CAPA DE REVISTA –

Duas amigas fotógrafas me convidaram para fazer um ensaio sensual, aliás, o segundo. Este último teria um propósito diferente do anterior, ser um ensaio comercial, como um tipo de cartão de visita, do estúdio fotográfico, nas mídias sociais. O estúdio lançou a proposta de realizar ensaios diferentes do padrão ao qual estamos acostumados a ver: aqueles com mulheres fantásticas e exuberantes, com corpos, idades e rostos perfeitos, modelos “Capa de Revista”.

A proposta sugeriu um ensaio sensual como incentivo e apoio as mulheres reais, mulheres do cotidiano, que vivem o dia a dia, com os pés fincados no chão, cada uma a sua maneira, mostrando seu jeito próprio de ser. Dessa forma, destacando, de maneira artística, a valorização e empoderamento feminino. A liberdade de sermos quem realmente somos, sem as imposições dos padrões impostos pela indústria da beleza.

Diga-se de passagem, um trabalho belíssimo, de pura arte, inteiramente mergulhado nas técnicas e padrões artísticos para a fotografia atual. Um trabalho talentoso e totalmente profissional.

Ah! Que delícia de arte esta, que tem o poder de extrair belezas antes acanhadas por padrões inalcançáveis. Aí, para quem se achava gorda, feia e quase idosa (euzinha aqui, a que vos escreve), esse pensamento pautado no manual social da ditadura da beleza em voga, não imaginava, em tempo algum, que pudesse expressar, em imagens, uma beleza como essa, escondida pelo preconceito e machismo impregnados por nossa sociedade patriarcal.

Percebam que não há nada explícito, são apenas fotos, de certa forma ousadas, claro. Ah, é importante ressaltar (o que não deveria ser) que as imagens NÃO estão expostas para receber curtidas ou cantadas de homens. Não é essa a intenção, não andamos em busca de homens, de autoafirmações. Ora, se assim fosse, seria um modo clichê e/ou medíocre de buscá-los. “Na real?” Não me representa, não me convém certos estigmas.

De fato, e de direito, as fotos estão nesse “cartão de visitas” para dizer às mulheres que sofrem preconceitos, machismo e violência doméstica, que nós podemos ter a posse de nossas vidas, e não temos que admitir sermos servis, subjugadas ou menosprezadas por qualquer coisa que queiramos fazer com nossos corpos, com nossas vidas, que dirá nesse contexto nitidamente artístico. E qual o porquê de não o fazer, se eu desejar?

É uma pena vermos mentes estreitas, vislumbrando apenas o erotismo diante de belas imagens, deixando de lado o mais belo de toda essa conjuntura, que é a arte, a força feminina e a liberdade de expor nossas verdades.

Talvez, por isso, eu use a escrita como extensão daquilo que não consigo conter em mim, por ser a pura explosão daquilo que me invade. Uso a escrita sem pretensões, apenas como uma forma de libertação, assim como o ensaio BOUDOIR.

Já pensei em parar por aqui, porém, já fui longe demais para recuar. Já enfrentei muitas situações cruéis e desumanas para permitir que outras mulheres sofram do mesmo mal. Sim, é por elas, por todas nós, feministas, neutras ou machistas, que eu continuo lutando com os recursos que me cabem, com minha imagem aliada à poesia, para que, em algum momento, possamos nos reconhecer nesse lugar como sendo nosso, de aceitação e libertação, não é só uma questão de empoderamento feminino, pois é muito mais que isso, ou seja, é sobre sororidade feminina; é sobre nos apoiar, fortalecer-nos, motivar-nos e nos valorizar.

Que possamos nos unir contra essa misoginia cruel. Sim, precisamos das Marias, Joanas, Michelles, Danieles, Flávias… incentivando outras Marias, Joanas, Michelles, Danieles, Flávias… Ainda mais necessário, nesse momento em que se fala tanto em empoderamento feminino – e percebemos que ainda estamos engatinhando no sentido de quebrar tabus, preconceitos e o machismo estrutural. Já conquistamos muitos espaços? Sim, mas, não é, ainda, o nosso lugar.

Eu, Flávia Arruda, mãe, escritora e mulher, entendo que as fotos são extratos belíssimos da arte, o que tento conciliar com a outra arte, a de minha singela escrita. Assim, tudo pode ser visto e lido nos meus retratos, entre poemas e imagens. Quero ser vista com arte e não com preconceito.

O que eu tento fazer é quebrar velhos conceitos, estigmas impregnados de preconceitos e, acima de tudo, respeito pelas escolhas, sejam quais forem e de quem quer que seja. Não é fácil. Eu sei. Entretanto, não posso me negar esse lugar.

Pena que ainda estamos aprisionados num tempo que espirra, e respinga em nós, o preconceito e o machismo. No mais, estou feliz por fazer parte da geração que ousa e não mais se intimida com certos comentários.

 

 

 

 

Flávia Arruda – Pedagoga e escritora, autora do livro As esquinas da minha existência – [email protected]

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