Violante Pimentel
O carnaval, por ser uma festa popular, contagia o povo, que precisa de pão e circo. Um turista americano, ao ver o desfile carnavalesco no Rio de Janeiro, perguntou a um popular que estava ao seu lado:
– Isso tudo “ser” felicidade?
E obteve a resposta:
– Não!!! Isso tudo é desespero!!!
Um cachaceiro muito conhecido nas ruas de Natal perambulava pelos bares, pedindo ajuda em dinheiro para fazer o enterro do pai, que falecera em pleno sábado de carnaval. As pessoas se comoveram e procuraram ajudá-lo, na medida do possível. A solidariedade humana sempre se manifesta nessas horas. O seu pedido de ajuda se estendeu também a algumas residências, inclusive à de um conhecido e respeitado comerciante de Natal, conhecido como José Cancão.
O pobre homem, mesmo embriagado, demonstrava muito sofrimento, e, chorando, agradecia às pessoas que o ajudavam. Comovido, agradeceu também ao Sr. José Cancão.
O tempo passou, e no ano seguinte, em pleno carnaval, o mesmo homem apareceu novamente, chorando nos bares, dizendo ter sofrido novo golpe do destino. Dessa vez, a vítima fora a sua mãe, que, segundo ele, morrera de câncer A cena se repetiu e todos ajudaram o pobre homem a providenciar o funeral da pranteada mãe.
Mais um carnaval chegou. O homem tornou a explorar a caridade pública, repetindo o pedido de ajuda, novamente para o enterro do pai, no sábado de carnaval. Conseguiu o seu intento e sumiu das ruas do centro da cidade, indo cair na folia na periferia, bebendo cachaça à vontade.
O tempo deu outra volta e chegou novamente o carnaval. O inveterado cachaceiro, mais uma vez, procurou ajuda de casa em casa, para poder fazer o “enterro da mãe”, dizendo agora que a velha teria morrido de um derrame cerebral. Várias donas de casa se comoveram e contribuíram para o enterro da mulher. Por coincidência, o pedinte, desesperado, bateu palmas na casa de José Cancão, que tinha uma memória privilegiada, e já tinha contribuído para o “enterro” da mãe e os dois “enterros” do pai do malandro. Agora seria o segundo enterro da mãe do golpísta.
José Cancão, ao reconhecer o pilantra, encarou-o com seus grandes e penetrantes olhos azuis, e falou, quase gritando, com a sua voz grave:
– Olhe aqui, seu malandro:
-Pai, você pode ter tido mais de um!!! Mas mãe, você só pode ter tido uma! Eu já lhe dei uma ajuda para o enterro dela no carnaval passado!!!
O malandro saiu dali correndo, com medo dos gritos de José Cancão, que ameaçou entregá-lo à polícia!!!
Violante Pimentel – Escritora
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