CATANDO SONHOS –
Ando colecionando palavras no álbum das minhas recordações, amontoando tudo que tenho visto pela frente, armazenando sonhos perdidos, ilusões desfeitas, amores não correspondidos, naufrágios em terra firme, os abraços não dados, os beijos imaginados, os carinhos perdidos… Todos juntos numa prisão de sentidos entumecidos pelos desencontros.
Nesses dias de tantas incertezas, em que não sabemos nem ao menos quem somos, que ficamos apenas tragando a dor das realidades encobertas pelos beijos pinicados de saudades, parece-nos que nada mais faz sentido. Ah, se as palavras fizessem sentido!
Nem sempre, por isso mesmo, que eu as empilho e escalo letra por letra, soletrando sílabas que possam criar novos vocábulos em frases inéditas. Só sei que vou dando meus toques pessoais aqui e acolá. E o que mais faz sentido além de criar um mundo melhor através de nossas fantasias?
Existe algo além daquilo que projetamos, algo indefinido e incerto. Dessa forma, nada pode ser alcançado sem que se sonhe, deseje, almeje com toda a força encrostada do âmago. Está tudo lá, no limiar de nossas convenções, nas conversões que a alma expurga quando o corpo se maldiz das cargas negativas e termina saltando no abismo que move terras e céus, em suas aparentes incompreensões…
No tanger delas nos deparamos espiolhando novo jeito de enxergar, de reinventar os sonhos sonhados. Nessas neuras vão se criando um monte de pulgas atrás das orelhas e saímos catando sonhos nos momentos de introspecção, mergulhando nas profundezas do nosso universo interno e, buscando, nos espelhos da alma, reflexos de tempos em que era fácil encostar a cabeça e suspirar.
Tempos remotos, tempos em que acreditávamos que o amor pudesse transformar pessoas, mudar vidas… Volto a perguntar: continuar crendo nisso me faz uma tola? Penso, não sei ao certo, que tal busca nos torne catadores de sonhos e ilusões.
Em vista disso, não dou o direito de me aborrecer com indagações que não levam a nenhum lugar palpável; por isso, não me importo se isso for a única coisa que eu tenha, ou quem sabe, a única coisa que me motive a despertar todas as manhãs acreditando que, apesar de tudo, hoje será melhor que ontem.
A motivação que buscamos nas reciclagens da vida passa por sonhos e desejos não realizados. Passa pela necessidade de nos auto avaliarmos, olhando para nós mesmos como num reencontro, na urgência de nos conhecermos, de rirmos, chorarmos, fraquejarmos, mesmo sabedores de todas as intempéries da caminhada.
Passa, sim, pela urgência de desbravarmos caminhos e prazeres que foram, outrora, rotulados por controles que julgaram ser impróprios ou até frívolos. Quantas vezes condenaram aquilo que está intrínseco, que é próprio do ser?
O desafio é: ao mergulharmos em nós, será que lutaremos para rasgarmos o que, simbolicamente, está rotulado? Se ao nos despirmos das amarras da descrença no amor e, em rebeldia, entregarmo-nos aos prazeres sensatos que a vida nos oferece, sem desprezarmos o que vem da alma.
Presumiremos que ao projetarmos qualquer tipo de sentimento devamos compreender que podemos beber, a grandes tragos, aquilo que nos foi permitido provarmos naquele instante, entendendo que nossas projeções sempre terão outras vertentes, assim como julgamentos apontando defeitos ou qualidades.
De tal maneira que as necessidades mudem ou acabem, ou se misturem, quiçá, desnutram-se e, com isso, causem defeitos naquilo que foram projetados previamente… Então, só nos cabe sentirmos a felicidade por termos nos embriagados dos grandes goles nos instantes de vida.
Haja devaneio! E quem disse que sonhar é proibido?
Flávia Arruda – Pedagoga e escritora