CAPÍTULOS DA NOVELA BRASILEIRA –
Dizem os críticos, que novela é um gênero literário, com narração de fatos, repetição de ações e contradições. Hoje, o cotidiano brasileiro assemelha-se a capítulos de uma “novela”, encenada durante gravíssima crise sanitária. Vejamos, alguns capítulos.
Tudo começa pela insistência com que o presidente Bolsonaro incentiva diariamente aglomerações, à porta do Palácio Alvorada, com “gritos de guerra” de seus fanáticos correligionários. Tais demonstrações de poucas pessoas servem para exacerbar os ânimos e ao calor da emoção, o Presidente dispara expressões, que geram crises.
Na última semana, o país assistiu espetáculo no estilo de teatro burlesco. O chefe do governo, sem aviso prévio, força a porta do gabinete do presidente do STF para constranger o ministro Dias Toffoli e obter a suspensão da “quarentena”. Como se sabe, o presidente Bolsonaro “apita” apenas 1% em seu governo e o superministro Paulo Guedes 99% (ele mesmo confessou).
A ideia da caminhada pela praça dos três poderes partiu desse seu “mentor mor”, que abertamente patrocina o “andar de cima”, além de defender política econômica semelhante à do Chile, sem “divisão de sacrifícios” e na qual “o pato” será sempre pago pela classe média, assalariados, servidores públicos, profissionais liberais, pequenos e médios empreendedores, agricultores etc. Meritocracia, totalmente desprezada!
Alguém já viu o “czar” Paulo Guedes ouvir trabalhadores (representações idôneas e não os “pelegos” do passado), funcionários públicos, consumidores, pequenos e médios empresários? Ele ouve exclusivamente “industriais”, que devem ser ouvidos e influírem nos destinos da nação, mas não de forma única e exclusiva.
Se esse setor oferta empregos é bom lembrar que não há lucro sem trabalho. O mérito pertence a quem oferta o emprego, mas também a quem trabalha e gera tributos, sem usufruir incentivos (4% do PIB), ou outras vantagens.
A propósito, o bilionário investidor Warren Buffet, indagado sobre o “capitalismo irrestrito” no estado que surgirá após a pandemia, respondeu: “Não quero pensar em nada diferente do capitalismo, mas certamente não quero o capitalismo irrestrito”.
Outro capítulo na “novela brasileira”, mostra o presidente insistindo no litigio com governadores e prefeitos para “abertura da economia”, que é aliás o desejo de quem tenha bom senso. Ninguém está confortável com milhares de pessoas perdendo emprego. Na UTI está o “povo brasileiro”.
Logo, a prioridade deve ser a elaboração de “um plano técnico e cientifico”, que combata a doença, evite mortes e incremente a economia por etapas, considerando cada localidade, o mais rápido possível.
Neste contexto de incertezas, a indagação é se os governadores e prefeitos com o “isolamento” faliram o país, como afirma o presidente. Se não tivessem sido adotadas as conhecidas medidas, quanto seria o número de mortos? A estimativa cientifica é que sem “quarentena”, o Brasil chegaria a mais de 1.5 milhão de mortes.
O “aliado presidencial” Osmar Terra citou na TV, o exemplo de suspensão do isolamento na Coreia do Sul (nação rica, menor que o Brasil e investiu em testes em massa). Justamente quando ele falava, a mídia noticiava que o vírus voltara à Coreia e a quarentena também.
A mesma coisa ocorreu em Cingapura e outros países. Ou seja, o mundo inteiro estaria errado, repetindo asneiras? Só estariam certos o presidente Bolsonaro e Osmar Terra?
O “apogeu” da novela brasileira foi no último domingo, quando o chefe do governo se transformou no primeiro presidente na história, a falar tão cedo em reeleição, ao declarar: “Vou sair da Presidência da República, no dia 1º de janeiro de 2027”. Durante a campanha são inúmeras as declarações, em que ele combatia e negava pretender reeleger-se.
Hoje, os sinais são de que pensa mais em reeleição, do que no próprio governo e adota o estilo de combater a “corrupção” e a “velha política”. Aposta na tática do confronto, mas também “aglutina” simpatias. Conseguiu apoio das igrejas protestantes, acomodou os interesses militares com substancial aumento de vencimentos, festeja os “caminhoneiros”, atende a chamada “avenida Paulista”, através do “czar” Paulo Guedes.
Contra fatos não há argumentos, independente da opinião de cada um. Em plena pandemia, a campanha de 2022 já começou. Até quando, tantas contradições? Deus queira que mude!
Por mais isenção que se tenha é muito difícil entender o Brasil de hoje.
Ney Lopes –jornalista, ex-deputado federal e advogado – nl@neylopes.com.br
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