COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DO NOSSO FOLCLORE –
HISTÓRIAS DE TRANCOSO
Quando menino, OUVI muitas histórias exageradas e elas costumavam se chamar HISTÓRIAS DE TRANCOSO.
Deve-se esse título a um escritor português, cujo sobrenome era TRANCOSO, responsável pela criação de contos fantásticos e fábulas, casos irreais e lendários.
Me lembro que OUVI muitas ameaças, feitas com a utilização de horríveis figuras, usadas para criar medo nas crianças.
Os meninos de hoje vivem num mundo diferente e não tem mais como ambientar os mitos e as lendas da nossa cultura, que vão se perdendo.
Éramos, desde muito novos, apresentados a histórias fantásticas sobre criaturas travessas, que assustavam caçadores – que não existem mais – e até puniam quem praticasse más ações.
Personagens como o Saci Pererê, e o Lobisomem são apenas alguns exemplos de figuras que marcaram presença no imaginário popular, sendo passadas através de contos orais ou literários, para crianças e adultos das diversas regiões do país.
No Nordeste, alguns desses personagens fizeram sua fama, encantando gerações.
MITO OU LENDA?
Nem toda história contada por aí pode ser considerada folclórica. Há uma série de características que precisam apresentar, para seu enquadramento.
É preciso que sejam antigas, de cunho popular e de autor desconhecido.
Para nós, muitos personagens tem origem na cultura indígena, portuguesa e africana, que possuíam, entre suas manifestações, lendas e mitos, representados pela dança ou pelas cantigas e relatos.
As lendas são histórias geralmente orais, que misturam fatos reais com fantasia. Já os mitos tentam explicar fenômenos naturais, alertar sobre perigos ou expor defeitos e qualidades do ser humano. Eles tem caráter simbólico.
O FOLCLORE NORDESTINO
A região nordeste do Brasil tem uma cultura rica e o seu povo alegre e criativo tem participação importante na construção do folclore brasileiro.
Embora lendas e mitos sejam encontrados em todas as regiões brasileiras, a maioria das lendas folclóricas, têm origem no Nordeste.
PERSONAGENS FOLCLÓRICOS DO NORDESTE:
A RASGA-MORTALHA
Rasga Mortalha é uma grande coruja que sai durante a noite, para caçar, e seu grito se assemelha a um pano sendo rasgado.
No interior se escondem durante o dia nas locas de pedras ou ocos de paus, e, nas cidades escolhem as torres das igrejas ou casarões antigos, por serem locais escuros e sem movimento.
Foram sempre consideradas aves de mau agouro.
Eu sempre OUVI dizer, que, quando a rasga-mortalha cantava sobre uma residência, alguém da família ou da vizinhança iria morrer.
Quando menino, muitas vezes, amanheci, na fazenda, impressionado com o canto da rasga mortalha que OUVI durante a noite, e ficava imaginando quem seria o candidato a defunto.
A LENDA DO CARRO CAÍDO
Ainda quando criança, acompanhando meu pai nas suas andanças pelo povoado de Estivas, no Município de Extremoz, OUVI falar da “lenda do Carro Caído”, que teria ocorrido na ponta funda, localizada numa das curvas da lagoa, antes do seu sangradouro.
Segundo a lenda, numa noite de lua cheia, João, o carreiro, levava um sino, no carro de boi, para a igreja de Extremoz, e pegou no sono. Porém, quando a “junta de bois” parava de andar ou maneirava o passo, ele acordava, ferroava os animais e gritava “diabo”, voltando a dormir.
Numa dessas vezes, quando os bois pararam e ele acordou gritando “diabo”, uma coruja rasga mortalha passou por cima fazendo o barulho característico, para avisar que ele não devia falar no nome do “maldito”, ainda mais carregando o sino para a igreja.
Foi então que ele ouviu uma voz perguntando: “quem está me chamando”?
João se arrepiou de medo e o maldito falou no seu ouvido: “cá está ele”. Dizendo isso, arrastou o carro pra dentro da lagoa, com o negro João os bois e o sino.
Diz a lenda que ele ainda está vivo debaixo d’água, “carreando”.
Depois da primeira cantada do galo, no tempo da quaresma, o carreiro canta, o carro geme, o sino toca e os bois berram.
BOITATÁ – FOGO DO BATATÃO
O “BOITATÁ”, ou o “FOGO DO BATATÃO”, de acordo com a lenda, protege as matas das pessoas que fazem queimadas.
Também conhecido como “FOGO CORREDOR”, o monstro pode até matar, quem cruzar o seu caminho. Seu fogo mágico não se apaga com água.
Também, de acordo com a lenda, o BOITATÁ foi o único sobrevivente de um diluvio e que, para escapar, entrou num buraco.
A ciência explica o fenômeno como sendo gazes inflamáveis dos pântanos ou de sepulturas e carcaças de animais.
Visto de longe, parecem tochas em movimento e são denominados de fogo-fátuo.
Vez por outra, o BOITATÁ, com os olhos em chamas, persegue os viajantes noturnos correndo de um lado para o outro da mata.
Se você encontrar com o bicho, o melhor a fazer é prender a respiração, fechar os olhos e ficar parado até ele ir embora.
Se correr o fogo vai atrás. Se correr, o bicho pega.
Segundo OUVI, há registros de que era muito comum o fenômeno ocorrer nos municípios de Caiçara do Rio dos Ventos e Lages.
A BESTA FERA
Segundo a crença a BESTA FERA é o demônio em pessoa, que sai nas noites de lua correndo pelos povoados, até chegar no cemitério, quando desaparece.
Sua principal atividade é soltar os animais dos canis e currais.
Os cachorros correm atrás dela e ela açoita os animais, que produzem ganidos pavorosos.
Quando ela para em frente de alguma casa, as pessoas devem rezar o credo para que se vá embora.
A única forma de se defender da BESTA FERA é cravar nela um punhal de prata. Se por acaso o punhal for comum, tem que ser “benzido”.
OUVI, muitas repreensões por dizer qualquer coisa me referindo a esse bicho.
O PAPA-FIGO
O PAPA-FIGO era um velho de aparência asquerosa, com olhos e orelhas grandes, que atraia crianças com doces e presentes para prende-las e depois mata-las, para devorar o fígado.
Os pais usavam estes artifícios para intimidar os filhos desobedientes e, como eu não fui lá esse exemplo todo de obediência, OUVI, muitas vezes: você tenha cuidado. Veja lá o que acontece com os desobedientes… Não tenha cuidado com o PAPA FIGO, não… E eu saía só pensando: se esse FDP aparecer, ou carreirão!!!
Aqui em Natal usavam o nome de uma mulher, que era muito conhecida, para trazer mais para perto a imagem do medo.
Porém, segundo OUVI nos tempos que morei por lá, PAPA FIGO é uma lenda típica da cidade do Recife.
Usava-se a figura de um homem de aparência grotesca, dentes amarelos e orelhas pontudas, que passava sequestrando e matando crianças malcriadas, para comer o fígado e se curar de uma terrível doença no sangue.
Ele distribuía presentes, doces, brinquedos, comida, e usava todos os artifícios, para atrair as vítimas e, enfim, colocá-las dentro de um saco.
Essa figura lembra o mito do VELHO DO SACO, que tem origem na Europa. Ele também sofria de uma terrível doença e precisava do fígado das crianças para sobreviver.
A intenção do conto era criar o medo nas crianças para evitar o contato com estranhos.
MULA-SEM-CABEÇA – BURRINHA DO PADRE – MULHER DE PADRE – MULA DE PADRE – MULA PRETA
Todos esses nomes se referiam a mulher que, conforme dizia a lenda, se encontrasse romanticamente com um padre. Ela seria amaldiçoada, se transformando em um monstro, como consequência do pecado de relacionamento da mulher com o padre, pois as mulheres que frequentavam a igreja não poderiam ver o padre como um homem e sim como uma criatura especial.
O mais comum, era dizer que ela pagaria seus pecados virando uma MULA OU BURRINHA, sem a cabeça e com um freio de ferro em chamas ao redor do pescoço.
A transformação ocorreria nas noites de quinta-feira e só terminaria quando o dia nascesse. A MULA SEM CABEÇA, enquanto corria, emitia gemidos medonhos. Só parava quando ia chegando o alvorecer e o galo cantasse pela terceira vez.
Depois da transformação costumavam aparecer em noites de lua cheia e seu relincho podia ser ouvido a grandes distâncias.
Para salvar a moça do encanto era preciso enfrentar a assombração e tirar o ferro que apertava o seu pescoço.
Nas noites/madrugadas na fazenda, ouvíamos o relinchar dos animais e associávamos à alguma das beatas conhecidas, cujas histórias eram cochichadas reservadamente.
LOBISOMEM
É o resultado de um pacto maligno, feito numa noite de sexta feira e de lua cheia. O ambiente é uma cocheira, onde a pessoa que vira LOBISOMEM passa a rolar como se fosse um animal.
Sendo a fusão do lobo com o homem, possui o corpo coberto de pelos, tem unhas grandes, focinho, rabo e dentes ameaçadores.
Anda sobre quatro patas e uiva com o um lobo, atacando quem encontra. Mesmo valente, teme armas brancas, especialmente as pequenas, pois não consegue pega-las por conta das unhas.
BICHO PAPÃO
Desse OUVI muito.
Quando perdia a hora determinada para chegar em casa, vinhas pelas calçadas escuras, imaginando que o BICHO PAPÃO poderia surgir a qualquer momento.
Na origem da assombração, se falava de um feiticeiro que fazia magia com o corpo das crianças travessas da aldeia, observadas durante o dia.
Ao anoitecer, o feiticeiro virava uma criatura horrorosa e invadia a casa da criança teimosa, que tinha observado, pois segundo a magia elas possuíam mais energia.
CUMADE FULÔZINHA
As florestas da Zona da Mata pernambucana, quando ainda existiam, possuíam uma protetora que era conhecida como CUMADRE FULÔZINHA.
Ela gostava de fazer pequenas estripulias, como trançar crinas e caudas de cavalos, além de abrir porteiras para ver os animais fugirem.
Ela também ajudava aqueles que se perdiam nas matas e pediam auxílio com humildade. Assim dizia a lenda.
Mas, se a intenção do indivíduo fosse maltratar os animais ou a floresta, passava a assobiar e o som fazia com que o sujeito não conseguisse mais encontrar o caminho de volta para casa.
No interior de Pernambuco, acreditava-se que a menina realmente existiu e que, depois de um fim trágico, ao ser assassinada pelo próprio pai e enterrada na mata, virou protetora da floresta.
Nos meus tempos de vaquejada, muitas vezes, na fazenda, os cavalos apareciam com as crinas trançadas, mas o pessoal dizia que eram os morcegos.
ENTROU PELA PERNA DO PINTO E SAIU PELA PERNA DO PATO.
ERA ASSIM QUE SE FALAVA, QUANDO TERMINAVA UMA HISTÓRIA DE TRANCOSO.
Antônio José Ferreira de Melo – Economista – antoniojfm@gmail.com
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