COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DO VERANEIO DE MURIÚ

O PORQUE DA MUDANÇA DE PIRANGI PARA MURIÚ

Possuo muitos defeitos, mas não carrego o maior deles: ser ingrato. Ele não cabe na minha “cocuruta”, motivo pelo qual não admito esse comportamento.

Quando cheguei em Pirangi ainda existiam muitos terrenos livres e o maior posseiro se chamava “Pinoca”, a quem comprei a área onde construí minha casa.

Tempos depois ele resolveu vender dois terrenos, vizinhos aos meus, e, para atender uma pessoa que achava ser meu amigo, ao invés de aproveitar a ótima oportunidade de negócio, os repassei para ele.

Fizemos um acordo. No futuro, se não mais lhe interessasse, ele não venderia a outro. Eu ficaria com os lotes.

Tempos depois fui surpreendido com a sua decisão de vender, e me dava apenas até o dia seguinte, como prazo para resolver. Como ele queria o dinheiro à vista, e eu não tinha tempo de mobilizar, obviamente, não poderia comprar.

Os terrenos terminaram vendidos a um contrabandista, que, sendo péssimo vizinho, preferi vender a casa a qualquer preço e me afastar de lá.

Me mudei para Muriú.

Ambiente novo e novos costumes, totalmente diferentes de Pirangi.

A CASA

Pra começo de conversa, comprei uma casa antiga, dos Arruda de Ceará Mirim.

Aliás, lá em Muriú, tudo começou com o povo de Ceará Mirim, pois era a praia de veraneio deles.

Hoje, existem apenas alguns remanescentes.

Resolvi fazer uma reforma na casa, sendo também o autor do projeto, que um primo de Ruy Pereira, Ruyzinho do Engenho Mucuripe e da rapadura, dizia que era uma reforma “jaquê”.

“Já que” eu mexi nisso, agora vou mexer naquilo.

Na verdade não teve um projeto no papel, feito por um arquiteto, mas ficou muito boa.

Meu amigo Carlos Limarujo, diz que os meus projetos são desenhados na minha cabeça. São assim: construo a parede. Não gostei, “apago”. Derrubo.

Como ele é engenheiro, chegando para ver “as obras”, acha que os pilares estão muito “delgados” e me faz recorrer aos préstimos de Joaci Araújo, um dos grandes calculistas desta terra de Poty.

Levei Joaci, ele viu a construção, examinou as ferragens utilizadas e apenas recomendou que eu “engordasse” as colunas.

Com relação a essa visita de Joaci, para a qual convidamos Carlos Lira para fazer parte do passeio, tomamos uma grande cachaça e dormimos na fazenda, pois não deu para chegar em Natal.

O DIA A DIA

Lá em Muriú, as coisas funcionavam diferente de Pirangi. Os “trabalhos” começavam cedo e também terminavam cedo.

Parava-se de beber no final da tarde e, de noite, formávamos um joguinho de baralho, ou, no máximo, bebíamos um uísquinho, de leve, para não perder o embalo.

Acabaram-se as presepadas mas começaram novas brincadeiras.

O PASSAR DO TEMPO

As pescarias, no mar e na praia e os passeios para as lagoas nos tiravam de baixo dos terraços.

Era uma vida menos urbana e com maior contato com a natureza.

A vida do veraneio de Muriú, tinha um componente diferente, que era a beira de praia, onde nós nos deslocávamos nos “fora de estrada” em direção à Barra do Rio ou em direção à Maxaranguape.

Estreitei uma amizade com Roberto Furtado, cuja correção de comportamento e convivência é inquestionável e irreparável.

Já nos conhecíamos como radioamadores, mas não como companheiros de pescarias e das cachaças e brincadeiras que os veraneios proporcionam.

Um exemplo: sabíamos que tínhamos posições político partidárias diferentes. Dissestes bem: “sabíamos”, porque nunca conversamos a respeito. Não era necessário falar. Era necessário apenas respeitar. E era o que fazíamos sobre as divergências, ou melhor, o que fazemos, quando agora, raramente, temos a oportunidade de nos encontrar.

AS PESCARIAS E OS EXAGEROS DE MARCÍLIO

As pescarias de lagostim nos arrecifes ou de siri na Barra do Rio Ceará Mirim se constituíam numa festa de conversas e bebidas.

Nos arrecifes pescávamos à noite, encandeando os crustáceos com as lanternas a gás.

Marcilio Azevedo, um dos nossos companheiros, pescava pouco, mas inventava umas histórias exageradas que a gente fingia que acreditava.

Certa vez ao passar um avião, na noite escura, ele se lembrou ou criou um fato. Disse que tinham chegado uns aviões de transporte de tropas, com várias carretas de ferramentas para o quartel do exército lá das Rocas.

Veja bem, uma carreta de ferramentas já é muita coisa.

Quando Roberto se espanta com a quantidade de ferramentas de todos os tipos, ele diz: O QUE? SÓ DE CHAVE DE FENDA.

Coisas de Marcílio, que, na intimidade, os amigos o chamam de “mentirinha”.

Ele fez uma presepada comigo, que fiquei de me vingar, mas pelo que parece, ele vai escapar. Já tem mais de 30 anos e acho que não vai dar mais tempo.

Negócio seguinte. Quando pegávamos um lagostim pequenino, que não valia a pena cozinhar, descascávamos para “tira gosto” da cachaça, comendo ele cru.

Marcilio pegou um aratu, tirou as pernas e o casco e me deu juntamente com uma lapada de cana. No escuro, pensando que era um lagostim, joguei na boca e mastiguei. Passei o resto da noite cuspindo, sentindo o gosto do óleo do aratu.

Fazia parte das nossas brincadeiras.

Dos “exageros” de Marcilio, vou lembrar mais um. Na época do veraneio alguns dias surgem nublados, a temperatura baixa e segundo os entendidos paira a eletricidade no ar.

Marquinhos, cunhado de Roberto Furtado, tinha um “bugre” de cano, e o “bicho” – tendo várias pessoas como testemunhas, para atestar – sem a interferência de ninguém, começou a ligar o motor de arranque. Como estava em marcha, chegou a fazer um pequeno deslocamento, parando ao encontrar um coqueiro.

À noite, quando Marcilio tomou conhecimento do fenômeno, falou: isso é bobagem. Eu tinha um Fiat Uno, que nessas condições de umidade do ar, cansei de ir buscá-lo na casa do vizinho.

Pode???

O MEU BATISMO NO ALTO MAR DE MURIÚ

Saíamos para as pescarias em alto mar no meio da tarde e voltávamos somente na manhã do dia seguinte.

Eu não conhecia a pescaria noturna e acho que hoje, não consideraria mais um divertimento. Quando chegava em terra estava bastante enfadado, apesar de que, quando o mar era favorável ao pescador, compensava qualquer enfado.

Roberto era o maior entusiasta. Bom pescador e um grande companheiro, mas Jair Vitamina era quem fazia a maior festa, a cada peixe pescado.

Pensando bem, era um divertimento que continha um alto grau de perigo. Não raro tomávamos conhecimento de pescadores desaparecidos porque o barco afundou, ou, no mínimo, que ficaram com o barco à deriva.

O equipamento de proteção era uma lanterna à gás colocada em cima da cabine do barco lagosteiro. Ela servia para iluminar a pescaria, e também para alertar sobre a presença. Isso é necessário, porque onde tem os melhores pesqueiros, é, coincidentemente, a rota dos navios, coisa que eu desconhecia.

Na noite do meu “batismo”, vendo uma luz que cada vez mais se aproximava do nosso barco, perguntei a Roberto: amigo, aquilo não é um navio? E ele respondeu: deve ser. E, complementando, disse. Olhe para ele. Se você estiver vendo uma luz verde ele vai passar à sua direita. É a luz de boreste. Caso esteja vendo uma luz vermelha é porque ele vai passar à sua esquerda. É a luz de bombordo. Então eu falei: e se eu estiver vendo as duas? Ele concluiu: é porque ele está vindo em nossa direção.

O “comandante” Doiô, que era o dono do lagosteiro complementa: as vezes eles botam por cima, só por sacanagem.

Implorei para que ele ligasse o motor para nos deslocarmos e ele só fazia rir.

O navio passou tão perto, que víamos uma grande parede negra. Após a sua passagem o nosso barco subia e descia como se estivesse entrando num grande buraco no mar.

Foi assim o meu batismo. Não me “borrei” todo, porque não tinha nada pronto.

OS AMIGOS QUE NOS VISITAVAM

Nos domingos de Muriú, sempre recebíamos amigos de Natal.

Fazíamos churrasco, e eu, que possuía uma fazenda distante poucos quilômetros, tinha sempre um carneiro gordo para assar.

Nessa época não tinha a Lei Seca, e os amigos visitantes saiam lá pelas 5 da tarde, para pegar a estrada de volta para Natal.

Sempre, quando eu estava finalizando as providências de recolhimento das carnes que sobravam e os pratos sujos, chegava Omar Careca com a sua inseparável Regina, no seu inseparável e esquisito bugre, que ele chamava de Ivoncísio. Não sei o porquê.

Bom. Com a chegada do casal tinha que começar tudo de novo. Colocava carvão na churrasqueira, mandava trazer cerveja e vamos comer, beber e rir até dar uma dor.

Omar era folgado. Fiscal de Rendas, “trabalhava” quando a necessidade apertava. Dizíamos, na brincadeira, que era para receber as “bolas”, primas pobres das que hoje são chamadas de “propinas” do PT.

O fato é que ele só ia embora quando enchia a lata ou eu adormecia na cadeira.

O PIF-PAF

Os nossos jogos de pif-paf não eram pra ganhar dinheiro. Eram para passar o tempo.

Portanto, não havia muito rigor e eram admitidos os “perus”, que além de olhar os jogos ainda davam “pitaco”.

Uma vez fiz uma “armada” muito grande e Costa Neto, que não jogou a parada estava “piruando” meu jogo. Quando caia um carta parecida com as que eu batia, ele chutava o meu pé e eu ficava sério para não dar bandeira.

Finalmente, quando eu bati, ele se levantou e disse: “vixe”, isso é que é um cara do nervo bom!!!

O CARNAVAL

No carnaval de Muriú, passávamos o dia bebendo nas casas, que eram os “assaltos” combinados, e, no final da tarde, íamos com uma charanga pela beira da praia, até onde a maré cheia permitia.

Dois casos carnavalescos:

1 – Minha mulher tinha grandes dores de cabeça, e, para abrandar o incomodo, tomava fortes remédios.

Num desses carnavais resolvi comprar uns comprimidos de alcachofra e metiocolin B12, para proteger o fígado.

Na hora de sair para o primeiro “assalto” fui no guarda roupa e peguei meus comprimidos.

Tarde já avançada ela chega para encontrar o bloco e me vê “diferente”. Nem bêbado e nem bom, mas meio desanimado. Ela acha o comportamento estranho e depois veio a descobrir que eu, ao invés da alcachofra tinha tomado um dos comprimidos dela.

Ainda bem que o efeito foi calmante.

2 – Um casal que eu não conhecia, chegou em Muriú para brincar o carnaval.

Tanto a esposa e mais ainda o marido tinham um físico avantajado.

Surgindo no “bloco” com a minha cachaça já avançada, ela trazia na cabeça aquelas orelhinhas das coelhinhas da Playboy.

E eu, mesmo sem a conhecer, mas como costumávamos brincar uns com os outros, vez por outra ao me deparar com o casal, dizia: isso não é uma coelhinha, é uma coelhona.

No dia seguinte, no início os trabalhos, conversava com o novo amigo sobre as coisas de Muriú.

Com a minha costumeira amnésia alcoólica, perguntei a ele: está na casa de quem? E ele falou: não conversamos ontem? Sou o marido da “coelhona”.

O filme veio na minha cabeça e foi o jeito cairmos juntos na gargalhada.

Assim era o veraneio de Muriú.

Antônio José Ferreira de MeloEconomista

 

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