CHEIRINHO DE… – Bárbara Seabra

CHEIRINHO DE… – 

 Fomos a uma consulta médica. Foi marcada rapidamente, como um encaixe, e mal pude escolher uma roupa para vestir ao mesmo tempo em que escovava meus dentes e pegava uma máscara. Separei os milhões de exames, coloquei na “bolsa de exames que visita médicos” e saímos acelerados, eu e Flávio.

Ao sairmos do atendimento vejo um Fran’s Café e, imediatamente, lembrei de Bauru. A cidade tinha várias cafeterias do Fran’s. Em três delas nós éramos assíduos: no shopping, vizinho à loja de revelação (onde a maior parte de nossas bolsas de estudantes ficava, para pagarmos os slides de nossos mestrados) e a da rodoviária.

O café da rodoviária sempre me era salgado. Ele não era adoçado de forma alguma, pois tomávamos o expresso final em pé no balcão ao deixar papai ou mamãe para pegarem o ônibus para São Paulo, após um tempo de visita bem curto. Eles voltariam para Natal deixando nosso apartamento de 30 metros quadrados como um casarão imenso e vazio por alguns dias. Pensando bem, parece muito mais com papai! Mamãe reclamava do expresso, dizendo ser muito forte para ela, enquanto papai aproveitava para saborear o café e um cigarro, aquecendo o corpo no frio que o nordestino não se acostuma a sentir… Com a voz mansa falava alguma coisa do trabalho ou sobre a família e eu percebia em seus olhos que ele lutava para não demonstrar a saudade que já o consumia…

Eu também tentava ser forte, mas sempre algumas lágrimas caíam. Então, soltava uma brincadeira disfarçando a tristeza que inundava meu coração antecipadamente pela saudade. Apertava a mão de Flávio e sentia meu universo desmoronar perguntando-me se aquela distância valia à pena. Ela valeu! Doeu, mas valeu, hoje eu sei…

O Fran’s Café, para mim, tem cheiro de saudade!

Paramos no Fran’s, vinte anos depois e agora em nossa terrinha, sem o frio me fazendo balançar o corpo de um lado para o outro enquanto me questiono porque não coloquei dois casacos… Decidimos tomar um café antes de voltar para casa. Olhei o cardápio de um lado para outro (como sempre faço) e pedi um expresso com chantilly (como sempre faço). Coloquei dois pacotinhos de açúcar (como sempre faço) e reclamei para mim mesma que adocei demais (como sempre faço). E senti saudade. Saudade de tempos bons, gargalhadas sonoras, conversas leves. Como foi bom sentir isso tudo numa xícara de café e num bigode de chantilly…

Percebi que os aromas são uma forma tão nossa de trazer alguém para perto de nós… E que Deus, com sua preciosidade de Pai, dá-nos presentes, como poder sentir novamente coisas boas através de pequenos detalhes nos ofertados constantemente.

Basta estarmos atentos… Até a uma xícara de café…

 

 

 

 

Bárbara Seabra – Cirurgiã-dentista, Professora universitária e Escritora

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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