COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DO TRABALHO EM COMUNIDADES
MINHA EXPERIÊNCIA NO SEBRAE
Fui contratado pelo SEBRAE, com o objetivo de preparar um plano de desenvolvimento regional, que seria montado a partir dos planos municipais, com a visão de geração de emprego e renda nas áreas de artesanato, turismo, meio ambiente, agronegócio e pesca, elaborados com a participação da população local.
Eu gostei de trabalhar no SEBRAE. Parecia nós do planejamento estadual nos anos 60/70, quando chegávamos no interior, e éramos respeitados.
Ou seja, o SEBRAE ainda é uma instituição que merece crédito, nesses nossos dias, onde um Secretário Estadual de Saúde, diz que, em 30 dias, vão morrer no Rio Grande do Norte, dez mil e tantas pessoas de “covid 19”, e passados os 30 dias, morreram menos de 5% da meta dele.
Como pessoa que se formou na área do planejamento, não concordei durante o tempo que prestei os meus serviços para o SEBRAE, com o pecado de não se aferir os resultados de suas intervenções, se satisfazendo, apenas, com as estatísticas de suas realizações.
Espero que não esteja mais assim.
O TRABALHO PARA DESENVOLVIMENTO DE COMUNIDADES
Prestei também serviços na área de desenvolvimento de comunidades, com a finalidade de criar oportunidades de trabalho.
A tarefa, era levar para pequenas prefeituras, ideias para criação de oportunidades para ocupação e geração de renda.
O “manual” dizia que era para “criação de emprego e renda”, mas eu mantinha certa discordância, que, na minha opinião, não era somente coisa de semântica, considerando a vulgarização, no Brasil, do termo “emprego”.
Daí, eu falava: INCENTIVO À OCUPAÇÃO E GERAÇÃO DE RENDA.
Eu fazia dupla com João Batista de Medeiros Junior, o meu amigo, Junior Chororó, que é um grande parceiro para trabalhar.
AS VIAGENS
Tínhamos atividades, digamos assim “puxadas”, uma vez que o espaço de atuação compreendia as diversas regiões do Estado.
Passamos por algumas dificuldades, próprias das estradas mal conservadas e também dos perigos relativos a segurança pessoal.
Como não viajávamos com motoristas, dividíamos os turnos. Normalmente Junior dirigia pela manhã e eu, na parte da tarde.
Como tínhamos confiança um no outro, às vezes, quando a estrada permitia, era até possível cochilar.
Estando lá pelo Alto Oeste, acordei com a freada brusca que Chororó deu, e abrindo os olhos, vi uma escopeta bem na minha cara.
Por um espaço de tempo, pensei que era um sonho.
Mas não. Era a polícia que estava na busca de assaltantes de um banco em Mossoró, que tinham fugido para a região.
Quando Chororó deu partida, passei a mão no assento, mas estava tudo em ordem.
Por falar no Alto Oeste, sabe-se que “os Carneiros”, ou família Carneiro, manda nas áreas próximas aos Municípios de Caraúbas e Campo Grande, e quando eles tem algum desafeto, seja lá por qual motivo for, o cara é apagado da vida, como se apaga um risco de lápis, com uma borracha.
Simples assim.
Quando a gente estava na região, eu já avisava a Junior, quando íamos almoçar.
Olhe, aqui não se pede carneiro torrado, guisado, na brasa, nada disso. Aqui, se pede “miunça”.
COISAS DO TRABALHO EM TIBAU DO SUL
Na comunidade da Pipa, as reuniões só podiam ser feitas à noite, depois das 18 horas, com previsão de conclusão, no máximo, às 20 horas.
A justificativa era que as atividades comerciais, puxadas pelo turismo, se processavam, antes das 21 horas.
Assim, consequentemente, como os trabalhos profissionais se estendiam pela noite, os participantes precisavam dormir até tarde, além de que também precisavam ir à praia, para “descansar a cabeça”, e não se estressar.
Também não podíamos ser rígidos, e, durante as reuniões, éramos obrigados a dar espaço, para que se ausentassem, um pouco, a fim de que fossem “respirar” fora do ambiente da reunião.
Eu mesmo, achava que eles e elas, iam, se inspirar, “aspirando” alguma coisa.
Voltavam exalando um forte “cheiro de maconha”, com um ar cansado, olhos vermelhos e um olhar vago, apresentando, assim, um aspecto “interrogativo”, com um “ar distante” da realidade.
E então? Tínhamos que nos ajustar a essa realidade, mas sem seguir a história de que: “em terra de sapo, de cócoras com ele”.
Apenas, quanto aos horários.
COISAS DO TRABALHO EM GEORGINO AVELINO – O PREFEITO, MEU AMIGO DE INFÂNCIA
Encontrei em Georgino Avelino, como Prefeito, um velho conhecido de infância, quando o seu pai gerenciava a fazenda do meu tio.
Nós tínhamos a mesma idade, e, como meninos, fizemos muita presepada, correndo a cavalo “em osso”, ou seja, sem sela, caçando marrecas nas várzeas e pulando da ponte do Rio Santo Alberto.
Falei. Aqui vai ser fácil, pois o Prefeito é meu amigo de infância e o nosso trabalho vai ser facilitado, para os entendimentos com os diversos grupos de interesse do Município.
Ledo engano. Acertávamos os compromissos com Gonçalo, e quando retornávamos, nada tinha sido feito.
Apenas uma vantagem. Eu tinha a liberdade de dizer: seu sacana, você é um irresponsável. Promete as coisas e não faz.
Ele caía na rizada, e dizia: deixe de frescura. Foi porque eu estive muito ocupado e não deu tempo de fazer. Sente aí, e vamos combinar o que precisa ser feito.
Quando retornávamos tava “tudo como dantes no quartel de Abrantes“.
Encontramos a solução. Negociar as ações da Prefeitura, com a mulher dele, que era quem resolvia tudo.
OUTRAS COISAS DO MUNICÍPIO DE GEORGINO AVELINO
Nem tudo era dificuldade.
No Município de Georgino Avelino, grande produtor de camarão em viveiros, contávamos, para refeições, com o Bar da Ostra, restaurante localizado no alto da sede do Município, com visão da Lagoa de Guaraíras, até Tibau do Sul.
Visual espetacular e comida, sem defeitos.
Próximo à sede, uma família de carcinicultores, tinha um restaurante, e preparava, para nós, o camarão pescado na hora, ainda “se mexendo”, com sabor inigualável.
Não somente por isso, fizemos com eles, grande amizade. Era uma família de pessoas trabalhadoras e conhecedoras das potencialidades locais, com quem trocávamos ideias.
Certa vez, fomos convidados pela diretoria de uma associação de criadores de ostra, para uma degustação à beira d’agua.
A mesa, era uma canoa emborcada.
Faltou um vinho, ou uma cerveja gelada. Até uma lapada de cana, resolvia, mas, somente a ostra, pescada na hora, com sal, limão e azeite, ainda me traz, grande recordação.
O PREFEITO QUE VENDEU A PREFEITURA
Chegando na sede do Município de Bento Fernandes, procuramos a Prefeitura e perguntamos pelo “Burgomestre”.
Ao citar o nome do Prefeito, o Secretário que nos atendeu, falou: olhe, esse não é mais o Prefeito.
Então, falei: como isso é possível? Na relação dos prefeitos o nome é esse. O que houve? O Prefeito morreu? Assumiu o Vice?
O secretário disse: na verdade, esse que o senhor disse é o que foi eleito, mas ele vendeu a Prefeitura.
Ainda sem acreditar e diante da situação posta, perguntei: amigo, e como funciona isso?
Ele respondeu. É assim, quando sai o dinheiro do Fundo de Participação, ele passa na Prefeitura, assina os talões de cheques, em branco, recebe “o dele” e vai tomar cachaça.
Porém, nada a reclamar dos compromissos assumidos pelo “Prefeito de Fato”, que eram cumpridos, como se “Prefeito de Direito”, fosse.
COISAS DO TRABALHO NO MUNICÍPIO DE SÃO MIGUEL
O setor de hospedagem, em determinados lugares, era “pecuária”, como diz o matuto quando quer falar precária.
Lá em “São Miguel de Pau dos Ferros”, nos hospedávamos nos “apartamentos”, construídos em cima dos escritórios e do depósito de um posto de gasolina.
Normalmente dormíamos tarde, por conta das reuniões e do jantar, que somente fazíamos depois, mas o ônibus, que tinha como ponto de partida, o posto, saía para Natal, às 4 horas.
Então já viu. Antes desse horário, o barulho era grande, e não tinha como evitar. Era acordar e pronto.
São Miguel tem ou tinha, pois há muito não vou lá, coisas interessantes.
Uma delas é uma feira livre, diária.
Todo dia ela era montada na madrugada e desmontada ao final do dia. Não entendíamos como a Prefeitura não arranjava um local, e fazia uma feira permanente.
É interessante ver o pessoal de idade avançada, chegando nos cavalinhos de pequena estatura, porém, bem conformados, sem apresentar características de “pangaré”.
As pelagens são as mesmas dos quartos de milha e outras raças, que se vê nos leilões: baio, tordilho e alazão, por exemplo.
Pessoas de lá, me disseram, que esses animais são descendentes de cavalos que foram trazidos pelos espanhóis, quando estiveram unidos com os portugueses, para expulsar os holandeses.
Não tenho nenhuma pesquisa que me capacite fazer essa afirmação.
Da mesma forma, chegamos a comer a carne de um porco selvagem, que eles garantem ser descendente do porco “pata negra”, que os portugueses e espanhóis, trouxeram, quando subiram a serra, por conta do clima, vindos de Pernambuco.
Não tenho como dizer que a afirmação é verdadeira. Mas, que a carne era gostosa, era.
Outra coisa interessante é o casario antigo, algumas construções mais rebuscadas, outras mais simples. Na época, apenas duas casas modernas e bonitas, chamavam a atenção. Era a do médico e a de um “amigo” do cantor Fagner.
Existe um bairro na Cidade de São Miguel – onde eu estive pra ver – que, de tarde, quando o “sol esfria”, botam os velhos para tomar um “solzinho”, e então “estendem” os velhos nas calçadas, as vezes, em camas com rodas, para facilitar o “transporte”.
Só vendo, como é interessante.
À boca pequena, se falava, que o cuidado era necessário. Um velho a menos, era menos uma “bolsa família”.
A pessoa que me levou para ver, me disse que São Miguel tem a população mais velha do Estado – muitos acima de 100 anos – e o “dinheiro dos velhos”, é que garante o funcionamento diário da feira livre.
Tudo isso, estou dizendo, “por OUVIR dizer”.
OS TRABALHOS EM CAIÇARA DO NORTE
No Município de Caiçara do Norte, cuja sede fica separada da Sede do Município de São Bento do Norte, apenas por uma rua, nos hospedávamos numa pousada à beira mar, que embora não tivesse ótimas acomodações, tinha excelente localização e contávamos com um ótimo tratamento.
Às vezes, eu armava a rede na varanda e dormia na brisa marinha e ao som do barulho das ondas do mar.
Comprávamos peixe, camarão e até lagosta, que eram preparados pela cozinheira, e nós saboreávamos, no jantar, que era quando podíamos fazer a refeição com mais tranquilidade.
Certa vez, “inventei” de entrar na cozinha para ver o peixe, cujo cheiro gostoso, chegava do lado de fora.
Foi uma decepção. A mesa da cozinha, estava preta, de moscas.
Se quisesse utilizar qualquer espaço, teria que afasta-las com a faca.
Perdi o apetite e mudamos de pousada.
UMA AVALIAÇÃO PELA COORDENAÇÃO NACIONAL
Numa dessas viagens, levamos um pessoal de Brasília e também técnicos do Governo do Estado, que trabalhavam na parceria, para conhecer o desenvolvimento do programa executado pelo SEBRAE-RN.
Passamos primeiro em São Paulo do Potengí, onde, durante a manhã, o “gestor municipal”, fez a apresentação das atividades desenvolvidas.
Quando estávamos para pegar o carro e sair da cidade, um vendedor de “garrafada de pau dentro”, veio me oferecer aquela que dizia ser a melhor da região.
Segundo ele, ela era resultante da adição de cascas de diversas árvores, que, colocadas na cachaça, formava uma espécie de licor, que deve ser tomado antes do banho e resolve problemas, desde reumatismo, até impotência sexual.
Embora não estivesse com essa necessidade toda, não custava nada prevenir, e comprei três litros, pois Manelzinho, que era um instrutor do SEBRAE, disse que queria um.
Partimos então para Martins, onde chegamos no meio da tarde, e como as atividades estavam programadas para o dia seguinte, fomos então mostrar ao pessoal “de fora”, as belezas da região, vistas dos “mirantes”, prevendo jantar no hotel, quando voltássemos.
Chegando no Mirante da Carranca, começamos a discutir o trabalho, bebendo cerveja, até que acabou o estoque e, o pior. Quando chegamos no hotel o restaurante já estava fechado.
Como tínhamos comido muito “tira gosto”, não estávamos com fome, mas era cedo para dormir, e queríamos dar seguimento às discussões, para uma avaliação informal do programa.
Restaurante fechado, o bar também.
Resultado. Bebemos os três litros de “garrafada de pau dentro”.
Eu mesmo, não tive dor nos joelhos, por um tempo. Com relação aos outros benefícios, decorrentes das propriedades da garrafada, não senti diferença nenhuma.
Assim eram as coisas, no tempo em que prestei serviços para o SEBRAE, trabalhando nas comunidades do interior do RN.
Antônio José Ferreira de Melo – Economista – [email protected]