CIDADE SEM PALAVRAS (UM CONTO NÃO CONTADO) – Carlos Alberto Josuá Costa

CIDADE SEM PALAVRAS –

Um conto não escrito, óbvio seria que desprezasse o conjunto das letras articuladas e, ficasse apenas na ideia. Também poderia ser um conto inacabado por falta de inspiração e que ficou no “meio” do caminho.

Então vamos a um deles, conforme o título deste artigo:

Não sabemos o ano, pois as folhas amareladas e com alguns rasgos escondiam detalhes, que a princípio não importaram, mas que hoje estudiosos e restauradores se debruçam para esclarecer, porque exatamente, os rasgos eram nas páginas que pareciam sinalizar alguma data que pudesse reportar ao tempo.

Bem provável que se o detetive Lebap Soriel estivesse envolvido com o caso, esse enigma já estaria estampado nos folhetins da época, pois a publicitária Orrocos Atiuqsem assim o faria.

Mas vamos ao que se tornou conhecido, até agora.

Eagle, uma pequena cidade situada ao norte da colina de Montalter , na Mondóvia, com pouco mais de dez mil habitantes, se orgulhava de ser conhecida como a cidade de poucas palavras.

Isso chamava atenção de estudiosos e curiosos, que ali acorriam em busca deste intrigado evento, principalmente por ser vizinha de Hoster, a capital, considerada a cidade mais movimentada, barulhenta e visualmente poluída de toda a Mondóvia. Lá se falava pelos “cotovelos” num contraste brutal com Eagle, onde o silêncio, o pouco uso das palavras e sem nenhuma sinalização, além das discretíssimas indicações de seus logradouros, eram comuns.

Instigado pela raridade do fato, o escritor Riaso Solecnocsav, brasileiro da cidade de Macaíba no Rio Grande do Norte, juntou ânimo e resolveu desafiar tal mistério. Partiu para a longínqua Eagle, numa tarde de despedidas dos amigos do denominado Sempre-Macaiba, que reunia meninos e meninas que o tempo desgastou em suas inocências e fisionomias, compensando-os com amizades ricas em desprendimentos e transbordantes em alegrias.

Para ajudá-lo convidou também estudiosos e peritos em escritos concisos, os não menos conhecidos Otrebor Adnaloh e Odecam Orecíc.

A viagem foi longa até Hoster e de lá a Eagle demorou cerca de quarenta minutos de trem que rasgava as paisagens monótonas e frias da região da Mondóvia.

Duas passageiras com roupas apropriadas para o inverno chamaram atenção do trio desbravadores dos mistérios das palavras, assim como eles despertaram curiosidade pelas suas fisionomias e sotaques totalmente desconhecidos delas, o que acarretava alguns risinhos despretensiosos das madames. Mais tarde souberam que eram estudantes meritosas e estavam retornando de um período de férias da Universidade de Hoster, formadora de grandes nomes, como Airélav Arierref, premiada em Termodinâmica, em Toronto, Canadá.

Ao desembarcarem, as apresentações foram feitas – Amitáf Odecam e Airam Ésoj Avlis, indo dali a um café, onde puderam se conhecer melhor. Poucas palavras, no entanto, foram ditas.

Dizer que a cidade estava no mais retido dos silêncios seria redundância, pois era este exatamente o mistério que iriam estudar: as palavras, ou seus efeitos.

Passados seis meses eis que o pesquisador e escritor Riaso Solecnocsav fez a seguinte anotação:

“Aprendi que palavras não acendem o conhecimento. Ensinou-me uma alma anônima que sequer se compõe com palavras uma sedução.

Culpa das palavras? Não. A palavra será vítima. Culpados somos nós, padecentes de escassez de tudo, escassos até de nós mesmos. Assim estéreis, tiramos de qualquer palavra, até mesmo do verbo seduzir, o visgo que o mantinha fresco e vigoroso, tão ágil e eficiente como a língua do lagarto que, lançada ao ar, nunca volta à boca sem a presa que lhe sacia o desejo.”

Mais recentemente, encontramos essa anotação em ‘A escolha’, página 92, no livro “Retratos fora da parede”, do escritor Osair Vasconcelos, descendente longínquo do então pesquisador e também escritor Riaso Solecnocsav.

Nunca se soube o porquê do silêncio que reinava em Eagle e muito menos dos ajudantes, Otrebor Adnaloh e Odecam Orecíc, a não ser que constituíram vida em comum com Airam Ésoj Avlis e Amitáf Odecam e, mais ainda, estiveram em Macaíba por determinado tempo, pesquisando sobre uma tal de “Anja Mijona”, outro mistério.

Fim.

 

Carlos Alberto Josuá Costa – Engenheiro Civil e Membro da Academia Macaibense de Letras (josuacosta@uol.com.br)

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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