CARTA PARA PAPAI NOEL (58 ANOS DEPOIS) –
Esse foi o tempo que fiquei sem escrever a minha cartinha para Papai Noel. Não por falta de tempo, mas pelo tempo que outros dispensaram para me desiludir de que ele não existia.
Como não existia?!
Claro que existia. Ainda hoje, “acorcundado” pela vivência de desenganos, acredito e não deixo que as lembranças que trago da natalina infância se percam entre a rudeza e a seriedade dos ventos atuais.
Se eu não acreditasse teria perdido momentos únicos de uma alegria infantil, pura, aberta ao sorriso. Não é atoa que Deus me autorizou a imaginar, sonhar e apressar a hora para colocar o chinelinho ao lado da cama. O sono era tranquilizante. Nada de ansiedade. A paz de uma criança não se mede quando a certeza de que tudo é possível se tornar realidade. Ao amanhecer estaria ali a “chave” que abriria a fantástica alegria que somente as crianças sabem expressar sem estar sujeita a julgamentos e críticas.
“Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino dos céus pertence aos que são semelhantes a elas”. (Mateus 19:14).
Jesus não iria perder o Seu tempo com as crianças se Ele mesmo não soubesse o quanto elas são importantes na formação e no caminho humano.
Papai Noel é diferente de coelhos, de sacis, pois esses não aproximam adultos e crianças do exercício de transpor o mundo real para o fantasioso mundo de dar e receber sem pretensões de tirar proveito.
Lembro sempre do meu cavalinho de pau ao pé da cama esperando que eu acordasse e comigo fosse galopar pelo imaginário de um grande cavaleiro. Não existe outro momento igual.
Já adulto experimentei um momento de esmerada recordação e satisfação, quando meu grande amigo Elan Miranda, ao perceber meu olhar atento e até turvo para um cavalinho na prateleira de uma loja captou com sua sensibilidade o quanto aquele cavalinho tinha de valor sentimental para mim. Meses depois, numa festa de confraternização natalina, me deu o tal cavalinho de presente. Não sabe (será?) ele o tamanho da alegria que me proporcionou. Como? Eu, com o peso da idade, ainda ter a revivida felicidade de ganhar um cavalinho de pau! Sim. Ele está ali na estante como que me chamando para galopar pela vida dando saltos nas dificuldades.
Mas a cartinha que agora escrevo para Papai Noel, com a letra indecisa, diferentemente daquela caligrafia simples e comunicativa ao coração de Deus, não é para pedir presente para mim. Até porque, talvez, tenha desaprendido a brincar sem estar preocupado com o que vou dizer, com o que vou fazer, com quem está ouvindo e como ela vai reagir. Quando criança, éramos apenas crianças sem “medir” nem “comparar” raça, cor, status, religião e ideologia. Crianças, apenas crianças. Todas unidas em torno de um brinquedo trazido por Papai Noel. Sem inveja, sem desejar “derrubar” o outro para mostrar que “eu sou o melhor”. Ia-se para a casa do coleguinha apenas para brincar.
Vamos à cartinha:
“Papai Noel,
Depois de tantos anos resolvi te escrever, desta vez, não para pedir brinquedos, mas para um pedido muito especial. Estamos passando por um tempo muito difícil principalmente para as crianças e jovens que estão à margem dentro de seus próprios lares. Digo isso Papai Noel, porque a arte de educar e clarear os valores morais saíram do olhar e do amparo dos professores e dos pais, e passaram para as mídias e para os oportunistas que tentam destruir a relação familiar e social que norteiam o crescimento emocional e religioso das famílias.
Não sei se o senhor tem acompanhado aí na sua fábrica o quanto a produção de brinquedos tem diminuído. Não sei se o senhor tem um tempinho de assistir na televisão o quanto as crianças e os jovens deixaram de brincar e compartilhar seus carrinhos, bolas, bonecas, jogos e até seus cavalinhos de pau, e agora, isolados “compartilham” sentimentos e angústias através de um brinquedinho novo, chamado de aparelho celular, em que confiam seus segredos e “realidades” que ainda não vivenciaram, a estranhos “conhecidos”.
Mas o meu pedido, Papai Noel, é para o futuro que está às portas para tantos jovens que não têm oportunidade de emprego. São milhares e milhares de jovens sem esperança, sem preparação profissional adequada, vivendo cada dia como se não houvesse amanhã.
Confesso que tenho medo por tantos sorrisos que estão cedendo espaço às angústias, quando pelo estalar dos dedos os colocam na linha de frente no seguimento de suas vidas.
Veja aí Papai Noel, você que é eterno, pois eu já vislumbro o fim do caminho e não terei como orientar os meus netos. Ainda bem que Deus não solta a minha mão e nem eu a Dele. Assim, posso dar a outra mão, de onde eu estiver, para sinalizar o caminho para Lucas, Arthur e Olívia.
Tchau! Se cuide Papai Noel. Use máscara e lave as mãos. Por aqui a coisa está braba.
E muito cuidado: podem confundir você como um bom velhinho.
Feliz Natal!
Carlos Alberto Josuá Costa – Engenheiro Civil, escritor e Membro da Academia Macaibense de Letras ([email protected])