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Circulação do oceano Atlântico Norte vai entrar em colapso até o fim do século por causa da mudança climática, projeta estudo

O Oceano Atlântico perto da costa de Funchal, capital do arquipélago da Madeira, em Portugal. — Foto: Domínio Público

Um estudo de pesquisadores da Universidade de Copenhague aponta que um importante padrão de circulação das águas do Oceano Atlântico, responsável por regular boa parte do clima do planeta, pode entrar em colapso já neste século.

O trabalho dos cientistas dinamarqueses foi publicado na revista científica “Nature Communications” na terça-feira (25). Apesar das conclusões não serem as mesmas de outras projeções anteriores e soarem ainda mais pessimistas, o estudo vem sendo lido como um novo alerta sobre a necessidade urgente de frear as mudanças climáticas.

A pesquisa foi conduzida pelo físico teórico Peter Ditlevsen e pela matemática e estatística Susanne Ditlevsen.

Segundo o trabalho dos irmãos Ditlevsen, o grande sistema de correntes oceânicas AMOC (Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico, adaptado do inglês Atlantic Meridional Overturnig Circulation) está mais lento e menos resiliente.

Por isso, segundo eles, a AMOC vai entrar em colapso em algum momento entre os anos de 2025 e 2095 por causa da mudança climática.

Mas por que isso é importante? A AMOC é uma parte vital do movimento das águas oceânicas, fenômeno que tem um impacto importante na distribuição do calor pelo nosso planeta. Tecnicamente, esse conceito é chamado de circulação termohalina.

Como cerca de 90% do calor global está armazenado nos oceanos, as mudanças nessas correntes influenciam o clima em diversas regiões do globo.

E segundo os pesquisadores da Universidade de Copenhague, a chance de o colapso da AMOC ocorrer é de 95% até 2095. Por isso, de acordo com os cientistas, a única maneira de impedir a paralisação é reduzir as emissões de gases do efeito estufa.

Efeitos do provável colapso

Segundo Peter Ditlevsen, “o colapso da AMOC pode ter consequências muito graves para o clima da Terra, por exemplo, alterando a forma como o calor e a precipitação são distribuídos globalmente”.

De forma resumida, o que ele aponta como a principal consequência do colapso da AMOC é que parte da Europa sofreria com queda da temperatura enquanto haveria aumento nas regiões tropicais do Hemisfério Sul.

“Embora um resfriamento da Europa possa parecer menos grave à medida que o globo como um todo se aquece e ondas de calor ocorrem com mais frequência, o colapso contribuirá para um aumento do aquecimento dos trópicos, onde as temperaturas em elevação já têm causado condições de vida desafiadoras.”, Peter Ditlevsen.

Comunidade científica debate o estudo

O estudo dos irmãos Ditlevsen movimentou a comunidade científica em torno de uma preocupação já conhecida.

A cientista Dra. Marília Campos, pesquisadora visitante do Instituto de Geociências da Unicamp com ênfase em Mudanças Climáticas, lembra que “a comunidade científica já concorda há mais de uma década que a AMOC é um dos elementos do sistema climático que possui um limiar crítico (tipping point) associado à redução da sua intensidade”.

O conceito de tipping point (pontos de inflexão climáticos) é conhecido dentro dos estudos da mudança do clima e um desses pontos que o mundo busca evitar é em relação à perda da cobertura florestal na Amazônia.

No vídeo abaixo, a Organização Meteorológica Mundial informa que a onda de calor no hemisfério Norte vai se intensificar:

Apesar da preocupação da comunidade científica sobre o limiar crítico da AMOC, ainda não há certeza sobre quando ela vai ocorrer.

Karina Bruno Lima, doutoranda em Climatologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), destaca que medições diretas sobre a AMOC existem apenas desde 2004, mas reconstruções indicam seu enfraquecimento no último século, com causas antropogênicas (ação humana).

Embora o método do estudo tenha algumas limitações (veja abaixo), outros pesquisadores corroboram a ideia de que esse ponto de inflexão pode estar mais próximo do que o previsto, destacando a importância de mitigar as mudanças climáticas.

Apesar da preocupação da comunidade científica sobre o limiar crítico da AMOC, ainda não há certeza sobre quando ela vai ocorrer.

Karina Bruno Lima, doutoranda em Climatologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), destaca que medições diretas sobre a AMOC existem apenas desde 2004, mas reconstruções indicam seu enfraquecimento no último século, com causas antropogênicas (ação humana).

Embora o método do estudo tenha algumas limitações (veja abaixo), outros pesquisadores corroboram a ideia de que esse ponto de inflexão pode estar mais próximo do que o previsto, destacando a importância de mitigar as mudanças climáticas.

Desafios da análise

Adriana Lippi, mestranda interdisciplinar em ciência e tecnologia do mar pela Unifesp e integrante da Liga das Mulheres pelo Oceano, explica que, se de fato a paralisia dessa corrente ocorrer, poderemos ter uma intensificação do calor no Hemisfério Sul. “Mas isso ainda é muito recheado de grandes incertezas”, avalia.

Isso porque, assim como as mudanças causadas pelo El Niño, de temperaturas na superfície do Pacífico, as alterações de correntes e padrões do oceano têm grande influência no clima.

No entanto, ela enfatiza que há indefinições quanto a esse assunto pois o sistema climático é complexo e não linear, e mudanças na circulação oceânica podem gerar impactos distintos em diferentes regiões do planeta.

“Não é um estudo que a gente possa descartar, mas ele tem uma taxa de confiabilidade de 95%, que não é baixa, mas que também não é uma certeza estatística. E ele fala do enfraquecimento da corrente acontecer entre 2025 e 2095, ou seja, joga isso para esse século”, diz a especialista.

Lippi destaca ainda que o estudo não contradiz os achados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

Na sua mais recente avaliação sobre o tema, o órgão criado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e pela Organização Meteorológica Mundial indicava uma probabilidade de 0 a 10% de colapso da AMOC neste século, enquanto o novo estudo aponta 95% de confiança.

No entanto, ambos concordam que o processo está ocorrendo; o debate agora é sobre a velocidade dele.

“Nossos resultados destacam a importância de reduzir as emissões globais de gases de efeito estufa o mais rápido possível”, diz o pesquisador chefe do artigo.

 

Mas a diferença de cenários traçados entre o estudo de Peter Ditlevsen e o IPCC não é um acaso.

O pesquisador lidera, ao menos desde 2021, uma tentativa de realizar experimentos que também considerem técnicas da matemática avançada para incluir em seus modelos elementos da mudança abrupta do clima verificada em anos recentes.

A pesquisa de agora, por exemplo, se baseou em ferramentas estatísticas e dados da temperatura oceânica medidos em uma área específica do Atlântico Norte desde 1870 até os dias atuais.

Com isso, de acordo com os pesquisadores, sinais de que uma instabilidade vem ocorrendo já haviam sido relatados anteriormente, mas somente agora existem métodos estatísticos avançados o bastante para poder prever em qual janela de tempo o colapso total acontecerá.

Para Marília Campos, o estudo dos pesquisadores da Universidade de Copenhague tem como principal mensagem o alerta de que o colapso pode estar mais perto do que se imaginava.

“Não vejo a publicação de Ditlevsen & Ditlevsen como uma contradição ao último relatório do IPCC ou a outros trabalhos que o antecederam, mas como mais um passo na direção de projeções mais acuradas”, explica a cientista.

Apesar disso, algumas críticas foram levantadas sobre o uso exclusivo de dados de temperatura de superfície do oceano utilizados na pesquisa, em vez de também dados da coluna d’água (quando embarcações ou amostradores aferem a temperatura da água nas suas diversas profundidades), que seriam mais precisos.

Os dados em situ [locais] são muito difíceis de serem coletados. Existe um grande custo para a pesquisa oceânica e isso dificulta esse trabalho. Mas, de qualquer forma, no Hemisfério Norte, as pessoas têm muito mais acesso, os pesquisadores têm muito mais recursos e investimentos para fazer esse tipo de coleta”, ressalta Lippi.

g1 questionou o IPCC sobre os achados da pesquisa, mas o órgão respondeu que, devido à realização de sua 59ª Sessão até o dia 28 de junho, não teria tempo hábil para fazer comentários.

“As ferramentas estatísticas podem ser úteis, mas correm o risco de simplificar demais as relações no sistema climático”, disse a oceanógrafa física e cientista climática da Universidade de Hamburgo, Eleanor Frajka-Williams, em uma postagem no Twitter.

Próximos passos

Como esse estudou surpreendeu pesquisadores pelo mundo, Lippi destaca a importância de conferir os resultados da pesquisa e analisar mais amostragens para compreender o fenômeno com maior precisão.

Ela enfatiza ainda a urgência de ações para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e aumentar a resiliência climática, pois as mudanças climáticas têm se mostrado cada vez mais intensas e rápidas.

Já Marília Campos, que atualmente está envolvida em três projetos apoiados pela Fapesp para pesquisar a mudança do clima, diz que é preciso “buscar cada vez mais reduzir as incertezas associadas às projeções climáticas, bem como buscar aprofundar o conhecimento sobre os impactos de uma redução abrupta ou colapso da AMOC por meio de estudos paleoclimáticos”.

“Vários eventos de redução abrupta ou colapso da AMOC foram identificados ao longo dos últimos milhares de anos (tendo como consequência) aumentos torrenciais de chuvas nas regiões centro-oeste da Amazônia e nordeste brasileiras foram registrados durante tais eventos.”,  Marília Campos, pesquisadora visitante do Instituto de Geociências da Unicamp com ênfase em Mudanças Climáticas.
Fonte: G1
Ponto de Vista

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