vignola, Collecchio, Fornovo di Taro, Tortona e Staffoli. A festa se repete há 75 anos.
A presença do Brasil na I Guerra Mundial é desconhecida da maioria do nosso povo. Na época, o Brasil era o principal produtor mundial de café e abastecia toda a Europa. O Império Germânico, sem respeitar a nossa neutralidade no conflito, afundou o cargueiro Paraná. Em seguida, os navios Acari, Guaíba Taquari, Tijuca, Lapa e Macau, transportando grãos para países inimigos da Alemanha.
Tais ocorrências ensejaram o engajamento do Brasil na guerra. Entre os compromissos assumidos na Conferência Interaliada de Paris nos competiu, entre outras atribuições, a operação do principal hospital de feridos da França, sob o comando de uma Comissão Médica de Caráter Militar. Transcorria o governo Wenceslau Brás.
Tamanho foi a colaboração dos brasileiros que, em reconhecimento ao trabalho executado, o governo francês criou um jardim com 7.070m2, inaugurado em 1994, no Hospital Vougirard, e ali afixou uma placa com a seguinte mensagem:
“Aqui ficava o Hospital Franco-Brasileiro para feridos de guerra, criado e mantido pela Colônia Brasileira de Paris como contribuição para a causa Aliada – 1914 – 1918. Placa inaugurada na ocasião do LXXX Aniversário da presença na França da Missão Médica Especial Brasileira.
Algo incrível de imaginar: um feito brasileiro centenário, ainda hoje reverenciado num país estrangeiro. Enquanto aqui…
José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro e Escritor