COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS QUE MERECEM NÃO SER ESQUECIDAS –
Ao longo da minha existência, sempre procurei estar de bem com a vida, encarando as dificuldades, superando os problemas, e tendo a felicidade de contar com inúmeras amizades, que muito me ajudam a viver feliz.
Como se diz agora: simples assim.
Tínhamos o prazer de conviver na sociedade de Natal, sem que formássemos pequenos e isolados grupos de convivência, tipo “corda de caranguejo”.
Na verdade, constituíamos um grande grupo, e, quando nos encontrávamos, com qualquer número, o que era frequente, formávamos o grupo do momento, e, “tava feita a festa”.
São ótimas as recordações.
Repetindo o que costumo afirmar, porém, sem querer ser repetitivo, não sinto saudades de nada.
Afinal, saudade é uma coisa que não existe.
É querer trazer o passado para o presente, o que não é possível.
Saudade, enfim, é coisa de poeta.
Tenho sim, boas e más lembranças, e, graças a Deus, em maior quantidade, as boas imagens do passado.
É por conta dessas coisas, que me lembro, com alegria, dos tempos vividos, e continuo de bem com a vida, sem perder a vontade de ser feliz, até o meu último momento.
Voltando no tempo, lembro da época dos nossos acasalamentos oficiais, quando passamos a constituir família.
Agora, com o tempo avançando, e, como é natural, tenho presenciado os casais, que constituíam o nosso grande grupo, se extinguirem pela morte de cônjuges.
Entre esses, o meu.
UMA HISTÓRIA DENTRO DO CONTEXTO – “O BLOCO ARROCHA NA POMBA”
Tínhamos relacionamentos onde prevalecia a amizade.
Esses relacionamentos, eram formados e mantidos, sem interesses, e não se destruíam por pouca coisa.
As brincadeiras que fazíamos, podiam até parecer fortes, mas o sentido era o divertimento, e tínhamos a confiança de que não haveria ressentimento.
Não havia maldades.
Eraldo Porciúncula fazia parte da nossa turma, e era o componente mais importante da orquestra do “Bloco Arrocha na Pomba”.
Na verdade, era um bloco “artesanal”, pra não dizer esculhambado e sem convenções.
Não tinha fantasia, nem alegoria, e, a grande orquestra era constituída pelo pandeiro de Eraldo, e pelo tamborim de Cláudio Burrão.
Às vezes, um outro componente do bloco, ou agregado, assumia o reco-reco, feito com um pedaço de tábua e uma mola ou o ganzá, que era uma latinha cheia de arroz cru.
As ocorrências carnavalescas, engraçadas, foram muitas. Algumas dizíveis, e muitas não.
O ARROCHA, EM TEMPOS NORMAIS
O “Arrocha”, não se desfazia após o período do reinado de Momo.
O “Arrocha”, tinha – podemos dizer assim – um caráter permanente.
Afinal, o “Arrocha”, era um estado de espírito.
Como os casamentos eram oportunidades para uma presepada e motivo de alegria, não deixávamos passar em branco, e “botávamos o bloco na rua”.
O CASAMENTO DE ERALDO
No casamento de Eraldo, compramos uma porção de caranguejos, e levamos os bichos para a igreja, dentro de uma caixa.
Durante a cerimônia libertamos os crustáceos e, imagine o reboliço que deu.
Os caranguejos “libertos” passeavam por baixo dos bancos e dos “genuflexórios”, ameaçando, com as suas patolas, dar uma boa “mordida” num dos pés ou canelas mais desavisados.
Para o sucesso da empreitada, contávamos com a reação das mulheres, que não se continham, e escandalizavam a situação.
Como não podia ser diferente, Eraldo ria com a brincadeira, e só faltou sair do “banco dos noivos”, junto ao altar do casamento, para participar da algazarra.
Hoje, ele se encontra na outra dimensão, como costumamos dizer, e deve estar perturbando o ambiente, no bom sentido, tocando o seu excepcional pandeiro.
Nós, que ainda estamos por aqui, sentindo a sua falta, só nos resta lamentar a sua ausência e relembrar as alegrias da sua presença.
O MEU CASAMENTO
Na época do meu casamento ainda não existiam os telefones celulares, e como eu tinha concluído a minha casa há pouco tempo, também não tinha telefone fixo instalado.
Assim, no dia do “casório”, como tinha dormido pouco na noite anterior, fui para a casa, armei uma rede no quintal, para descansar um pouco, e adormeci.
Como é normal – e não é de hoje – que eu chegue “em cima da hora” ou mesmo atrasado, ninguém se espantou pelo fato de que eu ainda não estivesse na igreja, com a antecedência convencional.
Todos os convidados já estavam presentes e, embora já se aproximasse o horário da “cerimônia”, o noivo ainda não tinha comparecido.
Desavisada da situação, Salete, a noiva, chega na igreja, pergunta por mim, e quando informam que eu não cheguei, ela diz: ele só pode estar dormindo. Alguém tem que ir lhe acordar, senão não vai haver casamento.
Severino, o pai dela, ficou rodando com o carro nas proximidades, pra “fazer hora”, e, depois de ser acordado, rimos bastante, me vesti na carreira e cheguei ainda em tempo de levar uma boa vaia, como gozação.
Imagine o clima de brincadeiras durante o evento.
Carielo, que tinha me feito o favor de “sacar” um dinheiro, para que eu levasse, “em espécie”, para a “lua de mel”, faz a cena de entregar, à vista de todos, como sendo a colaboração do “Arrocha”, para as “providências”.
O CASAMENTO DE DEQUINHA
Na véspera do casamento de Dequinha, sem ter o que fazer, Cláudio Burrão, Eraldo Porciúncula, e eu, gravamos uma “fita cassete”, com uma paródia da música “vamos lá pra ver”.
Quem sabe, poderia ter alguma “utilidade”?
A paródia, que eu fazia o acompanhamento da gravação, usando um “caderno espiral”, como reco-reco, dizia: vamos lá pra ver, o casório vai ser bom, todo mundo no casamento de Dequinha, e por aí vai.
Ao final da “interpretação”, surgia a nossa voz, em conjunto: ÁI, ÁI, DEQUINHA VAI SER PAPAI!!!!
Era um bordão, usado por Chacrinha.
Não sabíamos como iríamos utilizar a nossa “obra”, mas, com certeza, em algum momento, teria utilidade.
Eis que, no final da manhã seguinte, dia do grande casamento, nos encontrávamos na Confeitaria Atheneu – obviamente bebendo – quando passa uma Kombi dotada de um sistema de som.
De imediato, veio a ideia de contratar o “carro de som”, para percorrer as ruas dos Bairros do Tirol e Petrópolis, tocando a nossa gravação e convidando o povo para as núpcias.
Nada mais oportuno.
No “bureau”, que era a mesa do bar, organizamos e redigimos o “palavreado” para o locutor.
A mensagem se constituía num convite, que prometia, àqueles que comparecessem ao evento, o recebimento de um “cupom numerado”, que daria o direito de participar de um sorteio.
A febre do momento, nos sorteios que ocorriam em Natal, era concorrer a um “rádio portátil Voltix”, e foi exatamente o que prometíamos sortear.
A partir do contrato, a Kombi não poderia parar até o final da cerimônia, e passou a percorrer as ruas de Petrópolis e Tirol, evitando a área próxima à casa da noiva, para que a família não abortasse a brincadeira.
Na hora do casamento, o carro de som, parado em frente à igreja, quase não permitia escutar o que o padre dizia.
Quando chegava na hora do “ÁI, ÁI, DEQUINHA VAI SER PAPAI”, a igreja era uma risada só.
Corria-se o risco do celebrante suspender a cerimônia, o que causava temor à Coró, Seu Raul, Dona Didi, e a toda família de Dóris, que já contavam com a entrega da “encomenda”, sem a possibilidade de devolução.
As consequências, seriam imprevisíveis.
No entanto, foi tudo bem até o final, e o clima coincidia com o estado de espírito, de constante alegria do casal, e dos seus amigos.
OUTRA HISTÓRIA DENTRO DO CONTEXTO
Muitos tempos depois, nessa onda de desfazimentos dos casais e das despedidas inevitáveis, estava eu, na Igreja Santa Teresinha, para assistir à missa do sétimo dia do descanso eterno de Dóris Dantas, a DÓRIS DE DEQUINHA.
Mesmo naquele momento de pesar, reservadamente, eu me lembrava, que nos idos dos anos 70, naquela mesma igreja e, talvez, até no mesmo horário, tinha acontecido o casamento de Dequinha e Dóris, sob uma grande presepada que nós preparamos.
Não sei, se Flavia Regina, minha filha, sentada ao meu lado, notava meu semblante ausente.
Vinha à minha lembrança, a noite anterior ao casório e suas engraçadas consequências.
Lembrando-me, tinha a consciência de que, os dois, nunca deixaram de relembrar a brincadeira que fizemos, rindo, felizes.
Segundo Dequinha, só lamenta que um dos seus “meninos”, tenha desgravado a “histórica fita cassete”, para utilizar com algum sucesso de sua época.
Para nós, nada a lamentar. O “trabalho”, tinha sido recompensado, cumprindo mais do que o esperado.
Agora, durante a missa de sétimo dia do falecimento de Doris, sem o som da presepada, eu acompanhava o ofício religioso, com a lembrança das alegrias do passado, no silencio da ausência, no presente.
SÃO COISAS DA VIDA, QUE MERECEM NÃO SER ESQUECIDAS.
Antônio José Ferreira de Melo – Economista, antoniojfm@gmail.com
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