COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DA LAGOA DO BOMFIM –

 

O INÍCIO DE TUDO

Desde a minha infância VI e VIVI coisas da Lagoa do Bomfim, e até OUVI estórias falando de coisas, tipo grandes jiboias que apareciam na lagoa em noites de lua, em especial na Ponta das Negas, onde fazíamos piqueniqueis.

Anos mais tarde, meu pai comprou uma área próxima, que virou a nossa granja e foi palco de muitas alegrias da família e dos amigos.

Já adulto e após a morte do meu pai, assumi a sua manutenção e lá organizei muitas brincadeiras.

 

SAUDADE

SAUDADE é uma palavra que não tem no meu dicionário.

Toda vez que escuto alguém falando em saudosismo, me dá a impressão de que a pessoa está querendo trazer o passado para o presente, coisa que não é possível.

Tenho sim, o sentimento de boas e más lembranças.

Da Lagoa do Bomfim, só guardo boas lembranças.

LEMBRANÇAS

Lembranças são como fotos, que ficam pregadas nas páginas do álbum da vida, no momento em que ocorreram os eventos.

AS FEIJOADAS DA LAGOA

Hoje, contamos os “tostões”, que sempre faltam no final do mês.

Diz-se: “está sobrando mês no meu salário”.

Mas, nos bons tempos do Bomfim, solteiro e com bom salário, eu me dava o luxo de reunir os amigos para uma feijoada, nos sábados e domingos e quando eles perguntavam o que levar eu dizia: a boca.

Tinha sempre bebida e comida à disposição, além de uma lancha para passear e esquiar.

Porém, a maioria dos frequentadores não exploravam o amigo. Eles, sempre levavam as suas bebidas.

Certa vez o arroz ficou muito cozido, como se diz: “unidos venceremos”. Ficava pregado no prato e um dos frequentadores, acho eu foi Eduardo Kaliniewicz, como gozação, ficou andando com o prato na vertical, sem que o arroz caísse.

Rimos “à beça”. Valia de tudo para que nos divertíssemos.

Há tempos não usava essa expressão: “à beça”.

“À beça”, sinônimo de “em grande quantidade”, surgiu em função dos muitos argumentos que o jurista Gumercindo Bessa usou, para enfrentar Rui Barbosa, na famosa disputa pela independência do Território do Acre.

Portanto, “argumentos à Bessa”.

Como tudo nesse pais se simplifica, inicialmente “Bessa”, terminou virando “beça”.

Sim. E o Bomfim?

O CIGARRO DE MACONHA

Nos anos 70, fizemos muitas brincadeiras na nossa granja da Lagoa do Bomfim.

Apesar de gostarmos muito de beber, não tínhamos o vício dos tóxicos, e, uma vez, resolvi que queria experimentar um cigarro de maconha.

Como tinha medo de reações, que poderiam ser indesejáveis, combinei com Cláudio Burrão para fazer a experiência na presença dele.

Caso me desse uma reação de loucura, ele me segurava.

Uma providência fácil, uma vez que Burrão com os seus quase 1,90m e suas quase 10 arrobas, não teria dificuldade de dominar os meus 50 kg.

Comprei o cigarro, mas não tive coragem de acender.

Até hoje, não sei qual é o gosto que a maconha tem, e nem pretendo mais saber.

E a Lagoa do Bomfim?

Fazia parte dessas lembranças todas

OS SÃO PEDROS

Na véspera do dia de São Pedro eu fazia a festa junina da granja.

Comparecia uma turma de Natal e também se faziam presentes os vizinhos, moradores da lagoa.

Montávamos uma barraca com as tradicionais “comidas de milho”: pamonha, canjica, milho cozido e também assado na fogueira, além de carne assada na brasa e cachaça.

A festa começava no final da tarde e só acabava na noite do dia seguinte. O salão de dança era a garagem da casa e tudo funcionava sem problemas.

Nunca ocorreu qualquer desentendimento.

O sanfoneiro era Zé Moré, que conheci nos domínios de Gilberto Lira, lá em São José de Mipibu.

Zé Moré, que ainda está vivo, praticamente, tocava sem parar, e, salvo engano, não bebia.

A última vez que encontrei com Moré, foi no sepultamento de Zoró Lamartine, a quem ele dedicava grande amizade, e foi lá tocar a sua sanfona, como despedida.

Aproveito a oportunidade, para contar uma passagem engraçada que OUVI de Zoró Lamartine, que era uma grande figura. Dizia ele que suas veias estavam iguais a câmara de ar de carroça de fazenda. Não cabia mais remendo.

O POINT

Nossa granja era um “point”.

Quem passava pela frente, parava para saber ou transmitir novidades.

Esse fato, que vou relatar, foi Claudio Burrão, que me relembrou.

Estávamos na beira da lagoa, quando se aproxima uma lancha, trazendo na sua proa, o Dr. Domingos Gomes de Lima, que, nessa semana, tinha sido escolhido Reitor da nossa UFRN.

Dóris Dantas, esposa de José Dantas, o nosso amigo Dequinha, querendo parabenizar a nova autoridade do ensino norte-rio-grandense, diz: parabéns Domingos, soube que você PASSOU no IAGN!!!!!.

Caímos todas na rizada, menos Domingos.

Para os mais novos que não conheceram e para os mais antigos, que não se lembram, o IAGN era o INSTITUTO DE ADMINISTRAÇÃO E GERENCIA DO NORDESTE.

Pensa que eu sabia de tudo isso?

Me lembrei do fato, mas não me lembrava da sigla. Me lembrava até da placa, mas não me lembrava o que significava IAGN.

Passei vários dias tentando me lembrar o que danado era IAGN.

Perguntei ao “Seu Guga”, que é o Google, e ele não sabia. Fiz consulta aos meus irmãos e velhos amigos e eles não sabiam.

Estive num aniversário de gente jovem, na faixa dos setenta/oitenta anos, e eles não sabiam.

Loilde que já não aguentava mais essa história de minha procura para saber o que danado era IAGN, depois que eu perguntei a Rui Cruz e a Luiz Felipe, lá no Iate Clube, ela disse: Tota, pergunte ali a Cleto Barreto, que ele deve saber.

Boa a ideia, melhor o resultado. OUVI de Cleto Barreto que o IAGN foi uma invenção de José Maria Figueiredo, que teve o apoio do Senador Jessé Freire e contou, como professores, de grandes profissionais da área da economia, administração e contabilidade como o meu amigo Giovani Rodrigues.

O IAGN foi o embrião da atual FACEX, universidade potiguar, vitoriosa no ensino superior do país, muitas vezes, classificada até de forma superior à própria UFRN.

Porém, como poder institucional, o IAGN não era, à época, em nada, parecido com a UFRN, para a qual, Domingos foi escolhido reitor.

Daí, sua insatisfação.

OS ESQUIADORES

Esquiar era um grande divertimento na Lagoa do Bomfim, envolvendo grande quantidade de lanchas.

Na brincadeira, dizíamos que deviam sinalizar a lagoa para evitar acidentes.

Arlindo da NATALUX, que tinha umas manias e era um cara excêntrico, colocou uma buzina na lancha, para chamar a atenção.

O Engenheiro Zé Nilson de Sá comprou uma granja e levou uma possante lancha que chegava a “puxar” mais de seis esquiadores.

Era bonito de se ver e mais ainda de fazer parte da equipe.

Com alegria, me lembro que estava eu, lá no meio dessa brincadeira.

Outro dia João Dantas, o meu amigo Joãozinho Gago, me lembrou que esquiou com Cassiano Bezerra no ombro e também, relembrou que eu, ele e Sergio Sapo fazíamos rodízio de posições, simultaneamente, com Mucio Sá nos “puxando”.

Nos domingos, após as 3 horas da tarde a movimentação se reduzia e podíamos desfrutar a lagoa com mais tranquilidade.

No entanto, se acontecesse alguma necessidade de socorro, ficava mais difícil.

Foi exatamente o que aconteceu comigo e João Dantas.

Ele, me puxando, pisou na mangueira de combustível, desconectando a dita cuja, do motor de popa. Quando a gasolina do carburador acabou, o motor deixou de funcionar.

No meio da lagoa, larguei o cabo e fiquei vendo a lancha se distanciar levada pela corrente formada pelo vento.

A coisa ficou preta.

Às vezes, ser pequeno tem suas vantagens. Usei os dois esquis como boia e consegui nadar até a beira da lagoa.

Joãozinho, depois de muita tentativa para ligar o motor, resolveu olhar a alimentação do combustível e descobriu a falha na conexão.

Eu já estava à salvo.

O BOMFIM COMO ESCONDERIJO NA REVOLUÇÃO

Quando da revolução de 1960 éramos universitários, e, como tal, metidos a “cavalo do cão” e contestadores.

Lembro do pessoal do CCC – COMANDO DE CAÇA AOS COMUNISTAS, estando, entre eles, o nosso amigo, Júlio Farias, cujo “codinome” era Júlio Fantasma, que hoje, uma, vez por outra, me encontro com ele e relembro, pra mim mesmo, os velhos tempos da contestação.

Me vem à lembrança, certa noite, que, passando pela Boate Meia Noite, vimos a camionete de Júlio Fantasma, estacionada fora dos muros do cabaré.

Colocamos algumas taboas com pregos embaixo dos pneus, e, tranquilos por nos sentirmos livres da fiscalização de Júlio, fomos “pixar” muros. Nos divertimos, ao encontrar a camionete, na manhã seguinte, parada próximo ao mercado da curva da pista, com os quatro pneus secos.

Depois de todo esse tempo, caso Júlio leia esse artigo, vai saber o que nunca soube.

As coisas dessa historiazinha, em nada se relacionam com a Lagoa do Bomfim.

Mas essa tem relação: a caça aos comunistas foi aumentando e todo dia saía uma “lista de procurados”, de forma que os líderes não tinham mais onde se esconder em Natal.

Como sabiam que eu possuía a granja no Bomfim, me procuraram para “guardar” uns quatro ou cinco “companheiros”.

Levei o pessoal pela manhã e fiquei de voltar à noite com alguns mantimentos.

Depois do expediente, por volta das sete da noite juntamente com Carlos Limarujo, fui levar a comida para o pessoal.

Grande foi a nossa surpresa, quando entramos na curva próxima a granja e nos deparamos com uma tropa do exército.

Não tinha nada o que fazer, a não ser prosseguir o caminho até a cancela da granja, quando os soldados abriram espaço para que manobrássemos para entrar.

Chegando na casa dissemos: podem dormir tranquilos pois vocês estão protegidos pelas tropas do exército, mandadas com a finalidade de garantir a segurança de vocês.

Quase apanhamos.

O fato é que o pessoal subversivo passou dois dias com medo de colocar o nariz de fora e o pessoal do exército, acampado na Ponta das Negas, sem saber de coisa nenhuma, procedia suas manobras de treinamento.

 

 

 

Antônio José Ferreira de MeloEconomista – [email protected]

 

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores

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