COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DO INTERIOR, OUTRAS COISAS DE PUREZA –

COISAS QUE ACONTECEM

No caminho para a Fazenda Umbuzeiro, eu passava pela cidade de Pureza.

Numa dessas travessias, ao chegar na cidade, tomei conhecimento de um fato ocorrido naquele dia.

Um político municipal, contratou um jovem da comunidade para que, dirigindo o seu carro, levasse sua esposa para visitar uns familiares que moravam no Seridó.

Ocorre que, na viagem, rolou um relacionamento sexual e o motorista, chegando de volta, “solta a língua” e conta o ocorrido.

Imagine. Uma notícia dessa, não passou dez minutos para percorrer os quatro cantos da cidade.

Ao tomar conhecimento, o marido traído procura saber da mulher os motivos que lhe levaram a cometer o adultério.

Ela então justifica, pedindo o seu perdão: “amor, me perdoe. É porque eu estava muito carente”.

Na tarde daquele dia, para demonstrar a compreensão e o perdão, os dois resolvem andar, de mãos dadas, pela cidade, e eu os VI, passeando na praça.

Depois, OUVI dizer, que o corno, para justificar a sua complacência, falava para o pessoal: “olha, isso são coisas que acontecem”.

Daí pra frente, quando se queria paquerar alguma figura na cidade, a pergunta era: “fulana, você está carente”?

O SOLUÇO

Certa vez, retornando para a fazenda, tarde da noite, na verdade, de madrugada, tive uma crise de soluço, e já estava me sentindo mal.

Tentava chegar em casa, mas como reconheci que não conseguiria, parei numa bodega onde costumava tomar uma cervejinha, e acordei o dono.

Queria agua gelada para tentar conter o soluço. Foi quando aprendi um exercício para interromper o ataque.

Tinha que prender a respiração e colocar um dedo, pressionando as “saboneteiras”, que são essas cavidades a cada lado do pescoço.

Com duas ou três vezes o soluço passou.

Como o soluço é um descompasso no movimento do diafragma, causado por contrações involuntárias, esse procedimento consegue interromper o processo.

É VIVENDO E APRENDENDO!!!

O CARRO DOS PNEUS FURADOS

Quando jovem, eu dizia, na brincadeira: amigo meu não tem defeito. Inimigo meu, se não tiver defeito, eu boto.

Obviamente, isso era coisa da mocidade, que vai mudando com o tempo.

Hoje, não boto mais defeito em ninguém. Na verdade, o problema dos outros não me interessa.

Embora “nem me bate a passarinha”, para enfrentar um problema, nunca fui de fazer confusão. Porém, detesto covardia e além de tudo, sou amigo dos meus amigos.

Portanto, as vezes sou obrigado a tomar atitudes como essa, que eu VIVI:

“Bate sola” é apelido que damos à pequenas vaquejadas, que ocorrem nos pátios das fazendas, nos dias de sábado ou domingo.

Pois bem. Estávamos num “bate sola” próximo à cidade de Pureza e o meu tratorista, que tinha vindo trazendo os cavalos na carroça puxada pelo trator, pede para ir até a cidade, comprar cigarros.

Passado muito tempo, sem ter retornado, já estávamos preocupados com a demora, quando chega a notícia que uns sujeitos, de “fora da cidade”, tinham atacado João Machado e quebrado a sua cabeça com uma garrafa.

Como João não é pessoa de fazer confusão, isso só poderia ser uma covardia.

Corremos até lá, comunicamos o caso ao Delegado e fui tratar de arranjar um jeito para que João fosse transportado para Natal, a fim de tratar o grande corte, de cuja abertura, não parava de sair sangue.

Resolvido o assunto, com a ambulância já a caminho, fui até a delegacia onde estavam presos os três arruaceiros.

O carro deles estava parado em frente à delegacia, em cima de um morro de areia, e eu pedi ao delegado que eles não fossem soltos, para evitar que os parentes de João, procurassem vingança.

Voltei para o “bate sola”, e daí a um tempo, fui informado que o delegado ia soltar os presos.

Voltamos à delegacia, ainda com tempo de evitar a libertação dos bandidos.

Pedi então ao Delegado que não fizesse isso, porem ele disse que um determinado político de João Câmara, tinha intercedido em Natal, e o comando estava mandando soltar os caras.

Sendo assim, peguei o revólver, furei os quatro pneus do carro e só não toquei fogo, porque atendi aos pedidos do Delegado, que prometeu voltar atrás da decisão.

Os arruaceiros somente foram soltos no outro dia.

Quem passasse por Pureza, nas duas semanas seguintes, ia ver um fusca em cima de um monte de barro, em frente da delegacia, com os quatro pneus furados.

COINCIDÊNCIAS DA VIDA

Tempos depois do ocorrido em Pureza, mandei Uoston, que trabalhava na fazenda, ir comprar algumas coisas na feira de João Câmara.

Ocorre que ele não tinha carteira de motorista e o novo Juiz da Comarca tinha resolvido “endurecer”, com relação aos motoristas não habilitados.

Então, nessa onda moralizadora, a minha camionete foi presa.

João Machado que se encontrava na feira, toma conhecimento do fato, vai na delegacia e pede ao Delegado, seu conhecido, para liberar o veículo.

O Delegado condiciona a liberação para uma pessoa habilitada e com a apresentação do documento, a nossa atual CNH.

João tinha deixado a própria, em casa.

O que faz. Aluga um motoqueiro, hoje moto-taxi, para lhe levar ao Umbuzeiro.

Chegando próximo da comunidade, o motoqueiro lhe pergunta: você conhece um tal de Antonio Ferreira, aqui do Umbuzeiro?

João Machado cai na realidade. Dar por si, e se lembra da figura da garrafada, o seu agressor de Pureza.

Pra se livrar do “imprensado”, vem na sua cabeça, dizer que Antonio Ferreira vendeu as terras.

Então, escuta do seu condutor: nunca mais quero ver a cara daquele “fela da puta”. Sem mais nem menos, ele furou os quatro pneus do meu fusca.

João não se melou, porque não tinha merda pronta.

Desceu em casa, apanhou a carteira de motorista, colocou uns óculos escuros e voltou para João Câmara, sem dar uma palavra.

CONSERTO DE PNEU, COM EQUIPAMENTO SEM USO DE ENERGIA ELÉTRICA

Por falar em pneu furado, me lembrei dessa.

Embora, de há muito, me considerasse bastante conhecedor das coisas do interior, essa me surpreendeu.

Tendo passando pela comunidade de Cana Brava, peguei um trecho de estrada “carrosal”, como diz o matuto, com poucas habitações, à época, e foi aí que um pneu furou.

Para meu desespero, ao pegar o suporte, ele estava seco.

Passa um cara num jumento, e ao me ver naquela situação, me oferece ajuda.

Então relatei que estava com dois pneus furados e ele disse: por sorte, o senhor está perto do homem que conserta.

Mesmo aperreado, tive vontade de rir.

Eu disse: como amigo? Só estou vendo aquela casa, que fica a uns 200 metros e nem energia tem.

Ele falou: “e apois”? Vamos que eu lhe ajudo a levar o pneu. Colocou o pneu na sela e seguimos a pé, eu doido para ver a mágica de remendar uma câmara de ar, sem contar com energia elétrica.

Chegando lá, VI a máquina vulcanizadora. Se constituía de um pistão de motor de caminhão, com uma bucha de pano dentro, preso num torno, que servia de prensa.

O “borracheiro” fez o processamento, como todas as borracharias, e depois que colocou o “remendo”, prensou a câmera no torno, colocou querosene na bucha que estava dentro do pistão, e tocou fogo.

Pronto. O calor do fogo vulcanizou a câmara de ar.

O homem do burro, que ria do meu espanto, me ajudou a levar o pneu até o carro e não quis receber qualquer gratificação.

Eram assim as coisas do interior de antigamente.

A MENINA E A CHUVA

Sempre fui muito querido pelo pessoal de Pureza, por qualquer canto por onde andasse.

Não sem motivo, fui muito assediado para ser candidato à Prefeito e eu dizia: “tô fora, não nasci para isso”.

Conhecido como homem brincalhão, porém, respeitador e respeitado, era prestativo e sempre atendi, despretensiosamente, aos muitos que de mim precisaram.

Vez por outra, recebo informações de que lamentam minha ausência.

Gostava dos festejos populares, e era convidado para participar deles, quer fossem das famílias ou das comunidades.

Um desses festejos acontecia numa comunidade, onde moravam oito irmãs, de idades próximas, e cada uma delas, mais bonita que as outras.

Me lembrando agora, da festa e das irmãs, me lembrei também dessa que eu OUVI de um amigo, proprietário de terras, na região.

Me contou ele, que durante a festa, sentado na área descoberta do colégio, estava conversando com uma delas, quando começou a neblinar.

O orvalho que caia, dava um brilho bonito à pele morena da menina, e ele ficou extasiado com aquela imagem, lhe lembrando um “dim dim” de chocolate.

Sabe o que é “dim dim”? É aquele picolé, feito com o suco que é colocado num pequeno saquinho de plástico.

Quando eu era menino costumava fazer “polí”, que era o picolé de antigamente, colocando o suco nas caçambas de gelo e botando no congelador da “frigidaire”, que eram as geladeiras da época.

Sim, voltando à menina. Então, ela lhe perguntou: você não vai sair da chuva?

E ele falou: olhando para a natureza, prefiro ficar aqui.

A natureza era ela e acabaram ficando até passar a neblina. Não me contou o que ocorreu, “after the rain”.

Tempos bons aqueles, que homem gostava de mulher e mulher gostava de homem, e assim, eram as coisas do interior.

Antônio José Ferreira de Melo – Economista, [email protected]

 

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