CANUDOS, UMA LIÇÃO NORDESTINA E BRASILEIRA –
O sertão esconso nordestino, cenário do Brasil real, de Ariano. Como registrado em cordel: um mar seco de viúvas paupérrimas!
O povoado do Belo Monte, a Meca, a tão esperada liberdade esparramada pelo Conselheiro, dito monarquista e sebastianista, em bom tempo foi erguido!
Adveio a guerra santa!
Ao final da tragédia republicana brasileira, restaram mais de 20 mil sertanejos conselheiristas mortos, e somente salvas estas 400 mulheres e crianças, um quadro expressivo e dantesco de milhares de brasileiros sacrificados. Perdas oficiais: cerca de cinco mil militares.
Para desespero das autoridades da República nascente, chegavam pelo telégrafo notícias preocupantes do front sertanejo, nos primeiros meses do ano da Graça de 1897.
O chefe de milícias de Conselheiro, líder da guarda católica, o pernambucano Pajeú, circulava pelas margens do rio Vaza-Barris com agilidade e dissimulação, cuidava dos bacamartes e de cada espingarda pica-pau, a pólvora extraída das pedras ressequidas da caatinga. Pernambucano de Pajeú das Flores, como Lampião, Pajeú tornou-se célebre guerrilheiro da guerra do fim do mundo, Canudos! Suas frações de jagunços se posicionavam atrás de rochas e moitas, alteadas, em número de 150 curimbabas em cada lado dos caminhos que demandavam o Belo Monte. Atacavam num só tempo brandindo foices e afiadas parnaíbas!
A cada revés, aumentava a comoção nacional na capital da República, o Rio de Janeiro!
Na guerra, as demais milícias de Conselheiro eram lideradas por Pedrão, chefe na frente dos conselheiristas na travessia de Cocorobó; outro, o celebrado João Abade, braço direito de Antônio Conselheiro, comandou os jagunços em Uauá. Na ambiência sertaneja, antes, Pajeú fez-se escravo liberto e acompanhou a leva de retirantes
sem esperança que seguia os gritos do Beato Conselheiro! O comandante da tropa de vante, e das artilharias no sopé da favela, coronel Moreira César, foi atingido por um tiro disparado por Pajeú, bem de perto, a arma do guerrilheiro: um bacamarte boca-de-sino, municiado com chifre de novilho!
Moreira César usava um bem-disposto colete de aço: no entanto, ainda assim, foi milimetricamente transpassado pelo disparo em falha do anteparo da veste guerreira. É preciso reverenciar os heróis das forças nacionais, impulsionadas para encarar os combates atrozes.
O substituto imediato, o coronel Tamarindo! Sua célebre ordem de comando saiu das páginas d’Os Sertões de Euclides: “Companheiro, é tempo de murici ! Cada um cuide de si!” Na desordem, seguiu-se uma debandada infernal de soldados esfarrapados pelo cáustico sertão em brasa! O governo ordenou a máxima reação possível; batalhões de todo o país foram mobilizados para o sertão baiano.
A partir do anúncio da morte de Pajeú no final de julho, e dos canhões chegados, enfim, a guerra seria solucionada na quarta e gigantesca expedição, chefiada pelo general Artur Oscar.
Em ação a “matadeira”, esse canhão dos infernos rugiu do alto da favela, e, na sequência, deu-se o massacre na ponta do canhoneio. Os petardos caíam impiedosos sobre milhares de casebres de taipa.
A reação impensada e arrojada dos sertanejos ainda assustou a gigantesca Coluna, que emperrara temerariamente às portas do arraial: fome, sede, feridos de monta, falta de munição, a escassez de suprimentos assolava a expedição! Salvou-a a tempo a Coluna do general Savaget que avançou a caatinga por Jeremoabo.
O que restou do arraial do Belo Monte, foi queimado. Entrou para a história a guerra do fim do mundo! Estava salva a república, a que custo!
Houve registro da derradeira expedição. Na cena terrível um fotógrafo destacado pelo Exército para cobrir as operações, Flávio de Barros.
O correspondente do Estadão e Acadêmico Euclides da Cunha registraria para a posteridade os acontecimentos que macularam a República, registros que refletem o pensar até os nossos dias.
Luiz Serra – Professor e escritor