A CÁPSULA DO TEMPO –
É dureza ser avô. Não me refiro à grata satisfação de vermos os filhos transformados em pais. Atenho-me aqui às dificuldades que o exercício da condição paterna, em dose dupla, impõe ao despreparado, inábil e, algumas vezes, ridículo ente chamado avô, enfrentando peraltas de inteligências privilegiadas, numa realidade diferenciada daquela na qual ele criou os seus rebentos.
Quem já não se viu enredado numa “saia justa” por conta de alguma pergunta capciosa de neto? Ou não se sentiu diminuído ante o olhar de severa reprovação por considerar banal algo importante para o pirralho? E quanto ao mundo da alta tecnologia da informática? Não raro, um avô despreparado em computação, ousa incursionar pela área com os netos, para logo desistir da empreitada humilhado ou tachado de burro ou alienado… E por aí vai!
Mas, nem sempre são temas dessa natureza os complicadores da vida do avô. Em certas ocasiões o embaraço decorre de assuntos que requerem seriedade, porque atingem a formação da criatura alvo primordial da orientação dos genitores. Recentemente, eu me deparei com uma situação dessas.
Minha filha mais velha me pediu para escrever uma mensagem endereçada à neta mais nova. A menina havia terminado o curso infantil com seis anos de idade, e se preparava para enveredar no estágio fundamental. A escola objetivava guardar as missivas destinadas aos alunos numa espécie de cápsula do tempo, durante doze anos, até ser aberta em 2028.
O que pareceu uma tarefa simples no momento da solicitação, me deixou encafifado após raciocinar quanto ao teor a ser escrito. O que um indivíduo no limiar da existência diria a uma criança no florescer da vida, que traduzisse, no futuro, algo importante para uma mulher na plenitude de sua juventude? Quais conselhos minha neta, aos 18 anos, gostaria de encontrar naquela carta? O que eu poderia afiançar para incutir segurança em alguém começando a trabalhar o seu destino?
E quanto mais eu pensava menos atinava aonde chegar. Descartei conselhos, porque o melhor aprendizado está em vivenciar as situações. Pareceu-me despropositado citar frases de autoajuda; maior proveito ela tiraria observando os exemplos de casa e do mundo que a rodeia. Encher linguiça com palavras insinuando sentimentos desprovidos de emoções verdadeiras, não condiz com o meu feitio.
A princípio, eu nada escreveria que a entristecesse naquele longínquo dia de abertura da cápsula. Tudo que a acabrunhasse me desagradaria. Uma barreira emparedou minhas ideias deixando o branco se apossar dos pensamentos.
Então se deu o estalo. Separei algumas fotografias onde aparecíamos em situações agradáveis, e as anexei ao texto a seguir:
“Olá, Ana Júlia! Deixe a preguiça de lado e venha correndo me abraçar, dividindo sua alegria com este alquebrado oitentão. Caso a inevitável passagem tenha ocorrido, não se faça de rogada, dirija-me uma prece e ficarei feliz por ainda estar presente na sua lembrança. Que Deus lhe abençoe! Seu avô, Narcelio.”
Ponto final.
José Narcelio Marques Sousa é engenheiro civil. jnsousa29@gmail.com
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