COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DO INTERIOR, JANDAIRA, FAZENDA FURNA DA ONÇA –

A FAZENDA FURNA DA ONÇA

No início da década de 90, que foi caracterizada por anos de poucas chuvas, embora proprietário no Vale do Ceará Mirim, me faltavam pastagens para o gado que adquiri, pela oferta abundante.

Me informaram que a Fazenda Furna da Onça, no Município de Jandaíra, no RN, com muito pasto, estava à venda.

Acertei o contato com o proprietário, e fui pra lá. Jaime Onça, era o nome dele, que, ao notar o meu interesse, quis demonstrar o seu desinteresse, e, com uma conversa comprida, procurava valorizar sua propriedade, diante da minha necessidade.

Eu, já me irritando, falei: como é, VOCÊ VENDE OU NÃO VENDE?

Mesmo sem me dar resposta, ele me chamou para conhecer as terras.

Saímos por dentro do que seria uma plantação de algodão mocó e ainda hoje tenho na lembrança a imagem da ramagem da “gitirana de leite” que cobria toda a plantação, formando uma grande e contínua cortina, e somente Jaime Onça sabia por onde estávamos indo.

Passando o Estado por uma seca braba, aquela imagem era uma verdadeira miragem ou sonho.

Nunca me esqueço de ter trocado a preocupação do zelo do carro, pela alegria de sentir roçar em sua lataria, o verde alegre do mato, que, no meu pensamento, se transformaria em pasto.

Depois de um bom tempo dentro desse mergulho verde, ao avistar a claridade, pergunto: e aí?

Diz Jaime: VENDO.

Negociamos o valor, e, sem dinheiro pra lá, e nem registro no cartório, pra cá, o negócio estava fechado, inclusive com a autorização de trazer o gado no dia seguinte.

Uma cachaça com tira gosto de peba, torrado junto com um galo velho, nos esperava para comemorar.

Jaime já sabia que venderia.

No dia seguinte levei os cavalos, conheci os quatro cantos e os detalhes da fazenda, e então procuramos o cartório, onde foi realizado o pagamento e assinados os documentos

VIVI bons momentos por lá.

AROEIRA E PEREIRO – AS HISTÓRIAS

Embora todos conhecessem a fazenda como “Furna da Onça”, pois falavam que em tempos passados era a morada dela, as escrituras identificavam duas áreas: AROEIRA E PEREIRO.

Aroeira dava nome à comunidade vizinha e, logo fiz amizade com o pessoal local.

Chegava normalmente nas sextas feiras e o meu serviço era “correger” os cercados e ver o gado.

O entardecer no “Mato Grande” foi o mais bonito que VI, nas fazendas que possui, e era “trepado” na porteira do curral que eu presenciava o pôr do sol.

Hoje diria: curtia o pôr do sol.

Ao anoitecer ia para a sede municipal, jantar, jogar conversa fora e beber umas cervejinhas, quando, jogando sinuca, tomava conhecimento das “acontecências”, antigas e atuais.

DAS ACONTECÊNCIAS ANTIGAS – SEU ZÉ

Seu Zé era o nome dele, o pai do meu empregado.

Foi ele que me contou e o povo da rua confirmou.

Dotô Antonio, não nasci pra ter sorte com mulher. Já vou na quarta, e é só chifre. Se virando para o pessoal que está no bar, diz: tá tudo aí como testemunha para lhe contar.

Aquela mulher que teve aqui há pouco tempo pedindo dinheiro pra comprar cigarro, foi a primeira. É a mãe do seu empregado.

Uma vez, ela disse que tinha que viajar para natal e como o transporte passava muito cedo, ia dormir na casa da irmã dela, que ficava do outro lado da estrada e perto do ponto do ônibus.

De madrugada, saí para caçar e quando fui passando na casa de “cumpadre” Alfredo os dois ainda “tavam” agarrados no terraço.

Quando me viu, ela ainda falou que tinha perdido o “transporte” e “tava só de conversa” com nosso compadre.

Mas foram os próprios vizinhos que me disseram: ela “tava” mesmo era botando “gaia” em mim.

Continuando a conversa ele disse: pra não ir muito longe vou só falar da última.

Zefa é o nome dela, que tem um defeito no quarto e, quando anda, a perna vai “troncha”. Ou seja, anda “capengando”.

Veja bem, diz ele. Diante das outras que não deram certo, eu imaginei. Essa aí ninguém vai querer. Pois foi só onde me enganei. “Num” deu seis meses e ela já “tava inrabixada” com um cara que chegou de Macau.

Depois dessa, desisti.

Quando tenho necessidade, vou lá nos cabarés de João Câmara.

As putas de lá são mais honestas.

DAS ACONTECÊNCIAS ATUAIS – IVAN, O FILHO DE SEU ZÉ

Meu empregado era um cara novo, mas uma pessoa trabalhadora e de muita responsabilidade.

Sua mulher, falavam, não tinha muito ou nenhum cuidado com a sua honorabilidade.

Quando eu ia jogar sinuca na sede do Município, tomava conhecimento de suas peripécias, e, obviamente, dizia não acreditar.

Só fazia rir.

Certa vez, ao sair da propriedade, vindo para Natal, Ivan me comunicou: quando o senhor chegar da próxima vez, não vai mais encontrar essa mulher aqui, pois ela está me “chifrando”.

Eu falei: tudo bem. Esse é um assunto seu.

Quando voltei na semana seguinte, estava “TUDO COMO DANTES NO QUARTEL DE ABRANTES”, e eu não disse nada.

Quando houve uma oportunidade, o corno, falou: olhe Doutor Antonio, eu estava enganado. A minha mulher é uma pessoa muito séria. Quem me convenceu da seriedade dela foi o próprio Delegado, homem de responsabilidade e que não é de mentiras.

De novo eu falei: tudo bem. Esse é um assunto seu.

Quando cheguei na cidade para jogar sinuca, o pessoal veio comentar comigo: o senhor soube que Delegado convenceu Ivan, seu empregado, que a mulher dele não bota chifre nele? E eu me fazendo de doido, perguntei: foi?

E o pessoal: tai, ele é quem mais “come”!!!

Parece que a coisa era hereditária.

 

COISAS DE AGRICULTOR…

Nos meus tempos de proprietário rural, tive como característica ser criador. Porém, num dos invernos que passei na Fazenda Furna da Onça, me entusiasmei e resolvi “dar uma de agricultor”.

Fiz um grande plantio de sorgo.

Era um ano de boas chuvas e as “aves de arribação” escolheram a região do Mato Grande para a sua postura.

Uma característica interessante, que eu VI. Elas não fazem ninho, os ovos são depositados em baixo das macambiras e são chocados pelo calor do local, que elas distribuem, movendo as asas durante a noite.

Quando nascem, os filhotes, a criação é socializada. São alimentados, indistintamente, por qualquer das aves que se façam presentes.

A avoante ou arribaçã, que o matuto chama de “avoete”, é uma pomba originaria das Antilhas que, originalmente, procurava a região nordeste do Brasil, para a reprodução e as que escapavam dos caçadores voltavam para a sua terra de origem, acompanhadas dos filhotes.

Hoje, devido a um movimento migratório dentro do território brasileiro, as aves, não necessariamente, retornam às Antilhas e podem ser encontradas em muitos pontos do Brasil.

Voltando à Fazenda Furna da Onça.

Logo nesse ano – que resolvi ser agricultor – se constatou na região uma quantidade nunca vista dessas aves e, com um pouco de exagero, diria que, quando olhávamos para o céu quase que não víamos o sol, tamanho eram os bandos.

O meu roçado de sorgo se tornou “um prato cheio”. Elas voavam em redor dos cachos de sementes, produzindo um cenário de dourado movimento, tendo como som, o rouco barulho das asas.

Com o sol a pino, olhando aquela imagem, apesar de antever o prejuízo, não tinha também como não achar bonito.

Eu olhava para aquela cena e ria.

O meu empregado, intrigado com a minha reação diante do grande prejuízo, disse: o doutor está rindo de que?

Me lembro da minha curta resposta: “de como é bonita a natureza”.

O Banco do Brasil não tinha essa mesma interpretação, pois para ele só vale o que está escrito no “manual”, e eu tive que me virar para pagar o empréstimo.

 

Antônio José Ferreira de MeloEconomista

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *