CLARICE & COMPANHIA –

Todo bom escritor cultiva a solidão. Sem ela não se fazem as obras primas. Clarice Lispector, talvez centenária (não há certeza sobre a data de seu nascimento), compartilhou com pessoas admiráveis seu íntimo exílio. Afirma: “Morro de medo de ficar sozinha.” E ainda: “Eu tenho que ser minha amiga, senão, não aguento a solidão”.

A escritora que dizia ser uma pergunta, somente encontraria resposta na humana companhia.

A acadêmica Diva Cunha mereceu da brasileira nascida na Ucrânia cativante simpatia. Ela fazia mestrado no Rio de Janeiro. Lá, participava de saraus promovidos por sua amiga Consuelo. Compareciam notáveis escritores. Em uma noitada, Clarice identificou-se com ela dizendo que lhe transmitia forte energia. Logo, convidou-a a tomar um chá em seu apartamento no Leme.

Clarice, à época, estava mutilada pelo incêndio que causara e diziam que ela praticava bruxaria. No apartamento, Diva notou que em uma mesa grande, em vez de bibelôs, estavam variadas pedras. A dona de casa perguntou se ela estranhara. Não, foi a resposta. Porque eu também sou doida de pedra.

Confessou que a amizade perfeita tinha só com o casal Mafalda e Érico Veríssimo, padrinhos leigos dos filhos Pedro e Paulo. Para ela, eram imprescindíveis amigos e amores intensos. Amigos, teve muitos; amores intensos, provavelmente, somente dois.

Conviveu bem com o marido Maury, foi apaixonada por Paulo Mendes Campos, que fez a opção por sua mulher legitimada.

Encantou-se pelo poeta, bonito e sedutor, Lúcio Cardoso, em quem via um éfobo, um corcel de fogo. Lúcio só podia lhe dar orientação e carinho, porque era assumido homossexual. Em carta ela declara ter por ele saudade tristíssima.

A beleza e o ar enigmático de Clarice fascinavam. Ninguém sabia dizer com o que ela parecia, ou era de fato. Para Manuel Bandeira, ela tinha um peixinho nos olhos. Fernando Sabino achava que era engraçada, parecida com uma árvore. Uma pantera, suave, suave, mansa e luminosa estão no poema de Marly de Oliveira, que a qualifica como joia.

A escritora Clarice Lispector era diferente na vida, em tudo, inclusive no estilo singular e plurívoco. Sérgio Milliet diz que ela dá sentido imprevisível às palavras.

Clarice amava pedir poemas aos amigos. Carlos Drummond de Andrade, sabedor de sua irreligiosidade, visitou-a levando o poema que dá sentido à relação divina: “Quando digo “meu Deus” /Afirmo a propriedade/Quando digo “meu Deus” /Crio cumplicidade”. Mesmo sem religião manifesta, pertencia a Deus e era cúmplice Dele.

Em Berna, acompanhando o marido diplomata, Clarice sentiu-se sozinha e escreveu cartas e o seu livro “A Cidade Sitiada”. Seria ela a sitiada? Não tinha com quem partilhar o silêncio urbano. A Cidade que conserva a arquitetura medieval fazia crescer o isolamento. Aprendia a afastar monotonia diária, imaginando viver na Idade Média. Na capital suíça, mesmo passeando à beira do Rio Aar, ela chegaria ao fundo do poço, confidenciando estar: “pior do que uma mendiga, porque eu não sabia o que pedir”.

O consolo veio de uma viagem a Paris, onde aumentou a sua relação com sua amiga e correspondente Bruma, reencontrou com Augusto Frederico Schmidt e conheceu San Tiago Dantas.

Em nosso tempo multiplica-se os amigos e amantes de Clarice, os seus leitores. Ela é, também para mim, a melhor companhia.

 

 

 

Diogenes da Cunha Lima – Advogado, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN

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