COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DA FAZENDA BARRA RIO – Antonio José Ferreira de Melo

COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DA FAZENDA BARRA RIO –

JOAQUIM DIAS

Meu amigo Joaquim Dias, era o proprietário da Fazenda Barra do Rio.

Grande figura humana, homem sobre quem nunca ouvi nenhuma alusão a qualquer ato ilícito, era respeitado em todas as áreas de sua convivência.

Ligado a área comercial, como representante dos produtos “Wella” – ícone do segmento de cosméticos da época – era, também, expoente de várias Lojas da maçonaria, sendo delas, “Venerável-Mestre” e “Grão-Mestre”, em determinados do tempos.

Lembro sempre dos conselhos que OUVI, dele.

Um deles. “As atitudes que tomamos não podem ser apagadas. Temos que ter cuidado para não machucar ninguém. Nós podemos esquecer. Quem foi machucado, não”.

À época, como eu me transformava em seu motorista, e, pela minha impetuosidade, ele dizia: “vamos devagar, com calma, porque temos pressa”.

Era como se dissesse, que a pressa exigia cuidados e não, velocidade.

Sempre respeitei os seus posicionamentos, o que não se constituía em dificuldade, pois ele era coerente.

Quando eu tomava uma decisão, ele dizia: “tá certo, se você acha que está correto, tudo bem. Assuma”.

Era assim, Joaquim Dias.

Tive a felicidade de contar com a sua estima e até com a sua proteção, como um filho recebe de um pai.

Em memória, tenho o dever de declarar o meu respeito a Joaquim Dias Neto, e esta, é uma oportunidade.

A FAZENDA BARRA DO RIO

A Fazenda Barra do Rio, possuía características interessantes, uma vez que, grande parte dos seus limites, era com o mar, com o rio Ceará Mirim e também com o Rio Pratagy.

Hoje, em cima de um 4X4, talvez não tivesse conhecido palmo a palmo toda a sua área.

Porém, montado a cavalo, eu gostava de percorrer aquelas terras, de características tão diversas.

Ora estava na beira da praia, ora tomava banho nas lagoas, uma delas, até hoje, famosa pelo turismo, que é a Lagoa de Pitangui, e também pescávamos caranguejo e siri no mangue.

Lembro que os siris de raiz eram os mais procurados, pelo seu tamanho e também porque eram “gordos”, e, com os caranguejos-uçá, em grande quantidade, fazíamos a festa, com a cerveja gelada.

Nas várzeas do Rio Ceará Mirim, eram encontrados grandes goiamuns, hoje não mais existentes, pelo menos, em quantidade e tamanho.

Era como um reencontro meu, com o Rio Ceará Mirim, pois nos meus tempos de menino, vinha com Papai, com Seu Humberto Teixeira, Seu Manoel Leopoldo e a turma mais nova, pescar com dinamite nas suas aguas.

Hoje, lembrando dessas pescarias, vejo que os ecochatos tem razão em condenar determinadas ações predatórias, e essa era uma delas.

Quando a dinamite era lançada e explodia, esperávamos um pouco para que a agua perdesse a turbidez, e mergulhávamos para pegar os peixes mortos no fundo do rio.

Muitas vezes, grande quantidade de pequenos peixes era desprezada, constituindo-se num verdadeiro crime ambiental.

Também pescávamos “de espera” que se constituía numa pescaria feita à noite.

Algumas canoas ficavam na “boca do rio”, com redes fundeadas, e as partes das boias, estiradas acima da superfície, com varas de mangue.

Outras canoas faziam um encontro das redes e os peixes, na maioria tainhas, ao se sentirem presas, pulavam, e ao bater nas redes caiam dentro das canoas.

Prática, com certeza, herdada dos costumes indígenas.

A LAGOA DE PITANGUI

Alcancei a Lagoa de Pitangui nos tempos em que ela se ligava ao mar e tinha várias vezes o tamanho que tem hoje.

Na época, acompanhei pescarias de rede ou de tarrafas, onde eram pescados camurins, carapebas, tainhas e outros menos votados.

Por falta de controle, os pescadores começaram a usar bombas feitas com bananas de dinamite, a exemplo do que, quando menino, presenciei nas margens do Rio Ceará Mirim.

Como as barreiras que cercavam a lagoa, eram constituídas pelas dunas móveis, as explosões contribuíram para o fechamento do canal de comunicação com o mar, na praia de Pitangui.

Como consequência, foi eliminada a migração dos peixes marinhos, que se adaptavam às aguas doce da lagoa.

Ela possuía um “olheiro”, cuja agua era muita fria, e onde parávamos para matar a sede.

Diziam ser o nascedouro da Lagoa de Pitangui, cuja água, por ser limpa e doce, era classificada, pelo povo, como mineral, e era usada para beber e cozinhar, de melhor qualidade que as aguas das cacimbas.

Hoje, esse olheiro, também deve estar aterrado.

FORRÓ DE BITONHA

Joaquim Dias e eu, pelo nosso bom relacionamento com o povo da região, sempre éramos convidados para as festas da “Ribeira do Ceará Mirim” e toda a redondeza, fossem casamentos, batizados, aniversários, e até funerais, e, em toda “milacria”, estávamos presentes.

Mas, foi na inauguração da casa de “Bitonha”, que VIVI uma situação indesejada.

Indo para a propriedade, fomos parados por ele, que era uma figura “gente boa”, e morava na “Passagem da Vila”.

Como era de costume, Bitonha tinha concluído a construção de sua casa e ia fazer a “inauguração”, nesse sábado, e nos parou, para convidar para a festa.

Pela estima que nos tinha, foi logo adiantando que éramos convidados dele e não pagaríamos nada. Nem a bebida e nem a “cota” do forró.

Aceitamos o convite, porém, sabedores de que sua situação financeira, não era das melhores, após as despesas com a construção, condicionamos a nossa presença ao pagamento das cervejas. Apenas, concordamos em não pagar a “cota”.

De noite, com a festa em andamento, quando estou dançando pela segunda vez, o “cobrador”, no intervalo, diz: tem uma pessoa que ainda não pagou a cota, e o “baile”, só continua, quando ele pagar.

Eu Ví que o negócio era comigo, e me dirigi ao “cobrador” para justificar o porquê do não pagamento.

Ao tentar, “dar a satisfação”, ele, se assustou, e fez “menção” de pegar na peixeira. Então, foi o jeito puxar o revolver, para me antecipar.

Aí, foi gente “arribando”, pra todo lado, inclusive o cobrador, com faca e tudo.

Bitonha, chega, na carreira, me pedindo desculpas, e, garantindo que o cobrador, que era um parente distante que não morava no município, e, portanto, não nos conhecia, não mais voltaria para as funções “arrecadadoras”.

O forró continuou, e brincamos até de madrugada.

A MULHER DE SEBASTIÃO

Sebastião era um empregado da Fazenda Barra do Rio. Homem de uma estrutura física descomunal, era grande, e possuidor de muita força. Era um “bicho”.

Porém, o que tanto tinha de grande, tinha de corno.

Como não gostava de festas, ele permitia que a sua mulher fosse para os forrós, que ocorriam nas proximidades, “apenas para passear e desanuviar a cabeça”.

Como ela não tinha permissão de dançar, quando chegava em casa, Sebastião não deixava de tomar algumas providências, para se cientificar de que não tinha ocorrido desobediências ou traições.

Ele ia verificar o solado das sandálias, para ver se existia algum desgaste, o que demonstraria que ela tinha dançado.

Veja bem, Ana, que não era tola, guardava um “par de calçados”, em baixo de uma das moitas de camboim, próximas a cancela da fazenda.

Os fatos são reais. Os nomes dos personagens são fictícios.

PEDRO SALDANHA – O CAPATAZ DA FAZENDA BARRA DO RIO

Durante um tempo, o “capataz´ da fazenda, era Pedro Saldanha, um homem, que, na verdade, se chamava Josafá Saldanha e que, segundo diziam, ele se escondia com o nome do irmão, por conta de umas mortes que teria praticado lá pela Zona Oeste do Estado.

Foi na Barra do Rio que “Seu Pedro” encontrou a morte.

Depois de ter deixado de trabalhar na propriedade, foi morar na Barra do Rio e, por conta de uma discussão sobre a propriedade de uns coqueiros, terminou atirando e matando dois moradores.

Como acontece quando se mexe numa caixa de marimbondo, e sendo, os moradores, tudo irmão, filho, primo, sobrinho, alguns deles foram acudir seus parentes, se juntaram e mataram “Seu Pedro”, com foiçadas, facadas e cacetadas, ao ponto de, segundo foi comentado, o corpo ter sido transportado num saco.

Esse crime, levou para a prisão, acho que quatorze homens, o que causou grandes problemas, para a manutenção da população do lugar, uma vez que, sendo eles, pescadores, as famílias ficaram sem ter quem lhes garantisse o sustento.

Durante algum tempo, eu ia até a cadeia de Ceará Mirim, levar alguma coisa para os prisioneiros, que foram todos libertados, por terem participado de um “crime de rixa”, quando não é possível identificar o criminoso.

Ainda hoje tenho amigos por lá.

Nos bons tempos dos meus passeios em carros 4X4, parei muitas vezes na Barra do Rio, para conversar e relembrar coisas de antigamente, para comer peixe frito e beber cerveja gelada, prática hoje não mais possível, por conta da “Lei Seca”.

Mas, qualquer dia desses, vou lá de novo.

A BARRA DO RIO

Fiz muitas amizades com o povo da Barra do Rio, que ficava dentro dos limites da propriedade, embora se constituísse num povoado, que seus habitantes tinham a posse das terras, há muitos anos.

Tempos depois, veraneando em Muriú, vinha com Roberto Furtado, Jair Macaxeira, Marcílio Azevedo, Marquinhos e junto com alguns dos moradores da Barra do Rio, como Pedro Branco e Pedro Preto, íamos, nas noites de escuro, “faxear” nos parrachos, para pegar lagostim.

Também pescávamos siri no Rio Ceará Mirim, durante o dia, quando, nessas oportunidades, levávamos as crianças.

Essas são coisas que eu VI, OUVI OU VIVI na FAZENDA BARRA DO RIO.

 

 

Antonio José Ferreira de Melo – Economista -antoniojfm@gmail.com

As opiniões emitidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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