COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DO SETOR PÚBLICO MUNICIPAL- Antônio José Ferreira de Melo

COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DO SETOR PÚBLICO MUNICIPAL –

O setor público municipal, por estar mais próximo da população, é pródigo em ocorrências interessantes.

Algumas são especialmente interessantes, quando envolvem interesses contrariados.

Do tempo que fui Secretário de Planejamento da Prefeitura de Natal, lembro algumas, sem que a ordem signifique a importância:

 

PRIMEIRA – A AUDITORA

Essa é apenas interessante.

Tínhamos diversos convênios com o Governo Federal e recebíamos a fiscalização e auditoria dos Ministérios conveniados.

Um desses Ministérios mandou uma auditora, que após a apresentação de praxe, para iniciar os seus trabalhos, me pediu uma sala que tivesse uma grande mesa e que ela pudesse ficar com a chave.

Mandei arrumar a sala do Conselho de Planejamento Urbano – CONPLAN, que se configurava dentro das suas exigências.

Já instalada, a auditora pegou a primeira pasta da prestação de contas, separou a folha com a relação da documentação, retirou todos os papeis e jogou pra cima, ficando os documentos espalhados pelo chão.

Embora consciente da regularidade da documentação, fiquei admirado com o gesto, e ela, notando a minha surpresa, justificou que era para não correr o risco de olhar de forma mecânica, se obrigando a garimpar cada documento, seguindo o índice apresentado.

Vi que estava diante de alguém muito exigente com as suas obrigações.

A nossa auditora, fez muitos elogios à cidade de Natal, pelo que sabia por ouvir dizer, demonstrando interesse em conhecer os pontos turísticos e a vida da cidade, nos seus momentos livres.

Pelo seu aspecto, embora tivesse a idade já avançada, era muito “arrumada”, e, pela conversa, era viajada e independente.

Tentando ser cordial, coloquei à sua disposição uma funcionária que conhecia bem a vida noturna da cidade e que poderia lhe servir de cicerone, sendo a oferta prontamente aceita.

Segundo me informou a “guia turística”, na segunda noitada de sua permanência, chegou no hotel próximo ao raiar do dia, inclusive sem os sapatos, que perdeu na farra.

Nada disso lhe desviou de sua rigidez profissional, cobrando todos os detalhes que lhes pareciam não estar de acordo com as normas do convênio.

 

SEGUNDA – ELIZEU SATANÁS

Como órgão responsável pelas posturas urbanas, a Secretaria do Planejamento promovia muitas ações de demolição de obras irregulares.

Um dos fiscais tinha o apelido de “Elizeu Satanás” e era famoso pelas suas brutas intervenções.

Um cidadão que teve sua “obra” ameaçada de demolição, me procurou para reclamar dos prejuízos que teria.

Eu tentava mostrar que ele estava fazendo uma irregularidade e a função da Prefeitura era impedir.

Portanto, havia a necessidade de demolir o que estava errado para ser construído de acordo com as normas.

Ele, inconsolável, e diante da impossibilidade de reverter o quadro, disse: se Elizeu é o satanás, o Senhor deve ser o gerente do inferno.

Engoli calado, mesmo com vontade de lhe mandar para a PQP.

TERCEIRA – O NOME DAS RUAS

Sempre decorei pouco o nome de ruas.

O morador de um bairro afastado me procurou para fazer uma denúncia e como eu não conseguia localizar a área, pedi para que ele me fornecesse um ponto de referência.

Foi quando ele disse: eu não queria ser Secretário de Planejamento e não saber o nome das ruas.

Aí eu falei: olhe, eu sou Secretário e não sou carteiro.

 

QUARTA – A CONSTRUTORA QUE SÓ FAZIA ERRADO

Na época, uma construtora era conhecida como “useira e vezeira” em fazer as coisas erradas. Quando um dos familiares responsável pela tramitação dos processos era visto na Secretaria, já antevíamos problemas, pois, sempre, até o que parecia certo, estava errado.

Dela cito dois casos: Um foi a construção de uma casa sem a fossa. Quando a encanação do esgoto encheu, imagine a poluição dentro da casa.

Outro foi quando construiu um pequeno prédio de apartamentos com um “gato” de energia.

Quando os adquirentes procuraram regularizar os imóveis descobriram que não havia ligação de energia autorizada.

 

QUINTA – A CONSTRUTORA E O EMBARGO

A ganância exagerada levava construtores e contratantes de obras à atitudes desonestas e as “cantadas” procuravam ser abortadas antes do nascedouro.

Impossível era evitar as pressões exercidas pelos políticos, detentores do “poder”, que eram repelidas com “jeito”, para não criar animosidade com a direção política do Governo do Município.

Certo empresário aprovou um projeto para a construção de um edifício na Av. Rio Branco e como estava executando de forma diferente, teve a construção embargada.

Mesmo procurando apoio de diversos políticos, inclusive o Prefeito, não conseguiu sucesso para reverter o embargo.

Aproveitando um feriado prolongado, fui com a família para a fazenda.

Ao retornar à Natal encontrei, em casa, 12 litros de “scotch whisky” de diversas marcas, deixados pela construtora.

Acrescento. Todos eram “selados”.

Naquela época não haviam as facilidades de hoje e as bebidas importadas legalmente, por pagarem os impostos, não eram fáceis e baratas, o que as diferenciavam das “de contrabando”, que adquiríamos nos fornecedores de confiança.

No primeiro dia útil recebi a visita do empresário.

Para iniciar a conversa perguntei se o “presente” tinha a intenção de modificar a posição da Secretaria.

Ao receber a resposta negativa, lhe disse: sendo assim, pode ter certeza que vou beber todos.

O embargo permaneceu, promovi uma reunião do corpo técnico da Secretaria com os técnicos responsáveis pelo projeto de construção e até que as modificações se
processassem, a obra não foi liberada.

Veja como são as coisas. Hoje, um seu parente próximo se intitula como arauto da moralidade e defensor das minorias e do meio ambiente.

SEXTA – JOCA DE CININHA (O PISTOLEIRO)

Os terrenos da rua 2 de Novembro, frutos de ocupação irregular, não possuíam escritura pública, que era o documento básico para solicitar o alvará de construção ou reforma.

Portanto, as obras eram feitas como se ninguém visse. Era praticada a popular “vista grossa”.

Mandei que a fiscalização passasse a atuar na área, com a intenção de fazer um trabalho de orientação técnica. Desprezavam-se as exigências legais, mas conseguia-se uma melhoria quanto as posturas.

Um dos atingidos foi o pistoleiro Joca de Cininha, que veio à Secretaria tomar satisfações.

Estava lhe atendendo, quando Paulo Mariz entra no gabinete e se espanta com a cena: o pistoleiro e sua inseparável bolsa “capanga”, onde transportava um ou mais revolveres calibre 38, e eu tentando lhe explicar que ele não podia fazer a construção, “no seu terreno”, sem a aprovação da Prefeitura.

A conversa terminou em paz. Chamei um dos engenheiros da equipe técnica, que lhe deu a necessária orientação e que foi devidamente cumprida.

Joca, agradecido pela atenção, passava, vez por outra, para tomar um cafezinho comigo.

SÉTIMA – O VEREADOR E A PORPINA

Certo vereador que não prezava pela língua portuguesa, veio me reclamar do administrador do então Distrito de Ponta Negra.

Segundo ele, o mesmo estava “COMENDO PORPINA”.

Fazendo como se não estivesse entendendo, lhe disse que não me competia interferir na vida particular de nenhum funcionário.

Não satisfeito, ele repetia: COMENDO PORPINA e eu repetia a afirmação inicial.

Depois de umas três ou quatro vezes, já sem paciência, ele repetiu, mais uma vez, fazendo o gesto com os dedos polegar e indicador, mostrando que o queria dizer significava COMENDO DINHEIRO.

Então, lhe pedi para escrever a denúncia, que eu mandaria investigar.

Ele não voltou para dar andamento ao assunto.

Antonio José Ferreira de Melo – Economistaantoniojfm@gmail.com

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores

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