CEGONHA –
Minha cegonha tomou um porre e, em vez de me deixar em Londres, como estava acertado, me deixou em Natal. Claro, só fui saber que havia sido enganado muito depois. Podia ter “descido” em qualquer outro lugar, e ficaria sem saber por muito tempo.
Quando comecei a tomar consciência de que havia algo errado, já nada podia fazer, por um lado e, pelo outro, já estava tão acostumado com o meu endereço que não mais me preocupava. E, ainda por cima, comecei a gostar muito da cidade, da família, e fiz, desde cedo, bons amigos. E só fui conhecer Londres muitos anos depois. Da primeira vez, a cidade me impressionou, mas não lamentei ser de Natal. Das outras vezes, a impressão foi piorando e, hoje, considerando a minha última visita à Londres, já não me bate a passarinha. Conclusão, queiram ou não queiram, a cegonha acertou por caminhos tortos.
E a Natal onde nasci era excelente. Uns quarenta mil habitantes, tranquila, limpa e bonita, não se podia querer melhor. Isso antes da II Guerra Mundial. Com a guerra, ponto estratégico que era e continua sendo, a cidade se viu escolhida como caminho de ida e volta para o “front”, e começou a crescer de forma que, hoje, nos parece exacerbada. E com esse crescimento, vieram as mazelas que todos conhecem.
Conheci bem as duas fases. Poderiam me perguntar, qual a melhor? Para mim, praticamente a mesma coisa. É que o crescimento foi gradativo, e você vai se acostumando com cada momento. Não sente as mazelas que gera de imediato, e as vai aceitando como naturais – o que chamam de progresso. Só depois, muito depois, você começa a sentir a degenerescência dos costumes, e se sente afetado pelo declínio no comportamento da cidade como um todo.
Saía à rua sem qualquer susto. Caminhava com tranquilidade a qualquer hora do dia ou da noite. Nem sequer me lembrava de que poderia ser assaltado. Isso, naquele tempo, não existia. Hoje, com o crescimento desordenado e a criação de graves problemas sociais, sair de casa, de dia ou de noite, é um desafio. O risco é permanente. Você, indefeso. Antes e depois do problema. Se antes você não podia, e não devia, reagir, depois é o constrangimento e a decepção pela falta de apoio das chamadas “autoridades”. Poderia até usar a expressão “salve-se quem puder”. Mostra bem com são as coisas.
Apresar de tudo isso, esse progresso desmesurado não deixou de ser benfazejo. Não gostaria de voltar ao passado. O que temos a fazer é melhorar o presente e garantir um futuro palatável. Não tenho dúvidas. A cidade, em termos gerais, melhorou muito. Morei fora de Natal por vários anos, inclusive nos Estados Unidos (numa época em que era um modelo excepcional de país, anos 70), mas sempre pensando em voltar. E aqui estou. Firme e forte.
Dalton Mello de Andrade – Escritor, ex-secretário da Educação do RN