COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DA PRAIA DO RIO DO FOGO –

 

IMAGEM DA COMUNIDADE

Comparo Rio do Fogo com uma caixa de maribondo. Todo mundo que vive lá se agrupa e vive bem, resolvendo, eles mesmos, as suas diferenças.

Quem chega de fora, ou se comporta como eles gostam, ou é melhor desistir de se fixar na comunidade.

Tive a felicidade de ser bem aceito.

Lá, fiz muitas amizades, brinquei e me diverti muito, sendo respeitado por todos.

Essa foi a introdução para muitas das coisas que VI, OUVI OU VIVI em Rio do Fogo.

COISAS DO COMPORTAMENTO DA COMUNIDADE

Muito tempo se passou e hoje não frequento mais a Praia do Rio do Fogo. Portanto, não sei das transformações que possam ter ocorrido no comportamento dos seus habitantes.

Porém, na época em que estive por lá, mesmo sem entender de sociologia, eu comparava o comportamento da população – que fazia parte da camada mais baixa da sociedade – com aquele das altas rodas sociais.

Nesse aspecto, seriam os extremos se igualando.

Ao chegar, na comunidade, as vezes, eu dizia: Raminho vamos passar ali na casa de “fulano”. E ele falava: “fulano” não está morando mais lá. A mulher deixou ele e está morando com “cicrano”. Eu perguntava: e “fulano” está morando aonde? Está morando com a ex-mulher de “cicrano”.

Era assim que eles resolviam esses casos conjugais.

Não parece com as coisas da alta roda da sociedade?

COINCIDÊNCIAS DA VIDA

Na época que comecei a frequentar a Praia do Rio do Fogo, o Governador era Lavoisier Maia.

Eu, trabalhando na Assessoria de Planejamento do Governo do Estado, gerenciava um programa de investimentos do Governo, destinado a aplicar recursos nas comunidades rurais, criando ou complementando suas infraestruturas.

Rio do Fogo, embora fosse um polo pesqueiro, não tinha energia que possibilitasse a existência de frigoríficos, obrigando que os pescadores e donos de barcos levassem o gelo de Natal.

Existia implantado na comunidade, todo um sistema de abastecimento de agua, com poço, caixa d’agua e ramais de distribuição, mas não funcionava por falta de um motor para bombeamento.

A comunicação telefônica, embora contando com a estrutura do posto de serviço, não se efetivava, porque não tinha a alimentação de energia elétrica.

Fazia pena ver tudo aquilo sem funcionar, correndo o risco de se depreciar, por conta da irresponsabilidade do setor público, nas suas várias instâncias.

Pude, pessoalmente, tomar conhecimento da realidade e das necessidades daquele ajuntamento populacional, que, posteriormente, se transformou em sede do Município de Rio do Fogo.

O apadrinhamento da comunidade

Em conversa administrativa com o Governador expus a situação da comunidade, tentando advogar em favor da minha nova adoção.

Lavô falou: como você sabe melhor do que ninguém, não tenho como ajudar pelo programa, pois o dinheiro já está distribuído e o plano de aplicação já está feito.

Eu falei que tinha como dar um jeito.

Então ele disse: é muito engraçado. Eu sou o Governador e sei que não tem dinheiro e você vem me dizer que tem.

Perguntei: se eu lhe trouxer uma solução o Senhor examina a possibilidade? Ele concordou.

Peguei o tal plano de aplicação do programa, retirei pequenos valores dos muitos projetos e inclui as obras de Rio do Fogo.

Foi assim que a comunidade, à época pertencente ao Município de Maxaranguape, passou a contar com energia elétrica, agua encanada, posto telefônico, posto de saúde, abatedouro e mercado, além de melhoria no seu colégio, que estava em frangalhos.

RAMINHO

Fiz muitas amizades na comunidade, mas escolhi Raminho para tomar conta dos meus interesses, uma vez que comprei uma propriedade na localidade do Saco de Santa Luzia. Era o meu “faz tudo”. Honesto, trabalhador, autentico e brabo, tinha um comportamento irredutível. Simplesmente, não recuava depois de tomar uma decisão.

Certa vez, ele armado de uma faca decidiu que ia revidar o que achou ser uma agressão verbal, de uma figura de fora da cidade. Eu falei: Raminho não faça isso. Ele falou: esse FDP vai reclamar lá no inferno.

Acreditando que a amizade me permitia, me meti no meio e ele deixou o assunto para depois.

Aprendi que a minha amizade com ele era maior que a sua determinação, mas não arrisquei outra vez, talvez, porque não precisou.

 

CONVIVÊNCIA COM A POPULAÇÃO

Ir para Rio do Fogo, era uma viagem. Não sei quantos quilômetros, mas era, simplesmente, mais de duas horas para chegar lá, numa esburacada estrada de barro.

Como acontece com um novo amor, me apaixonei. Comprei uma casa e me esforcei para concluir a reforma antes da semana santa, para passar o feriado com a família.

Consegui.

Chegando lá com a mulher e os meninos, já no final da tarde da quinta feira e estando a organizar as tralhas, vem uma mulher e diz: Dr. Antonio, meu filho está morrendo e só o senhor pode me acudir, pois se não resolver aqui, tenho que levá-lo para natal.

Imagine!!!!!!

Eu que estava pensando em “tomar uma” logo que concluísse o descarregamento da bagagem, passei a imaginar a dificuldade de voltar para Natal.

Então falei: aguente a mão que eu já vou resolver o seu problema. Na verdade, queria ganhar tempo para arranjar uma solução, tipo contratar alguém que transportasse o menino até Natal.

Não consegui. Não havia motorista que se dispusesse a sair na noite da quinta-feira santa, sem saber a hora de voltar.

Como naquela época, no interior, uma pessoa que tivesse curso superior, seja lá do que danado fosse, era doutor, a mulher acreditava que eu seria capaz de “salvar” o filho dela e eu não podia decepciona-la.

Resolvi ir na casa dela.

Chegando lá, encontrei o menino deitado numa rede. Ele estava quase verde. Não tinha outra cor.

Perguntei: o que você está sentindo? Ele nem falou.

A mãe disse: depois dessa bolada que ele levou no “estombo”, nem come mais e nem faz nada.

Estudo de caso e providências

Sem alimentação, concluí que ele estava desnutrido e então imaginei: tenho que arranjar um jeito dele se alimentar.

Como devia estar desidratado e ter algum problema de inflamação interna também tinha que arranjar um jeito de lhe hidratar e lhe proteger o fígado.

Essa foi a minha dedução sobre o “quadro clínico”.

Fui na mercearia e comprei arroz e um pedaço de carne. Na farmácia comprei metiocolin B12 e Pedialyte, que eu conheci quando de uma das doenças de Flavio Henrique, meu filho.

Mandei fazer um caldo com o arroz e a carne e fornecer aos poucos, que serviria para o organismo debilitado.

O metiocolin B12, na minha imaginação, deveria consertar o problema da infecção interna. Enfim, se não consertasse, também não piorava.

Se mandasse dar agua de coco que é abundante na comunidade, a mãe dele não ia dar valor. Daí, a importância do pedialyte, para hidratar.

No mais, era rezar para dar certo.

Atendido o paciente, fui terminar a arrumação da minha mudança e depois comemorar a chegada.

Só alegria. Era o Rio do Fogo que eu gostava.

Dona Alzira, mulher de Raminho, providenciou um grande jantar.

Taí, uma mulher para preparar uma lagosta inimaginável e um peixe, feito de maneira simples, mas com um gosto difícil de se conseguir fazer igual.

 

The day after

O dia seguinte da nossa chegada, uma sexta-feira santa, amanheceu sob muita chuva, o que se constituía como uma grande oportunidade para tomar banho nos riachos e lagoas.

O nome Rio do Fogo, vem do sangradouro da Lagoa do Fogo, que desagua na praia.

Raminho chegou para sairmos na fuzarca e já estávamos no caminho quando me lembrei do menino.

Falei: Raminho, “por amor de Deus”, vamos ver como está o menino.

Ele, com a sua verdade, disse: “Homi”, deixe isso pra lá. Ele já deve estar bom, “sinão” a mulher já tinha vindo lhe “aperriar”.

Falei. Não. Vamos lá.

E voltamos para a visita médica.

Quando chegamos na casa da mulher e perguntamos pelo menino, ela falou: aquele “fela da puta” já está correndo pela beira da praia, jogando bola outra vez.

NADA COMO A EXPERIÊNCIA MÉDICA, QUE, GRAÇAS A DEUS, DEU CERTO.

 

 

Antônio José Ferreira de MeloEconomista – [email protected]

 

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