CAUSÍDICO: ANJO OU DEMÔNIO? –
No dizer “o papel do advogado é sempre digno e honrado, ainda quando defende o pior criminoso, porque, na verdade, o advogado não perdoa o crime nem desculpa o criminoso, aceitando a causa. Defende apenas o direito que todo cidadão tem, seja qual for, de ser julgado com justiça; o direito de ser ouvido, e de explicar porque cometeu o ato que lhe é atribuído”. Eis, em síntese, um fato que alguns tentam desviar.
A dignidade do causídico é pessoal, intransferível ao seu cliente ou vice-versa. A sua reputação, esta sim, deve ser límpida e ilibada. Os seus constituintes, naturalmente, são pessoas que violaram a Lei (Direito Penal) ou são portadores de um direito duvidoso (D. Civil), o que não implica em seu envolvimento pessoal, no seu acumpliciamento. Sua vida, particular e publica, sem dúvida, deverá ser inatacável, isto sim.
Assim, é recomendável muito rigor, seriedade e severidade, na seleção (intelectual e moral) dos bacharéis em direito candidatos à Ordem. Preocupado com o assunto, um preclaro jurisconsulto assim se expressou: “Depositário da confiança, de haveres, de segredos que podem fazer perigar a honra e a reputação dos cidadãos e de sua família, o prestígio e o crédito dos comerciantes, a liberdade e até a vida de seus clientes, o advogado precisa ter ilibada reputação”.
Partindo-se do princípio filosófico de que “a verdade consiste em ser indivisível” e que não é lícito cooperar com o mal, pois “aconselhar e favorecer o mal é quase a mesma coisa que fazê-lo” (Romanos I, 32), não deve o advogado abandonar o direito ruim, duvidoso ou difícil, mas eximir-se de tomar a defesa de uma causa manifestamente injusta, para não se deixar servir de instrumento de dolo, como se co-autor fosse de crimes organizados.
Respeitante à recusa de uma causa imoral, o legendário jurista italiano Piero Calamandrei adverte: “é oficio nobilíssimo do advogado precisamente o de chamara atenção do cliente, antes sobre a questão da moralidade que sobre o direito, e dar-lhe a entender que os artigos do Código não são cômodos biombos para ocultar sujeiras” .
No entanto, afirmava Ruy Barbosa: “Nenhum criminoso, por mais perverso, pode prescindir da defesa de advogado”.
Mas, o que é verdade? Como distinguir as sujeiras ocultas da pureza chamuscada?
A verdade – segundo São Tomaz de Aquino – tem contornos cambiantes e cada um a reconhece, à sua maneira…
Por outro lado, nos concursos vestibulares para o curso de Direito nas Universidades Públicas, data vênia, cada grupo, aproximado, de vinte inscritos concorrem para conseguir uma única vaga. Ao vencedor garantir-se-á a certeza de tornar-se, no futuro, um profissional competente, justo e honesto, que defenda as leis, os oprimidos, injustiçados, desvalidos, excluídos e forçosamente minoritários? Será um juiz imparcial, Promotor de Justiça sereno, Procurador do Estado abnegado ao interesse público, ou seja, basilarmente, um advogado respeitável? Agirá sob a égide da
Ética? Será o guardião da moral e dos costumes? Salvo exceções, vai ser degustado, mastigado, digerido, cuspido causticamente no próprio sistema que o diplomou. E agora, doutor, o que fazer? Não precisa ler Nietzsche, Spinosa, Locke, Hume, Mil!, Hobbes, Freud, Yung, Marx, Popper, Russel, São Tomaz, os poemas de Wil!ian Shakespeare, os livros de José Saramago e uma plêiade de outros devotos do bom senso, para dar a resposta correta.
Apesar de todas as mazelas, ao invés de cúmplice do mal, o advogado deverá segurar firme a tocha da liberdade e ser mais um anjo da lei, como o foram Rui Barbosa, Seabra Fagundes, Sobral Pinto, Epitácio Pessoa e tantos outros da hoste celestial da pura advocacia.
José Adalberto Targino Araújo – Advogado e professor, Presidente da Academia de Letras Jurídicas/RN e catedrático da Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas.