COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA –
O PLANEJAMENTO ESTADUAL
Sou do tempo em que se privilegiava a formação de quadros técnicos na administração estadual do Rio Grande do Norte.
Muitos seminários, estágios, cursos e treinamentos diversos, foram executados.
Quando surgiam oportunidades externas, inclusive no exterior do país, eram escolhidos para participar, aqueles que melhor pudessem absorver os conhecimentos, e, voltando, aplicá-los.
Havia também, um incentivo do Governo Federal para a formação do sistema de PLANEJAMENTO, ADMINISTRAÇÃO e FINANÇAS, que seria comandado pelas pastas respectivas.
Era necessário que fosse criada uma mentalidade capaz de definir estratégias e inovações, para encontrar as oportunidades de crescimento sustentável do Estado, adaptando modelos, em cima de uma base sólida de conhecimentos.
Assim, através de uma abordagem sistêmica, eram construídas as ações, que fizeram com que o Estado do RN se tornasse competitivo, organizado e possuísse capacidade de inovação.
É de dar pena, querer comparar com o que se vê hoje.
Porém, nem tudo era perfeito.
A DECISÃO SOBRE A CONSTRUÇÃO DO CENTRO ADMINISTRATIVO
Como tudo nesse País é moda, houve um tempo que a moda dos governos era a construção de “centros administrativos”, com a louvável teoria de que juntando as diversas “repartições” num mesmo espaço, as atividades administrativas se tornavam mais práticas, reduzindo-se, inclusive, os custos operacionais.
Veio então a decisão de construir o nosso. O local escolhido não poderia ser pior: dentro de uma lagoa e também prejudicial ao sistema viário, uma vez que se localizava numa área que já contava com conflitos de tráfego, além de seccionar a Avenida Capitão Mor Gouveia, importante via de integração e penetração, prevista para não permitir que o transito de cargas adentrasse à cidade.
Nós, da área de Desenvolvimento Urbano, defendíamos a sua construção numa outra área, mais afastada, pois seria um indutor de ocupação urbana, possibilitando também a criação de um sistema viário desconcentrado e de um sistema de transporte de passageiros, devidamente planejado.
Nada adiantou. Ou Marcos Formiga, o Secretário, não conseguiu convencer o Governador, ou ele mesmo era a favor da ideia da construção naquele local.
O que aconteceu no futuro, todos sabem. Foi construído dentro da lagoa, a lagoa encheu, exigindo uma interminável obra de drenagem, que, parte dela, somente foi realizada há pouco tempo, com os “recursos da copa”, levando as aguas pluviais até o Rio Potengi, utilizando vários quilômetros de dutos de drenagem.
Os ecologistas deveriam “ranger os dentes”.
Para consertar o sistema viário, que foi prejudicado, foram construídos viadutos e alças “meia boca”, tudo com altos custos financeiros e urbanos.
A BOA MEMÓRIA DE GOVERNADORES
Apesar do Centro Administrativo, o Governador Cortez Pereira além de possuir uma rara visão de oportunidades, foi um dos governadores de boa memória.
Alguns governadores tinham a capacidade de questionar informações, e, como a minha memória não é lá essa coisa toda, especialmente quanto a números, e como eu tinha a tarefa de apresentar dados orçamentários ou relativos a pedidos ou necessidades dos municípios, sempre pedia que ao ser convocado, me fosse adiantado o assunto, para que pudesse me preparar, para levar a melhor informação.
Isso fazia parte da nossa formação.
Logo cedo de nossa vida profissional, quando recebíamos de Ademar de Medeiros Neto, o Ademarzinho da Assessoria de Planejamento, tarefas à executar e quando elas se apresentavam difíceis, dizíamos, com honestidade: “chefe, como fazer isso”? E ele dizia: “se vire”. Iniciávamos os trabalhos e ele, supervisionando, mostrava os caminhos, que íamos aprendendo.
Enfim, aprendemos, a importância de nos posicionar corretamente, para manter a credibilidade.
A RESPONSABILIDADE PELA INFORMAÇÃO CORRETA
Um dos casos que me lembro.
Eu era responsável pela feitura do orçamento geral do Estado, e, em determinado período do ano, estávamos confeccionando a proposta orçamentária para o próximo exercício.
Ocorre que a nossa equipe não conseguia “fechar” as contas, por causa de uma pequena diferença, e, no início da manhã do dia seguinte, o Governador iria ao Planejamento ver os números.
A nossa responsabilidade técnica não permitia que tal pendência permanecesse.
Viramos a noite completando o trabalho, uma vez que os grandes quadros eram confeccionados à mão.
É preciso lembrar que, à época, o computador ainda não existia dentre as nossas ferramentas de trabalho.
Já na madrugada, deixei a turma trabalhando e fui em casa tomar um banho e trocar de roupa.
Ao voltar, o “erro” ainda permanecia, e pedi ao pessoal que fosse para casa dar uma descansada, que eu levaria o documento da forma que estava, reconhecendo a existência da pequena diferença, que, obviamente seria encontrada.
Porém, antes que a turma saísse peguei os quadros e “encontrei” o erro. Foi uma festa. Todos foram para casa satisfeitos porque seria mostrado ao governador, um trabalho sem defeitos.
O Governador, que somente olhava os grandes números, tomou algumas decisões sobre beneficiar ou reduzir alguns setores e agradeceu a Marcos Formiga, Secretário de Planejamento, o empenho, parabenizando a equipe do orçamento pelo excelente trabalho, indo, em seguida, cumprir as suas atividades governamentais.
À tarde, quando o pessoal retornou, a pergunta foi uma só: e aí, deu tudo certo? Então respondi: claro que sim. O Governador elogiou o trabalho e mandou os parabéns para a equipe.
Agora, para concluir, vamos achar o erro.
A risadagem foi geral.
A FUSÃO DO PLANEJAMENTO COM AS FINANÇAS
Eu fui um dos componentes do time de opositores da ideia de fundir a Secretaria do Planejamento com a Secretaria da Fazenda, ou seja o planejamento com as finanças, mas não conseguimos sucesso.
Sempre defendi, que a existência das funções de arrecadação de recursos e do planejamento de gastos era um conflito positivo, por colocar em posições divergentes, quem arrecada e quem gasta.
Um lado, justificando a impossibilidade do gasto e o outro, justificando a necessidade de gastar. O Governador, como um Juiz, decidia pelos melhores argumentos. Isto, que vinha dando certo, seria jogado na lata do lixo.
Além do mais, como participante do planejamento de velhas datas, defendia até o charme da atividade. O planejamento tinha charme porque era uma atividade moderna e organizada, tinha propostas, estratégias e inovações, para levar o Estado à oportunidades de crescimento sustentável.
A tributação, ao contrário, desde os seus primórdios é uma atividade impopular.
Os cobradores de impostos do Império Romano eram apelidados de publicanos, e eram detestados pelos judeus, pois, além de serem cobradores do seu próprio povo, se envolviam em corrupção.
A própria Bíblia cita os publicanos de forma negativa. Diz o Evangelho em uma das suas passagens: “Deve ser tratado como um pagão e um publicano”.
Porém, todos os argumentos não foram suficientes para conseguir convencer o nosso colega Manoel Pereira, pois ele achava que se transformaria num “super” secretário, e conseguiu convencer o Governador da importância da transformação.
Eu dizia: Manoel, no futuro vamos ser cobrados dessa atitude. Ele dava uma daquelas suas risadas escandalosas, e dizia: Toinho você tem a mania de contestar. No futuro, você vai ver como tenho razão, isso sim.
Pena que Manoel não esteja mais entre nós. Porém, antes dele morrer repassamos o assunto, mas a sua cabeça dura continuava achando que tinha razão.
A verdade é que o charme do planejamento cruzou com a antipática função de cobrar, e tudo o que se montou para que tivéssemos um RN competitivo, organizado e possuísse capacidade de inovação, “foi para a cucuia”.
Lembro que encontrei colegas da antiga SEPLAN, recolhendo trabalhos técnicos que foram jogados no lixo.
Com a junção, o resultado foi o empoderamento da função arrecadadora, pela sua capacidade de entesouramento. Portanto, o que aparece são os números da poupança e não o resultado das ações, cujos efeitos, nem sempre, se dão num curto prazo.
Foi o início da derrocada do planejamento estadual no Rio Grande do Norte, que nunca mais seria o mesmo.
A função do dinheiro, passou a “mandar” no jogo.
Hoje, lembrando desses fatos, vejo que: “ou eu estou muito velho ou o futuro é o dia seguinte”.
Antonio José Ferreira de Melo – Economista, [email protected]