CEGUEIRA LUMINOSA –
Jorge Luis Borges (1899 – 1986) é o mais celebrado escritor argentino. A sua vida e obra somam, hoje, centenas de teses universitárias de doutorado.
Viveu a cegueira durante mais de 30 anos. Mas ele era um cego que via, via o passado por seus escritores prediletos e o presente com amizades literárias da categoria de Macedônio Fernandes.
Câmara Cascudo, raramente, recomendava leitura de contemporâneos estrangeiros. Indicava Borges, um poeta, um artesão de contos. Enquanto o argentino procurava entender os fatos através da leitura, o Mestre natalense observava os acontecimentos para, só então, fazer pesquisa bibliográfica e estabelecer o que ele chamava de “contemporaneidade do milênio”.
Borges visitou o Brasil e aqui deu entrevistas. A última delas foi ao jornalista Roberto D’Ávila, as revelações feitas surpreendem.
Na biblioteca do seu pai, a maioria dos livros era em língua inglesa. Entre três e quatro anos de idade, ele aprendeu a ler em inglês.
A curiosidade intelectual do nosso autor não tinha limites, era poliglota. Na Suíça, aprendeu francês. Estudou alemão para ler Schopenhauer. Na Islândia, entendeu que a língua seria a mãe dos idiomas escandinavos. Também desejou expressar-se em japonês e chinês. Relembrava a origem portuguesa da palavra “mandarim”, derivado de pão.
Ele declarou que a língua espanhola era muito limitada. Considerava-se mais um leitor do que escritor. Afirmou que, quando cego, ditava os seus livros de memória e que em sua casa não havia nenhum livro de sua autoria. “Quem sou eu para estar ao lado de Euclides da Cunha e de Camões?”, justificou. Surpreendeu ao afirmar que não podia ver o negro, a escuridão, conseguia, apenas, enxergar uma luminosidade opaca.
O ficcionista inventava autores e livros que não existiam, mitos existentes e por ele criados, um mundo todo particular.
Nunca escreveu um romance. Entretanto, foi homenageado com um romance best-seller. “O Nome da Rosa” criou um personagem sábio, um monge cego chamado Jorge Burgos. O borgeano Irapuan Sobral, apaixonado pela cultura francesa, não se satisfez com a depreciação de Paris pelo seu ídolo.
A cegueira luminosa tem forte presença em nosso estado. O cantador Gaspar, que se vestia elegantemente de azul mescla Dona Isabel, improvisava sobre a luz que nunca conhecera. Francisco Araújo, professor que desenvolveu programa para ensinar. Eloy do Teclado é exímio pianista. Newton Navarro, poeta e pintor, escreveu o “ABC do Cantador”: “Clarimundo era seu nome/ seu olhar não existia/ mas seus versos clareavam/ que nem a luz desses dias”.
O mundo artístico exibe, com orgulho, personalidades cegas. O compositor e cantor Stevie Wonder esclarecia “Você é o raio de sol da minha vida”. Nova York teve um governador, David Paterson, que via longe, apesar de ser invisual. Estimulou a pesquisa da célula-tronco e fortemente combateu o racismo.
A voz de Andrea Bocelli torna encantada a Itália e os amantes da música popular.
Diogenes da Cunha Lima – Advogado, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN