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Cientistas de 12 países abrem ‘túnel do tempo’ em cidade do AC para estudar como era a Amazônia há 65 milhões de anos

Local onde o túnel é escavado na cidade de Rodrigues Alves, às margens do Rio Juruá — Foto: Rayza Lima/Rede Amazônica

Uma equipe internacional de pesquisadores iniciou, na sexta-feira (16), a perfuração de um poço de dois quilômetros de profundidade na cidade de Rodrigues Alves, no interior do Acre. Se tudo der certo, o poço vai ser uma espécie de “túnel do tempo” e revelar como era a vida na Amazônia até 65 milhões de anos atrás, logo após a extinção dos dinossauros.

A iniciativa envolve cerca de 60 pesquisadores, de 12 países, de acordo com a Universidade de São Paulo (USP), uma das instituições brasileiras envolvidas na pesquisa. Segundo os cientistas, trata-se do “mais amplo programa de pesquisa já organizado para estudar a origem e a evolução da Amazônia.”

O objetivo é entender como a floresta se formou, como ela se modificou ao longo do tempo e o que pode acontecer com ela daqui para frente, caso as condições ambientais e climáticas às quais ela foi exposta no passado venham a se repetir no futuro — algo muito provável de acontecer já nas próximas décadas, segundo as previsões climáticas do presente.

Para contar esse trecho da pré-histórica os cientistas vão coletar fragmentos do subsolo da floresta, extraídos de duas localidades, nas bordas leste e oeste da Amazônia brasileira. Começando por esse poço de 2 mil metros no município de Rodrigues Alves, às margens do Rio Juruá, no norte do Acre.

“O projeto de perfuração prevê estudar a origem e evolução de clima, relevo e hidrologia da região Amazônica e sua importância para o clima global. Desde que a máquina foi instalada, iniciou-se a atividade e é previsto o mínimo de 90 dias. Todo esse material está sendo armazenado aqui em Rodrigues Alves, a partir do final da atividade, nós vamos levar para a USP e de lá e será enviado para a universidade nos Estados Unidos, onde será preservado e analisado pelos pesquisadores participantes do projeto. Como é um projeto de perfuração Transamazônica, nós estamos aqui no Acre, como se fosse a nascente do rio”, explicou Isaac Bezerra, gerente do projeto que está no interior do Acre.

Segundo poço

Em seguida, segundo a USP, será perfurado um poço de 1,2 mil metro de profundidade numa ilha fluvial do município de Bagre, no Pará, ao sul da Ilha do Marajó. A previsão é que cada poço leve cerca de três meses para ser perfurado, com equipes trabalhando 24 horas por dia, sete dias por semana.

Os fragmentos cilíndricos que vão ser retiradas têm até seis metros de comprimento, contendo uma amostragem vertical das diversas camadas de rocha e sedimento que compõem o subsolo da floresta. Cada uma dessas camadas, por sua vez, contém uma série de evidências físicas, químicas e biológicas que os cientistas podem analisar em laboratório para inferir como era o mundo à época em que aquela camada estava na superfície. Fazendo uma analogia, é como se você enfiasse um canudo em bolo para tirar uma amostra das suas camadas e descobrir do que cada uma delas é feita.

“Essas rochas e sedimentos funcionam como um arquivo da história da Amazônia”, disse o professor André Sawakuchi, do Instituto de Geociências (IGc) da USP, que coordena o braço brasileiro da iniciativa.

O Projeto de Perfuração Transamazônica (TADP, na sigla em inglês) é uma iniciativa do International Continental Scientific Drilling Program (ICDP) — um programa internacional de apoio a projetos de perfuração científica, com sede na Alemanha —, realizada em colaboração com a National Science Foundation (NSF), dos Estados Unidos; o Smithsonian Tropical Research Institute, sediado no Panamá; e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), no Brasil.

Ainda segundo divulgado pela USP, o custo previsto da perfuração é de aproximadamente 4 milhões de dólares. A Fapesp contribuiu com um quarto desse valor, mais um investimento de R$ 1 milhão em bolsas de pesquisa e recursos para logística, aquisição de materiais e outras despesas.

Perfuração científica

O trabalho de perfuração — ou sondagem, na linguagem mais técnica — vai usar uma combinação adaptada de equipamentos normalmente empregados para a prospecção de minérios e de óleo e gás natural — duas coisas que os pesquisadores esperam não encontrar de jeito nenhum, pois criaria uma série de complicações adicionais para o trabalho, incluindo riscos de segurança.

“Não podemos de maneira alguma permitir que haja um vazamento de gás no poço”, explicou André Sawakuchi ao jornal da USP. O pesquisador, segundo a universidade de São Paulo, está no Acre para coordenar o início dos trabalhos, ao lado dos colegas estrangeiros. A empresa contratada para fazer a sondagem é a Geosol, de Belo Horizonte.

Em vez de uma broca tradicional, que vai triturando a rocha à medida que avança na perfuração, a sondagem, neste caso, é feita com uma coroa vazada, que desce cortando a rocha “pelas beiradas” para preservar a integridade das amostras no centro do tubo.

Cada testemunho terá entre cinco e nove centímetros de diâmetro, dependendo das condições de perfuração. Logo que saem do poço, as amostras são entregues aos pesquisadores para serem inspecionadas, catalogadas e repartidas em pedaços menores, de 1,5 metro de comprimento.

Só a perfuração do Acre, portanto, deverá gerar mais de 1,3 mil ‘amostras. “Isso é muitas vezes mais do que qualquer coisa que foi feita até hoje para entender essa origem da Amazônia na perspectiva geológica”, afirmou André Sawakuchi.

Outras perfurações

O pesquisador lembrou ainda que muitas perfurações já foram feitas na Amazônia pela Petrobras e outras empresas no passado, mas nunca com finalidades científicas, seguindo os protocolos necessários para esse tipo de pesquisa. Como é o caso do buraco central que fica no Parque Nacional da Serra do Divisor e, atualmente, é um dos principais pontos turísticos da região.

As literaturas apontam que o buraco foi feito em meados de 1939 pelo Conselho Nacional de Petróleo, que fazia buscas pelo produto do lado brasileiro. Porém, o buraco, de mais ou menos 700 metros, acabou rompendo o lençol freático e virou um olho d’água que jorra uma água com cheiro forte de ferro.

O material de referência usado pelos cientistas no atual estudo é da década de 1970, coletado pelo Serviço Geológico do Brasil para a prospecção de jazidas de carvão. Pesquisadores vinculados ao projeto, conforme a USP, terão exclusividade de acesso ao material num primeiro momento. Depois, as amostras vão ser abertas a toda a comunidade científica nacional e internacional.

De volta às origens

O projeto original previa cinco locais de perfuração, mas o encarecimento de vários itens e serviços nos últimos anos obrigou os pesquisadores a reduzir o plano para dois. Ainda assim, são dois pontos estratégicos, que já permitirão contar muita coisa sobre o passado da Amazônia.

Como as camadas de solo se sobrepõem ao longo do tempo, elas seguem uma ordem cronológica: quanto mais profunda a amostra, mas antiga ela é. Tanto no caso do Acre quanto do Marajó, os cientistas calculam que a perfuração os levará à fronteira do fim do período Cretáceo e início da Era Cenozoica, 65,5 milhões de anos atrás, quando a Terra estava emergindo de uma sequência cataclísmica de eventos que levou à extinção de grande parte das espécies existentes à época — tanto da flora quanto da fauna, incluindo quase todos os dinossauros — e reconfigurou os ecossistemas do planeta como um todo.

Um dos itens mais importantes que ela e outros pesquisadores esperam extrair dos testemunhos são amostras de pólen fossilizado das diferentes plantas que compuseram a flora amazônica ao longo desses milhões de anos, fornecendo evidências diretas de como a biodiversidade da floresta evoluiu no decorrer do tempo, em sincronia (ou não) com fenômenos geológicos, ambientais e climáticos.

Os novos testemunhos, porém, devem permitir reconstruir essa história com um nível de detalhamento maior.

Fonte: G1
Ponto de Vista

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