CEGO PODE VER –
O pior cego é o que não quer ver, ensina a sabedoria popular. A afirmação de Saint-Exupèry que só se vê bem com o coração universalizou-se porque é verdadeira. Nos dias de hoje, e muito mais nitidamente no futuro, todos poderão ver.
Com alegria, fizemos a festa da árvore e, ao mesmo tempo, dos cegos (21 de setembro) no terreno ao lado do Baobá do Poeta. A minha participação foi solicitada por uma comissão do Instituto dos Cegos sob a liderança de Jaciara, uma devota do grupo. Emocionou-me a fila de pessoas invisuais pegando uma na mão da outra.
A festividade foi simplesmente linda! Houve apresentação de banda musical, outras manifestações artísticas, dançarinas. Levei-lhes, de presente, os três volumes da edição, em braile, do livro “Vaqueiros e Cantadores” de Luís da Câmara Cascudo. Sentei-me no meio do grupo. Um deles perguntou-me sobre o passo das danças, as cores dos vestidos, quantas mulheres dançavam.
Em pequeno discurso, lembrei que, há muitos anos, uma diretora do Instituto Benjamin Constant, do Rio de Janeiro, dissera-me notar um certo constrangimento dos cegos de nascença quando alguém se referia a alguma cor. Resolvi, então, fazer uma experiência cinestésica para eles. De fato, a visão pode ser comparada, uma espécie de paralelismo. Ela é transposta a sentimentos ou a algum dos sentidos: audição, tato, paladar, olfato, movimento.
Para reescrever a codificação, pedi a colaboração do meu sobrinho, professor de música e compositor Artur Porpino. Disse, por exemplo, que o amarelo é o som do saxofone, o gosto do milho, o cheiro da fritura, o calor do sol. O marrom é o macio das poltronas, o gosto do chocolate, o som de uma rabeca. O verde corresponderia ao som da flauta doce, a grama que você pisa, a alface que você come. O preto é o som da letra “u”, a música de contrabaixo, a ausência definitiva. O azul é som de flauta, a calma de um domingo, a imensidão do ar que você respira, a suavidade de uma carícia. Azul escuro é o som do violoncelo. Branco é o som da letra “a”, o leite materno, a virgindade, a limpeza. Vermelho é o som do trompete, sangue, luta, força. Cinza é um som arranhado, pedra de calçamento, coisas que se desfazem. O roxo é mistério, tristeza, mágoa.
Na verdade, o cego tem sentidos especiais. A sua deficiência passa a ser, em outros campos, eficiência. O monopólio do escuro amplia a imaginação e a capacidade criativa. A história conta que Demócrito de Abdera arrancou os olhos para pensar melhor.
Outra história expressiva deve-se a Napoleão Bonaparte que encarregou a um velho capitão do Exército a feitura de um código de guerra silencioso para não ser sabido pelo inimigo. A complexidade do feito estimulou Louis Braille, cego desde menino, a adaptá-lo. Simplificando a linguagem, a sua recriação passou a ser conhecida com seu nome.
Da mesma maneira que o tato substituía a vista, hoje, a visão é substituída pela audição. Um dos instrumentos das novíssimas tecnologias é o OrCam MyEye, óculos que escaneiam e passam textos auditivos para os invisuais ou de baixa visão. O instrumento torna possível a leitura de livros, jornais, texto de computador, cédulas monetárias, tudo que é impresso ou digitalizado.
Por outro lado, a medicina caminha a passos largos para, além de resgatar a baixa visão, restaurar a visão perdida.
Jesus Cristo deu o exemplo com a cura de cegos. Ele permitirá que o cego veja.
Diógenes da Cunha Lima – Advogado, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN