José Narcelio Marques Sousa
Cinquenta anos atrás, época de minha adolescência, foi também o tempo de medicamentos como a pomada Minancora, as pílulas de Vida de Dr. Ross, o sabonete Eucalol, o Elixir Paregórico, o Biotônico Fontoura, a Emulsão de Scott, a Violeta Genciana, o Regulador Xavier, o Entero-Vioformo e o Melhoral. Naqueles idos florescia a indústria automobilística no país e nos encantávamos com a perua Vemaguete, o Fusca, o Simca Chambord, o Gordini, o Dauphine, o JK, o Jeep, a Rural e o Aero Willys. Existia também o Romi-Isetta, primeiro veículo de três rodas fabricado no Brasil.
Época em que São Paulo era, literalmente, a Terra da Garoa e, Copacabana, a Princesinha do Mar. Tempo em que mulheres se enterneciam com rádionovelas, homens acompanhavam o Repórter Esso e, ambos, se divertiam ouvindo programas humorísticos como o PRK-30, na Rádio Mayrink Veiga, e Balança Mas Não Cai, na Rádio Nacional.
Anos do nascimento do biquíni, do surgimento da Bossa Nova e da televisão no Brasil. Período em que jantar no lar era momento obrigatório de reunião familiar, estudava-se para ficar culto e vencer na vida, desconhecia-se viciado em drogas, cedia-se o lugar para idosos nos ônibus e, na sala de estar, ligava-se o único televisor da casa para assistir Amilton Fernandes e Guy Loup nos papeis de Albertinho Limonta e Isabel Cristina, atuando na novela O Direito de Nascer, da TV Tupi.
Tempo de costumes bem comportados, como namorar no cinema na matinée do domingo, comendo pipoca e chupando drops, esperando o escuro da sessão acontecer para roubar aquele beijo proibido. Tempo em que virgindade era virtude e não vergonha, tatuagem era coisa de marginal, quem usava piercing era índio botocudo, davam-se postas de bacalhau de esmola na Semana Santa, casar era para sempre, as certezas pareciam durar a vida toda, as avós eram umas velhinhas e não os mulherões de hoje, e até para morrer, morria-se devagar como se estivéssemos atravessando a vida em câmera lenta.
Sei que pequena é a parte da vida que vivemos, pois o restante não é vida, mas somente tempo. E que nada é tão verdadeiro e incontestável – segundo Sêneca -, como o fato de que a vida se divide em três períodos: aquilo que foi, o que é e o que será. O que fazer é breve, o que faremos, dúbio, o que fizemos, certo. Que o destino perdeu o controle sobre o passado, e ninguém pode recuperá-lo.
Mesmo sem poder retroceder ao passado, sinto falta da época em que formação de quadrilha não passava de entusiasmo juvenil na organização de dança folclórica, nas comemorações do São João; movimentação social era reunião de adolescentes em noitada dançante; e, que Clube dos Cafajestes era apenas um bloco de playboys mimados, e não aglomerados de maus brasileiros dilapidando a economia da nação e desmoralizando seus valores, impunemente.
Sem auxílios de cinto de segurança, air-bag, celular, computador, internet e de psicoterapia, sobrevivi. Pertenci à geração que privilegiou o respeitou, o charme e o romantismo. Vivi uma época em que se preservou a natureza, valorizou a amizade, e não teve receio de ser feliz.
Querer repudiar o presente não passa de completa insensatez. Insistir em reeditar anos dourados da existência, preocupando-se em tecer loas de exaltação ao passado, é pura alienação. Mas, bem que deixa saudade a adolescência de cinqüenta anos atrás, com toda caretice, dificuldades e restrições a que tivemos direito.
José Narcelio Marques Sousa é engenheiro civil. [email protected]