COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DO RADIOAMADORISMO DO MEU TEMPO –
Nos meus bons tempos do radioamadorismo VI, OUVI e VIVI muita coisa interessante.
Obviamente, os radioamadores “de mais antigamente”, vivenciaram experiências muito mais interessantes, para a sua época, visto que, o radioamador, além de prestar serviço, procurando ajudar a quem precisa, é um inovador.
Em épocas anteriores, as dificuldades de comunicação eram bem maiores, e os serviços de socorro pelo rádio, foram muito mais importantes.
OUVI coisas ocorridas “muito antes de mim”, que dariam vários livros.
Porém, do meu tempo, vale a pena falar do que eu VI e VIVI, em especial, sobre o surgimento do equipamento de rádio amador portátil, que opera na frequência de VHF, e é o precursor do aparelho celular, pois, além de operações de rádio, simplesmente, também funciona acionando uma linha telefônica e faz ligações, até interurbanas.
OS GRUPOS DE VHF
Foi um período em que uma turma mais nova se juntou aos radioamadores mais antigos e formaram vários grupos, com a finalidade de adquirir e operar os equipamentos repetidores, dotados de linhas telefônicas.
Bom. O fato é que, naquela época, as comunicações telefônicas eram incipientes e nos períodos de veraneio, por exemplo, os radioamadores, por possuírem essa inovação, eram acionados para tudo que era “necessidade”.
Os postos de serviço telefônico da TELERN, os PS, tinham horário de funcionamento, e, portanto, depois das 18h, encerravam as suas atividades.
Então, não tínhamos sossego. Éramos procurados para realizar “ligações urgentes”, que, muitas vezes, eram simples papos familiares ou até amorosos.
Ainda pagávamos a conta, pois a maioria das ligações eram interurbanas.
AS LIGAÇÕES DO POSTO DE SERVIÇO
Como as ondas de rádio não tem privacidade, as conversas são escutadas, desde que sintonizadas, como em qualquer rádio FM.
Esse era o porem.
Portanto, como todas as operações, nas frequências de rádio, não possuem sigilo. Qualquer outro rádio que ligue na mesma frequência, escuta o que está sendo conversado.
O radioamadorismo prega que, pela frequência, não podem ser tratados assuntos de dinheiro ou negócios, futebol e religião, pois, além de serem assuntos polêmicos, fogem às atividades amadoras.
Daí, além pagar a conta, tínhamos que convencer os solicitantes que evitassem tais assuntos.
O serviço de telefonia, prestado pelos postos de serviço da TELERN, os PS, permitia o tratamento de qualquer assunto, por não ser uma atividade amadorística, porém, como também usava frequência de rádio, também não possuía sigilo.
Certa vez, em Pirangi, Marcilio Carrilho me chama numa frequência que utilizávamos para os “papos”, e diz: vá na frequência do PS e veja se reconhece a voz de uma mulher que está telefonando.
Ora, era uma “senhora” que tinha uma aparência muito recatada, porém, naquele momento, ligava para um seu amante.
Depois, concluímos que esse era o horário de todos os dias, e ficamos sabendo de suas peripécias extraconjugais.
Quando víamos a “traidora”, com o marido, ficávamos imaginando o tamanho dos “galhos”, que o pobre carregava.
O NEGÃO DO 3º DISTRITO NAVAL
O 3º Distrito Naval fazia as ligações telefônicas através de um sistema semelhante ao que possuíamos, para atendimento de uma unidade, que sabíamos se chamar “Estação Ionosférica”, localizada próximo à Cidade de Macaíba,.
Como a base do telefone ficava em Natal, quando alguém, lá da estação, usava o sistema, estava exposto. Não tinha privacidade.
Tarso Nunes, “Tarsão”, “escaneando” ou “vasculhando” as frequências, descobriu que um certo funcionário da estação da marinha ligava para a sua amante e fazia as maiores declarações de amor, pelo telefone com vazamento, coisa que ocorria no horário, que, provavelmente, era o intervalo do almoço.
Tarso repassou a informação, e, por um tempo, naquele horário, nos divertíamos com as conversas dos amantes.
Imagine. À época não existia o site “The Intercept”, que anda divulgando diálogos suspeitos, que teriam ocorrido por meio do aplicativo de mensagens “Telegram”.
Porém, essa nossa história é verdadeira, e não tem o interesse de criar qualquer situação vexatória.
A voz do funcionário tinha uma inflexão forte, ele falava gírias e tinha os modos do malandro carioca da época.
Assim, passamos a imaginar que tratava-se de um cara negro e forte, como aqueles caras dos subúrbios, e lhe apelidamos de “O Negão”.
Portanto, por um tempo, passamos a participar das aventuras amorosas do “Negão”, mas, como as nossas atividades eram muitas, logo lhe deixamos de lado.
Já tínhamos até lhe esquecido, porém, ao voltar a sintonizar a frequência, tivemos a tristeza de constatar que a felicidade do Negão tinha ido para “o espaço”: a mulher dele descobriu a existência da amante.
O que era, só amor e alegria, virou desassossego.
Veja bem a declaração dele para a amante: OLHA, AMOR, A MINHA VIDA ESTÁ UM INFERNO!!!! UM “INFIERNO”!!!, UM “INFIERNO”!!!, no linguajar carioca.
Ficamos tristes com o problema que “O Negão” enfrentava, sem nada poder fazer para lhe ajudar.
E o que foi pior. A Marinha colocou um “misturador de voz” na linha telefônica, e não soubemos como terminou a novela do “Negão”.
A GATINHA
Os nossos papos eram muito divertidos e, as vezes, não era dado muito espaço de tempo entre uma “modulação” e outra, como é recomendado pelas normas, e, quando um ia terminando de falar, outro já entrava.
Nosso amigo Dantas Guedes, que tinha a voz parecida com a de Sérgio Moro, as vezes, ao falar, provocava um “falsete”, e a voz saía um pouco fina.
Numa oportunidade, querendo entrar no papo, ele usa um termo dos radioamadores, para solicitar “a vez”, e diz: “braque”, “braque”, obviamente, em “falsete”.
Marcos Pedrosa, com a sua maneira brincalhona e irreverente, fala: “entre gatinha”.
Dantas Guedes, engrossando a voz, diz: o que é isso, Marcos!!!
Os momentos seguintes foram para todos rirem, inclusive Dantas Guedes.
GILENO E O BODE
Gileno, proprietário da Casa das Cortinas, era um excepcional companheiro. Prestativo e amigo, era simples e confiável nos seus compromissos.
Às vezes, não compreendia as nossas brincadeiras. Achava que tudo que a gente dizia, era verdade.
Num certo sábado, conversávamos pelo rádio, e ele, operando móvel, relatou que trazia um bode do Açu para Pirangi.
O fato é que o caprino, que não foi bem amarrado, caiu da carroceria da caminhonete e ficou arrastando as patas no asfalto.
Ele, falando no rádio, nem notou. Quando chegou em casa se deparou com o animal sem os cascos, que o asfalto tinha “comido”.
Apesar da situação, rimos muito com o aperreio dele e prometemos que íamos comer do bode no dia seguinte.
Porém, era só de brincadeira.
No final da tarde do dia seguinte, ele “entra em rádio”, cobrando a nossa presença, pois a carne do bode já estava cheia de moscas.
Não dava mais para ir lá. Tínhamos passado o domingo bebendo, cada um com seus convidados.
A REPETIDORA DE SERRA DE SÃO BENTO
A nossas comunicações, para maiores distâncias, utilizava as “repetidoras”, que possuem a capacidade de receber o sinal e “jogar pra frente”.
Fomos instalar uma delas num ponto alto, próximo à sede do Município de Serra de São Bento.
Sabíamos que estávamos numa região com bastante altitude, mas não imaginávamos que o sinal de rádio, numa potência baixa, fosse ouvido em Natal, distante seus 130 quilômetros.
Portanto, conversávamos de um carro para o outro, num sistema “simplex”, tipo rádios “walkie-talkie“, contando piadas.
Lembro que eu contei a piada da noiva na lua de mel.
Essa é a histórica narrativa.
Quando o casal chega no hotel e o marido diz que vai fazer um amor diferente, pois será um amor platônico, a noiva, apavorada, liga para a mãe e pergunta o que danado é esse tipo de amor.
Fala: mãe, que história é essa de amor platônico? Esse, você não me ensinou. Como é isso mamãe? Me acuda que eu não sei o que fazer!!!
Então, a mãe, que também não era muito versada nas coisas da língua portuguesa, responde: sei lá!!! Faça o seguinte: limpe tudo, escove os dentes e seja o que Deus quiser…
Hélio Segundo, o famoso HELISOM, escutando em Natal, entra na frequência e diz: ei rapaz, isso não é tipo de conversa para as frequências de rádio.
Kkkk.
Silêncio total.
Quando vou para Monte das Gameleiras e passo pela Serra de São Bento, me lembro e acho graça.
Antonio José Ferreira de Melo – economista – antoniojfm@gmail.com
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