COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DOS BARES DE NATAL –
A BOATE A VELA
Sempre vejo Cláudio José Bezerra de Araújo, o meu amigo Cláudio Burrão, como sendo uma das figuras mais conhecidas do nosso Natal, não só pela sua figura física, mas também pela sua figura humana e participante da vida social da cidade.
Claudio é uma das poucas unanimidades de bem querer, que eu conheço. Às vezes, gosta de ver “o circo pegar fogo”, porém, dentro do espírito brincalhão.
Muito tempo já passou, mas o fato é que, juntos, fizemos muitas presepadas e constituíamos uma dupla engraçada.
Burrão com os seus quase 1,90 metros e suas quase 15 arrobas, ou 150 quilos e eu pequenininho e com menos de 50 quilos, naquela época.
O seu pai, Seu Zé, que nunca o vi com raiva, e sua mãe, D. Geralda, que chamamos Dona Gereba, hoje, cantora, com os seus mais de 80 anos, e que recentemente gravou um CD, irmão da Doutora Cristina, que lhe chama de Dedé e do Médico Perú, hoje componente da Banda Rojão, Burrão é uma figura que merece registro na nossa cidade do Natal.
Essa é a introdução, para falar de uma figura que eu tenho muito apreço e que participou comigo de um empreendimento que marcou época na nossa cidade:
A BOATE A VELA
Nós dois “inventamos” de colocar em funcionamento a “BOATE A VELA”, no Iate Clube de Natal e fizemos uma sociedade com contrato verbal ou bocal, com o diz o matuto.
O intento era movimentar socialmente, não somente o Clube, mas também a cidade, e conseguimos.
Não tínhamos contagem de público, mas o pátio de estacionamento ficava lotado e sendo bem maior que a área atual, dá para imaginar que a cidade se fazia presente.
A frequência era tão grande que causava ciúmes no pessoal do restaurante A Rampa.
Enquanto A VELA vivia cheia, nos seus dias de funcionamento, A Rampa ficava vazia. Resultado: mandaram erguer uma cerca, para diminuir o nosso estacionamento, embora as justificativas fossem outras.
O DIA A DIA E O FUNCIONAMENTO
Como éramos funcionários do Planejamento Estadual, e, naquela época servidor público trabalhava, durante a semana, não tínhamos muito tempo para cuidar.
Daí, ser, A VELA, uma casa noturna diferente. Funcionava apenas uma vez por semana, aos sábados, e o bar aos sábados e domingos.
Durante a semana tínhamos apenas as noites para as providências que necessitassem dos nossos serviços.
Porém, até nisso, nos divertíamos. Um pescador de tarrafa nos trazia camarões, ainda vivos, pescados ali no Rio Potengi. Seu Zé, o pai de Burrão, torrava na manteiga do sertão, e comíamos acompanhando uma cervejinha, estupidamente gelada.
Afinal, não éramos de ferro.
O DESCONTROLE PREMEDITADO
Como A VELA era um “território livre”, não existiam grandes controles de comportamento.
Todas as semanas, Seu Zé, comprava dúzias de copos, que eram “surrupiados” pelos nossos clientes amigos.
Imagina, se nós íamos fazer controle… O divertimento era o lucro.
Jaime Santiago, alto funcionário do Ministério do Planejamento, nosso amigo, veio à Natal e mandamos busca-lo no aeroporto.
O motorista levou-o direto para A VELA, e lá chegando, vendo aquela louca movimentação, ria muito, e não parava de dizer: ISSO NÃO PODE DAR CERTO. MACACOS NEGOCIANDO COM BANANA.
O PESSOAL DA LOMBRA
O uso de tóxicos não era o forte daquela época, mas tinha uma turma que gostava.
Em uma das noites de sábado, A VELA foi animada pelos efeitos de uma mistura que os adeptos inventaram.
O pessoal da “lombra”, tomando conhecimento que cogumelos possuíam substâncias alucinógenas, liquidificaram alguns exemplares, fizeram um caldo, engarrafaram e já chegaram com essa “arrumação”, para beber.
Falei: Burrão, se esses caras forem descobertos, vai sobrar pra nós e terminam fechando a boate.
Burrão ria e dizia: eu só quero é ver a “merda” que vai dar…
Ficamos acompanhando a reação e a imagem dos toxicômanos, que era para lá de ridícula, e ríamos, os dois, daquela cena.
Graças a Deus não vieram a óbito, mas passaram muito mal.
DOS FREQUENTADORES
Não dá para tentar fazer maiores relatos sobre as “coisas” que aconteciam e aconteceram por lá.
Caso não houvesse censura, daria um livro.
Relacionar frequentadores seria uma tarefa impossível.
Porém, vale lembrar do nosso amigo, o grande Cláudio Freire, que Deus já levou, que saia, literalmente, na faxina.
Sem que ninguém desconfiasse de sua presença, àquela hora, na madrugada do domingo, ele foi “achado”, dormindo no chão, embaixo das mesas, na hora da varrição.
De outra vez, tomamos conhecimento que ele tinha saído de lá “de carona”, até a Ribeira, na “carroça do lixo”.
Depois dessa, só saíamos depois de ter certeza que Claudio não se encontrava dormindo em algum lugar. Quando chegava próximo do final, ficávamos de olho nele.
Outra grande figura era Clóvis Motta, então Vice Governador, que ia, aos sábados, tomar uísque e disputar a conta, no pôquer de dados.
Tinha também os eventuais e inesperados frequentadores.
Certa noite, já no “apagar das luzes”, chega Alceu Valença rebocado por Grace Cruz, irmã de Odaíres e cunhada de Mirabeau Dantas.
O SOLDADO
De frequentador inesperado, esse merece destaque.
As construções do galpão dos barcos do Iate, terminavam junto da cerca do Grupo de Regimento de Obuses, o RO, que era assim chamado, o Quartel do Exército, no Bairro das Rocas, hoje, 17°GAC – Grupamento de Artilharia da Costa.
A cerca e o galpão dos barcos formavam um corredor de pouco mais de um metro e meio de largura, e os homens mais “vexados” usavam esse beco, como “mijador”.
A área, obviamente, era vigiada pelo exército, onde, permanentemente um soldado mantinha a guarda.
Certa noite, quando saio da sala de som e olho para o pátio, lotado de gente, vejo que um soldado, com evidentes sinais de embriaguez, devidamente fardado e portando um Fuzil Automático Leve – FAL, bebia junto a uma mesa no espaço externo da boate.
Chamei Burrão para que tomássemos uma providência, e ele, simplesmente dava enormes risadas dizendo: Toinho o que danado a gente vai fazer? Seja o que Deus quiser.
Soubemos depois, que o pessoal quando ia para o “mijador” levava o copo de bebida na mão, e o soldado, não resistindo às ofertas bebia junto, chegando ao ponto de aceitar o convite para participar da festa.
A PARTICIPAÇÃO DO EXÉRCITO
Não demorou muito, até que chegasse um Jeep com a patrulha do exército, para levar o soldado pinguço e determinar que fechássemos o “estabelecimento”.
Era no tempo da “revolução de 64”, quando qualquer soldado era “otoridade”.
Porém, enfrentamos o problema, dizendo que não nos competia manter a ordem da tropa do exército e que os superiores do soldado, é que deveriam controlar os seus atos.
Portanto, o problema era deles, que não impediram que o subordinado, ou insubordinado, pulasse a cerca e passasse para dentro do território do Clube.
Diante dos nossos argumentos, o sargento resolveu voltar atrás da sua pretensão e se retirou levando o pinguço fardado, cujo resultado, ignoramos.
Antônio José Ferreira de Melo – Economista