COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DE FIGURAS DE NATAL – 

PAULO LYRA – O PIANISTA

Paulo Lyra, era o pai de D. Marina, minha sogra, e, assim sendo, avô da minha mulher, Sassá.

Foi pai de cinco filhos, com a sua primeira mulher, Guiomar, que faleceu muito jovem, com 40 anos.

Um detalhe. Marina, sua filha mais velha, tinha apenas 7 anos, quando a mãe faleceu.

Até os seus últimos dias, entre nós, ele era lúcido, contando, com detalhes, suas aventuras, recheadas de humor, quando tratava a vida na brincadeira, com o seu espírito gozador.

Ao lembrar a imagem de Paulo, vem à visão, um homem muito velho, andando com passos curtos e rápidos. Porém, Paulo morreu com apenas 76 anos.

Quando nos encontrávamos nas reuniões de família, eu já tinha um lugar para me sentar: junto de Paulo Lyra, para escutar suas estórias.

Embora tenha, muitas vezes, me programado para anotá-las, nunca o fiz, e então, de poucas, eu me lembro, para registrar suas irreverências e ironias.

Eu, passava mais tempo, rindo.

O PIANISTA BOÊMIO

Paulo Lyra, tinha, como profissão, ser servidor dos Correios – não se sabe se um funcionário exemplar – vindo a se aposentar e ficando com o “melé solto”, para a sua vida boêmia.

Como pianista, viajou esse Brasil afora, e, em Natal não escolhia ambientes para demonstrar a sua arte.

Lembro dele, tocando no Hotel dos Reis Magos, antes mesmo de conhecer sua neta.

Nos tempos do cinema mudo, tocou no Polytheama e no Royal Cinema, cinemas famosos de Natal.

Sem esquecer sua atuação como pianista de bordo, consta da sua trajetória, a apresentação, não somente nos clubes sociais, cinemas e restaurantes, como também, nos cabarés.

Nesses últimos “ambientes”, deve-se destacar, a famosa pensão de Maria Boa, que ganhou notoriedade desde a época da segunda guerra mundial.

Nessa época, em que em Natal, estava na “crista da onda”, por conta de ser o “Trampolim da Vitória”, e receber muitos estrangeiros, “Maria Boa”, foi o ponto de encontro dos turistas, homens da sociedade Natalense, políticos, empresários e fazendeiros, além dos oficiais americanos, alojados na Base Aérea de Parnamirim, a “Parnamirim field” ou, o “campo de Parnamirim”.

Porém, outras pensões de menor categoria não estavam fora de sua área de atuação, em especial se estivesse “ruim de bolso”.

Neste caso, os cabarés da Ribeira não escapavam.

Dizia ele, que nos carnavais “fazia” muito dinheiro, mas, reza a lenda, que só voltava pra casa, quando o dinheiro acabava.

Era o Paulo Lyra boêmio, com as suas naturais irresponsabilidades.

O GRANDE HOTEL

O Grande Hotel, que teve seus momentos de glória, foi a casa de Paulo Lyra no final de sua vida, devido sua amizade com o “Majó Teodorico Bezerra”.

Essa amizade, começou, quando Paulo era o pianista do “Bar do Grande Hotel”, que tinha Teodorico, como arrendatário.

Nesse tempo, visitantes “caixa alta”, políticos, altos comerciantes e “pessoas de posse”, de Natal, como ele dizia, eram os maiores frequentadores.

O Grande Hotel, também faz parte da história política do Estado, e Paulo Lyra, dela também é personagem, embora coadjuvante.

No tempo das disputas políticas do PSD com a UDN, Teodorico era o Presidente do PSD, porem, Dinarte Mariz, um dos líderes da UDN, era seu hospede costumeiro, e para lá, eram remetidas as suas correspondências, que ficavam sob a guarda da gerência.

Certa vez, Ticiano Duarte revelou, que Paulo Lyra, sendo pessoa de confiança do “Majó”, com a sua habilidade, “ajudava” a conhecer o conteúdo das correspondências dos políticos adversários, inclusive Dinarte, abrindo as cartas e telegramas, no “bafo” da chaleira.

Era o seu lado astucioso.

A HOMENAGEM AO EMBAIXADOR DO JAPÃO

Paulo me contou, que, quando estava como pianista do Hotel dos Reis Magos, certa noite, houve um jantar formal, em homenagem ao Embaixador Japonês.

Em determinado momento, alguém, da recepção, se dirige a ele, e pede que toque uma música tradicional japonesa.

Paulo, nem questionou a solicitação, apesar do seu total desconhecimento da música japonesa.

“Não se fazendo de rogado”, de imediato, se colocou a dedilhar, ou mesmo, bater no teclado, de uma forma, que lhe parecia ser, o ritmo do milenar país oriental.

A comitiva se mostrava atenta, e ouvia, em silêncio, a execução da música.

Concluído o “concerto”, o embaixador se levanta, dirige-se até o pianista e começa a fazer reverências, quase que encostando a cabeça no chão, em agradecimento à homenagem musical.

Segundo Paulo, não conseguiria repetir a proeza da “excepcional” interpretação.

O PIANISTA DE BORDO

Duas passagens eu me lembro, uma delas, com a ajuda da sua neta e minha cunhada Guiomar.

Certa vez, sem comunicar à ninguém, Paulo embarca num navio, como pianista, atendendo a um convite, para substituir o titular que adoeceu, repentinamente.

Depois de vários dias “desaparecido”, deu notícias, justificando, que não teve tempo de avisar, porque foi chamado “em cima da hora”, e como o navio já estava “saindo”, viajou com “a roupa do corpo”.

A outra, foi uma que ele me contou, e que poderia ter tido um final, nada interessante.

Contratado como pianista, de um navio de passageiros, que fazia a rota para o norte do Brasil, foi “bater” em Belém do Pará.

Como qualquer marinheiro, nesse “porto”, arranjou uma namorada, e quando da despedida, achando que estava bem escondido, praticava o “namoro” numa parte afastada do cais.

Já próximo à hora da partida, foi flagrado em atitude obscena, com a sua fã local, e, detido pelo polícia.

Não tendo grandes argumentos, ele fala: policial o senhor não está tratando com qualquer pessoa. Eu sou o “condutor de som do navio”.

O policial pergunta. E o que danado é isso? E ele diz: meu amigo sem a minha presença, o navio nem liga as máquinas. Me deixe passar, que o navio precisa partir.

O policial fica sem saber o que dizer, e, enquanto não se refaz da surpresa, Paulo se desvencilha, e, quase que na carreira, “escapa” para o navio.

Segundo ele, “escapou fedendo”.

Disse que não fedeu “de mesmo”, porque não tinha merda pronta.

O CASAMENTO DESFEITO, O PEIXE E O VINHO

Casando com Maria, sua segunda mulher, foi morar no Rio de Janeiro, mas, depois de um tempo, por frequentes desentendimentos, resolveram se separar.

Naturalmente, grande parte dos “arrufos” era, decorrente de sua vida boêmia, mas também, muitos deles, se deviam às exigências de Maria e seu excesso de organização, que não “batiam” com o comportamento de Paulo.

Dizia ele: imagine, nem poder entrar em casa de sapatos! Quem já viu?

Mesmo separados, para uma melhor acomodação financeira, continuaram a morar sob o mesmo teto – embora sem se falar – mantendo, inclusive, os serviços de uma antiga funcionária.

Numa determinada tarde, ao se dirigir para casa, Paulo compra um peixe de sua preferência, passa numa loja, e adquire uma garrafa de vinho, para ser degustado, com o excelente pescado.

Chegando em casa, chama a empregada, que não me lembro o nome, e fala: “fulana”, me prepare esse peixe, da forma que só você sabe preparar, e coloque esse vinho, na geladeira, para esfriar.

Após tomar banho e trocar de roupa, senta-se à mesa, e saboreia o peixe, acompanhado do vinho.

Terminando o supimpa jantar, chama a funcionária, e, lhe oferecendo uma gratificação, diz: só você poderia me proporcionar tamanho prazer. O peixe estava excepcional e o vinho, na temperatura certa.

A funcionária, com a sua honestidade habitual, revela: Seu Paulo, eu não mereço essa gratificação. Como eu precisei ir apanhar uma roupa na lavanderia, quem preparou o peixe foi D. Maria.

É quando Paulo diz: o que? Não me fale isso!

No momento seguinte, vai até a janela que “dava” para o quintal, e, colocando o dedo na goela, vomita todo o jantar.

Dirigindo-se à funcionária, diz: só tenho pena do vinho, que não tinha nada a ver com esse preparo infeliz.

POR CONTA DAS SAFRAS

Mesmo vivendo sob o mesmo teto, mas, sem preocupações, com satisfações à dar, num final de ano, para “aproveitar” a safra de caju, resolve ir para Natal, e deixa no Rio de Janeiro, Maria e os dois filhos que teve com ela.

Um detalhe: veio para a “Festa do Caju”, que acontecia na Redinha, de carona, com Mario Andreazza, que era

Ministro dos Transportes, e se tornou seu amigo.

Um ano e pouco depois, um seu amigo, constatando que ele não voltou mais para o Rio de Janeiro, lhe pergunta o que foi que motivou essa decisão.

E ele responde: as safras.

E explica: depois do caju, vieram os umbus, as seriguelas, os cajás e outros menos votados, e, quando eu me dei conta, já estava na safra do caju, outra vez.

O fato, é que não voltou mais para o Rio de Janeiro, e morreu em Natal.

 

O ASSALTO E A FEIJOADA DO DIA SEGUINTE

Já com a idade avançada, passando pela praça Augusto Severo, em direção ao Grande Hotel, onde morava, é interceptado por um “pivete”, que coloca um canivete em seu pescoço, num procedimento de assalto.

O assaltante manda que ele tire os sapatos e a roupa, e, depois de deixa-lo somente de cuecas, conclui que ele não carregava dinheiro.

Então, decreta que ele vai morrer, “para aprender a não andar liso”.

É quando ele fala: meu filho, não faça isso.

Amanhã, eu tenho um convite para uma feijoada, e não posso faltar, de forma nenhuma.

Por favor, adie essa morte, para outro dia.

O assaltante, lhe dirigindo uma pornografia, dá-lhe um empurrão, e lhe manda embora.

A VALSA DE PAULO LIRA

Tenho, como uma vontade não satisfeita, o fato de não ter ouvido a interpretação de sua criação musical.
O nome era, “valsa rubra”. Lembro que D. Marina tinha as partituras, porém, não, a gravação.
Paulo Lyra, o pianista boêmio e gozador, viveu como quis.
Às vezes, o seu indecifrável riso, parecia esconder, alguma faceta, das suas muitas estórias.

 

 

 

 

 

 

Antonio José Ferreira de Melo – Economista, [email protected]

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *