COISA –
Glass é o exemplo que o escritor e dramaturgo, Ariano Suassuna, utiliza para dizer que o idioma inglês é pobre, porque o tal vocábulo define ao mesmo tempo copo e vidro. Não seja por isso, pois na Língua Portuguesa temos a palavra manga, que no verbo mangar é zombar – presente do indicativo ele manga – e ainda significa manga de camisa e manga, a fruta. Além de outras expressões com as mesmas características.
Nada, porém, se compara com o termo coisa e suas múltiplas e variadas utilizações no nosso idioma pátrio. Coisa funciona como uma muleta, o Bom Bril do Português brasileiro. Gramaticalmente, pode ser substantivo, adjetivo ou verbo.
No Dicionário Houaiss encontramos lá coisificar e, no falar do nordestino, coisar: “Ô, seu coisinha, o senhor já coisou aquela coisa que eu mandei o senhor coisar?”. Nas Minas Gerais todas as coisas são chamadas de trem, menos o trem que é chamado de coisa.
Porém, foi na Música Popular Brasileira, que a coisa mais se difundiu. Vinícius de Morais falou: “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça…”. Pura verdade, pois a Garota de Ipanema era coisa de fechar o comércio. João Gilberto, em Chega de Saudade, cantou: “…mas se ela voltar que coisa linda, que coisa louca…”
Em 1966, no II Festival da Música Popular Brasileira, as duas músicas classificadas na primeira colocação, diziam: “Prepare o seu coração/Para as coisas, que vou dizer… – ‘Disparada’ de Geraldo Vandré” e “…Pra ver a banda passar/Cantando coisas de amor… – ‘A Banda’ de Chico Buarque”
Na canção, Grito de Alerta, Maria Bethânia se exprime assim: “São tantas coisinhas/Miúdas, roendo, comendo/Amassando aos poucos…”. Na melodia, Feche os Olhos, Renato e Seus Blue Caps, afirmava: “Coisa linda/Coisa que eu adoro/A gotinha de tudo que eu choro”.
Caetano Veloso foi um cantor que usou e abusou da coisa. Na música, Qualquer Coisa, ele recitou: “Esse papo já tá qualquer coisa/Você já tá pra lá de Marrakesh”. Em Sampa, melodia considerada um Hino a São Paulo, Caetano, novamente, trata da coisa: “Alguma coisa acontece no meu coração/Que só quando cruza a Ipiranga e a Avenida São João…”
Coisa não tem tamanho na boca do exagerado: “coisa nenhuma ou muita coisa”. Um cara cheio de coisas é um indivíduo chato, cheio de não me toques. Coisa não tem sexo, pode ser masculino ou feminino, pois coisa ruim é o capeta, mas coisa boa é uma Miss Brasil.
Para o pobre a coisa está sempre feia, o salário-mínimo não dá para coisa nenhuma. A coisa pública não funciona no Brasil. Uma coisa é falar, outra coisa é fazer. Por essas e outras é preciso colocar cada coisa no devido lugar. Uma coisa de cada vez, afinal, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, e tal e coisa e coisa e tal.
Duvido que outro idioma supere o nosso no tocante a imensidão da versatilidade que o vocábulo coisa representa para o Português falado no Brasil. Portanto, nada de comparações com outras línguas mortas ou vivas, porque a coisa nos faz únicos.
Da vida não se leva coisa alguma. O melhor mesmo é seguirmos os fundamentos de nossa religião que se resumem em: amar o próximo como a si mesmo e a Deus sobre todas as coisas. Deu para entender o espírito da coisa?
José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro civil