COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DO INTERIOR, PUREZA –
A VIDA DE SOLTEIRO E DESOCUPADO
Depois de ter ficado viúvo e também de ter me aposentado, fiquei com todo o tempo do mundo, disponível.
Todo dia aparecia um amigo, que estava sem ter o que fazer “naquela noite”, e eu, que tinha “todas as noites sem ter o que fazer”, era sempre convidado para “fazer alguma coisa”.
Como sempre convivi bem com todas as “tribos”, tenho amigos em muitas delas e passei a ser “diarista” nas artes da bebida, e, as vezes, de outras coisas mais.
Os meus companheiros, e não “cumpanheiros”, diziam em casa: vou me encontrar com Toinho, que está só, para tomarmos uma e batermos um papo.
E assim, eu já acordava imaginando como seria a noitada desse dia.
Até que resolvi dar uma guinada nessa rotina.
Decidi me voltar mais para as coisas da fazenda, onde estava o meu patrimônio e, como se sabe: “quem engorda o boi é o olho do dono”.
A NOVA OPÇÃO
A mudança não foi apenas quanto ao aspecto físico/territorial. Realmente a rotina passou a ser outra.
Não cheguei a morar na fazenda, e nem deixei de ir à Natal. Estava lá e cá. Durante os dias da semana, administrava as atividades do campo ou ia à Natal resolver outros assuntos.
Estando na fazenda, vez por outra, era convidado para uma “janta”, ou, eu mesmo também, vez por outra, promovia “jantas” para os amigos das comunidades próximas, e até fazendeiros amigos da região.
Tornei tradicional a feijoada das sextas feiras, que era servida às 10 horas da noite. O Delegado de Pureza e os seus policiais, sempre que estavam “a serviço”, por perto, vinham jantar na Fazenda Umbuzeiro.
Era assim o meu “dia a dia”.
No entanto, como não tinha nem dia e nem hora, para ir e nem para voltar, andava de “melé solto”.
Quem conhece jogo de baralho sabe o quanto é importante estar com um “melé solto” ou “melé bebo”, para poder pegar os “bagaços” da mesa.
Nos finais de semana, então, batia tudo que era forró e vaquejadas próximas.
Às vezes, andava acompanhado do pessoal da fazenda e, noutras, levava apenas Zé de Laura como meu “anjo da guarda”.
Zé era capaz de passar de dois a três dias acordado, com a finalidade de que ninguém me perturbasse, e eu ficava tranquilo porque ele merecia confiança.
Pra completar, Zé também fazia de conta que sabia ler mãos, como um cigano. Quando eu tinha interesse em alguma figura, Zé lia o destino na mão dela, e sempre terminava dando certo.
O que Zé tinha de fiel companheiro, também tinha de feio, aliás, tem, pois ainda vive.
O PASTORIL, A DIANA E ZÉ DE LAURA
Uma vez, fomos a um pastoril na comunidade de Olho D’Agua.
Para os mais novos. O pastoril é uma dança, que apesar de ser originaria de Portugal, desenvolveu-se no Brasil, em especial no Nordeste.
Embora tenha várias formas de apresentação, no geral, se constitui de duas fileiras de mulheres, normalmente jovens. Uma fileira com as damas vestidas na cor azul, é o cordão azul, e a outra com as damas vestidas de vermelho, é o cordão encarnado.
Entre os dois cordões dança apenas uma mulher, vestida metade azul e metade encarnado. É a Diana, “que não tem partido”, e, normalmente, é a mais bonita.
Embora nas grandes festas se apresentem em palanques, nos pequenos povoados dançam em ambientes fechados, representando as formas profanas do pastoril.
Os “cavaleiros” presentes na festa, terminada a apresentação e quando começa a rolar o “baile”, oferecem uma quantia, para ter o direito de dançar com a Diana. A oferta – que se destina à igreja – pode ser superada, ganhando a vez aquele que mais oferecer.
Por brincadeira, fiquei aguardando a oportunidade e coloquei uma oferta cobrindo, com folga, todas as demais, para que Zé de Laura dançasse com a Diana.
A pobrezinha, que já estava toda feliz para dançar com um dos rapazes da festa, teve que enfrentar a feiura de Zé e dançar toda a “parte” com ele.
Eu ria pra me acabar com a cara de insatisfação dela, contrastando com o sorriso de satisfação de Zé de Laura.
Às vezes, fico imaginando: se existissem, à época, os celulares de hoje, seguramente, as imagens e as cenas estariam gravadas em fotos e vídeos.
O BANHO NO OLHEIRO E O DELEGADO
Já de madrugada, voltando para a fazenda, como estava fazendo muito calor, resolvi convidar uma das amigas que “rebocamos” da festa, para tomar banho no olheiro de Pureza.
Então falei: Zé de Laura não deixe ninguém entrar.
Quando saí, ele estava andando pra lá e pra cá, como que nervoso, aí perguntei: o que houve?
Ele falou: quem esteve aqui foi o Delegado.
E eu disse: o que danado ele queria?
Aí Zé contou a história.
Chegaram uns rapazes querendo entrar, e eu não deixei. Então, eles foram chamar o Delegado, que chegou todo brabo e perguntou com que autoridade eu estava proibindo os rapazes de tomar banho no olheiro. Então eu falei que era porque o Dotô Antonio estava lá dentro, com uma amiga, e pediu para não deixar ninguém entrar.
O Delegado, se certificando que era o Doutor Antonio da Fazenda Umbuzeiro, se vira para os reclamantes e diz: meninos, deixem para tomar banho de manhã.
Nada como tratar bem a “puliça”.
A CASA DE PUREZA E A IGREJA DOS CRENTES
Os meus retornos para a fazenda estavam ficando perigosos, inclusive, pelas péssimas condições da estrada de barro.
Numa das vezes, estando chovendo muito, a camionete derrapou na lama e ao descer um barranco, ficou de rodas para cima, próximo a uma grande e funda poça de agua.
Zé de Laura, que vinha na carroceria, pulou, e eu sai pela janela. Caso tivesse seguido por mais dois ou três metros, além de ter batido na “bueira”, estaria dentro da poça d’agua, e eu não sei como poderia ter saído de dentro da cabine.
Para evitar de correr maiores riscos, comprei uma casa na cidade de Pureza, e assim, quando dava vontade de dormir, estava perto da cama.
A casa só tinha um defeito. Ficava vizinha a uma igreja dos crentes, que colocavam músicas ou cantavam louvores, amplificados pelo alto falante existente na torre.
Uma vez, procurando dar um cochilo depois do almoço, pois tinha uma festa para ir à noite, não conseguia dormir, por conta do alto volume do som.
Então, fui até lá reclamar.
O pastor justificou, que o som devia-se ao fato de estarem louvando Jesus, e eu disse que Jesus não era mouco e não precisava daquele barulho todo.
Deu certo. Baixaram o som e acho que não houve qualquer problema de comunicação com o céu, pois, até eu, ainda conseguia ouvir, bem baixinho.
A REDE ERRADA
Nas nossas brincadeiras, o limite era o divertimento.
Certa vez, saímos do “forró da peia mole”, que estava “fraco” e fomos procurar o que fazer num bar da periferia.
Próximo ao bar, moravam umas meninas, nossas conhecidas, e ao passar pela casa delas, notamos que a banda de cima da porta estava aberta, dando para ver uma rede armada na sala.
Chegamos sem fazer barulho e eu pego no punho da rede, que estava próxima, e começo a balançar, pensando que era uma delas que estava deitada lá.
Sim, ainda tem mais, cantando: “Hum, hum, hum, hum, hum, huummmm”, como uma cantiga de ninar, pra menino dormir.
KKKKK.
Eis que se levanta um cara e pergunta: O QUE VOCE QUER?
Meu amigo… Eu falei: BICHO, BATI NA PORTA ERRADA…
Caímos fora, antes que acontecesse algum problema.
OS MENINOS E A CERCA DE VARA
Para não perder a brincadeira, seguimos para o bar.
Foi aí que encontramos dois moleques na estrada e Uoston, que trabalhava na fazenda e vinha dirigindo, parou a camionete para perguntar uma coisa qualquer.
Sem que os meninos vissem, aproveitando para fazer uma brincadeira, peguei um revolver 38 que tinha quase 30 centímetros de cano, apontei para o alto, e atirei.
O medo dos meninos foi tão grande, que saíram na carreira e passaram por dentro de uma faxina.
Não há como imaginar a possibilidade de passar no meio daquelas varas e naquela velocidade.
Ficamos um bom tempo, sem conseguir parar de rir, chamando os moleques para dizer que era brincadeira, sem sucesso.
Para aqueles que não são afeitos às coisas do interior, “faxina” é uma cerca feita com varas, que são trançadas juntas, enquanto estão flexíveis, formando uma barreira, que “não passa nem pinto”.
A LOCA DA FONTE DE PUREZA
Nas minhas presepadas, passei por poucas e boas. Uma delas foi tentar entrar na loca da fonte de Pureza.
O grande lajedo onde se encontra o olheiro, tem uns buracos sem saída, menos um deles, que, servindo de túnel, vai dar numa caverna, que o pessoal chama de “loca”.
Não sei se tem alguma coisa a ver com a outra, mas eles também usam esse nome, como mais um apelido de vagina.
Para penetrar na loca, mergulha-se na fonte e entrando num dos buracos da pedra, chega-se a uma caverna espaçosa: “A LOCA”.
Na verdade, o pessoal usava a loca, desculpe a redundância, para namorar.
Estando eu na fuzarca, uma “criatura” me convida para conhecer “a loca”, e lá vou eu, no entusiasmo.
Só que, peguei o buraco errado, e fiquei “entalado” na pedra. Graças a Deus, como a água é transparente, o pessoal viu o meu aperreio e me puxou pelos pés.
Quase morro sem folego, preso no buraco errado.
Depois dessa, nunca mais eu quis conhecer “loca”, em baixo d’agua…
Antônio José Ferreira de Melo – Economista, –[email protected]