COISA DE DOIDO –
AZULÃO
O mendigo Azulão era um negro de baixa estatura, cabelos crespos cortados sempre rentes, sem manchas na pele e os olhos vivos e brilhantes. Débil mental, sempre bêbado, porém calmo. Nunca alguém o ouviu, nos seus rápidos e fugazes diálogos, elevar a voz. Passava na rua e detinha-se em frente à nossa casa, onde a minha jovem e compadecida mãe o enchia de conselhos, na ilusão de que aquela vida ambulante e trôpega pudesse sofrer alguma mudança. Não sabíamos onde morava, ou se tinha algum parente. Uma coisa é certa: nunca fizera mal a ninguém. Como mendigo, sofria o estigma do abandono e da solidão e, embora ainda jovem, nada fazia supor que se pudesse esperar dali um final diferente do que estava escrito no seu destino.
Numa manhã qualquer, a Rádio Poti, transmitia o apelo enfático de um locutor que, carregando na voz empostada, solicitava às autoridades policiais e sanitárias que, a pedido dos moradores de uma rua do Alecrim, fosse retirado de uma certa calçada, um “elemento” embriagado que, em meio aos próprios dejetos, exalava insuportável fedor (o locutor falava: “…em estado putrefato”), incomodando os vizinhos. A notícia atraiu a nossa atenção.
Curiosos, e com o interesse da minha mãe, eu e meu irmão fomos até o lugar da ocorrência. E lá encontramos Azulão bêbado, sentado sobre as fezes e exalando o tal fedor de que falava o locutor. Estava ali há muito tempo, sem força para mover-se, sair, talvez fugir. Nas poucas tentativas, espalhava os excrementos, tornando mais grotesca a situação. As pessoas riam, mofavam do coitado. Ficamos tristes. Azulão era quase um amigo. Passava na rua todos os dias e nos divertia, quando recebia sua esmola e contava, com a voz embolada porque estivera desaparecido. “Fiquei preso no ‘obílio’”, querendo dizer que passara alguns dias internado no Abrigo!
Um dia, alguém nos informou que Azulão havia morrido em uma calçada qualquer do Alecrim. Bêbado, cagado e fedorento. Uma versão corrente e não contestada dava conta de uma mulher que, incomodada com sua presença na calçada, lhe atirara uma panela de água fervente; Azulão não teria resistido às queimaduras.
Saiu de cena da Guarita e do Alecrim aquela figura de maluco suburbano, igual a tantos, mas especial para nós que víamos nele qualquer coisa mais interessante do que a sua vida insignificante e o anunciado e talvez inevitável desfecho da sua tragédia pessoal.
CUÍCA
Em uma lanchonete na Cidade Alta, há alguns anos atrás, materializou-se uma criatura que eu não imaginava estar viva. E entrou no local, com a mesma sacola, o mesmo cajado tosco, a mesma cabeça raspada, a mesma falsa piedade, uns trejeitos de criança, rogando “uma esmolinha, pelo amor de Deus…”, o doido Cuíca!
Dominando a surpresa e a emoção, passei-lhe alguns trocados, bem mais do que aqueles que antigamente pedia, prometendo: “… me dê ‘doistões’ que eu meto a cabeça na ‘paiêde’…” Recebia e atirava a cabeça contra a parede, com violência e sem acusar um pingo de dor. Sendo doido, também não gostava do apelido. Ao ouvi-lo, brandia o pau sobre a cabeça do atrevido, juntando o impropério: “… é o c… da mãe!”
Recebeu a esmola e agradeceu com um doce e cândido “deus-lhe-pague”. Distraído, esqueci da sua implicância.
– Mas você ainda está vivo, Cuíca…?!
Pra quê eu disse isso! Voltou-se de repente, irado, violento, brandindo o cajado.
– Cuíca é o c… da sua mãe, “fela da …”!
Atrevido, enrugado, curvado, trôpego, um visual de Nosferatu e Fester Adams, o mesmo Cuíca.
Ainda deve estar vivo. Eu acho que Cuíca nunca vai morrer.
Alberto da Hora – escritor, cordelista, músico, cantor e regente de corais
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