COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: MONTE DAS GAMELEIRAS, COISAS DO MEU SOBRINHO RICARDO IVAN

QUEM É RICARDO IVAN

Meu sobrinho, Ricardo Ivan Ferreira da Trindade, filho da minha irmã Ana Lucia e de Ivan Trindade, nascido em 1971, é um cientista, com jeito de pessoa normal.

Conversa de forma entendível pelos leigos, gosta das coisas boas da vida, toma cerveja, cachaça, conta e gosta de escutar piadas.

Se eu fosse reproduzir o seu curriculum, disponível no Google, teria de deixar as coisas desse artigo para depois.

Porém, só para ter uma ideia:

– Tem doutorado em Geofísica na USP;

– Efetuou dois pós-doutorados, em Toulouse e Paris;

– Foi professor visitante da Universidade de Toulouse e da Universidade Sorbonne Paris Cité;

– É Professor Titular do Departamento de Geofísica da USP;

– É Membro Titular da Academia Brasileira de Ciências, e foi membro dos Comitês Assessores da FAPESP, CAPES e CNPq; e,

– Atualmente, desenvolve pesquisas em magnetismo de rochas, anisotropia magnética, paleomagnetismo e arqueomagnetismo, com o objetivo de compreender períodos críticos da história da Terra, como a transição Precambriano-Cambriano e crises ambientais do Fanerozóico.

Obviamente, essas coisas ele não procura conversar, pois são incompreensíveis para os simples mortais.

A VISITA A MONTE DAS GAMELEIRAS

Há poucos dias desse janeiro de 2021, fui com ele, sua mulher e filha, até Gameleiras, para que conhecesse o Sítio

Lagoa Velha e revisse o maciço do Monte das Gameleiras, que ele visitou quando estudava Geologia na UFRN.

Pra começo de conversa, já fui logo aprendendo, que o maciço granítico que engloba toda a região da serra é conhecido como “batólito de Monte das Gameleiras”, o que mostra a importância da nossa terrinha, no contexto.

Como eu sempre soube que aquela formação rochosa era o resultado de erupções vulcânicas, cujas lavas, em tempos não muito distantes, se solidificaram ao “chegar” na superfície terrestre, aprendi, agora, que elas tem “apenas” 600 milhões de anos.

E não é somente isso. Quando o maciço se formou, ele estava a 25 km de profundidade. Ou seja, havia 25 km de rocha acima do nível que hoje pisamos, que, por conta das águas de rios, ao longo de milhões de anos, foram carreadas para o mar e se constituem hoje, nas areias das nossas praias e nas bacias petrolíferas do RN.

Sabe outra coisa que eu aprendi? Quando as rochas de Monte das Gameleiras se formaram, a nossa região fazia parte de uma das maiores cadeias de montanha da história do planeta terra, maior até, do que o conjunto dos Alpes na Europa com os Himalaias na Ásia.

CARACTERÍSTICAS CONSTRUTIVAS DO MEU CHALÉ

Aprendemos um bocado, eu e meu genro Luciano, que me acompanhava.

Chegando no Sítio Lagoa Velha, admirou-se com a beleza do chalé que, por decisão minha, foi construído com pedras da região, sem a utilização de tijolos, que é o processo mais comum.

Ao lhe explicar a sistemática da construção, e até pelo visual, ele definiu como sendo conhecido como concreto ciclópico, que é um modelo tão antigo, que já era utilizado por gregos e romanos.

Fiquei orgulhoso com os seus elogios.

A PEDRA DE SÃO PEDRO

Minha mania, agora, é levar o pessoal para conhecer a “Pedra de São Pedro”, que reúne condições que merecem ser conhecidas.

No seu contexto, encontramos cavernas e diversos tipos de rochas, decorrentes de sua formação, e uma delas, é caracterizada por inúmeros buracos, que, de longe parece com um cérebro, e que eu chamava de “cuias”, mas ele disse serem denominadas de “marmitas”.

Apois tá certo.

Além dessa diversidade rochosa, a Pedra de São Pedro se projeta acima de um vale, cuja altura não sei precisar, porém, torna o visual bonito de se ver, e eu comparo com o “Morro do Pai Inácio”, que eu conheci lá na Chapada Diamantina.

Na área, ainda se pode encontrar colônias de macacos prego, que, desta vez, conseguimos visualizar, brincando em cima das pedras.

Esses macacos, na época da colheita das culturas de inverno, se constituem em verdadeiro terror dos “roçados”.

Atacam as plantações de milho e não só comem, como estragam. Colhem as espigas e puxam a palha. Se forem “banguelas”, ou seja, não forem de boa qualidade, abandonam e pegam outra.

No verão, se alimentam de frutos nativos, entre eles os cocos catolé, cujas sementes, são usadas para atacar os intrusos de suas áreas, com certeiros arremessos.

COISAS DA TRAJETÓRIA DE APRENDIZAGEM E DE TRABALHO DE RICARDO
NA ZONA OESTE DO RN

Tendo que fazer pesquisas na região do Município de Caraúbas – RN, chegou lá com um veículo Gurgel Carajás, já bem antigo, que veio a lhe deixar “na mão”, e “deu o prego”, antes de concluir suas tarefas.

Devido ao seu comportamento “tranquilo”, sem ter outra alternativa, empreendeu o caminho inverso, a pé, pensando encontrar um “socorro mecânico”.

Na primeira casa habitada, resolveu perguntar onde encontrar o tal auxílio.

Um senhor de idade, que lhe atendeu, ao ser consultado sobre a possibilidade, falou: “meu filho aqui num tem quem mexa cum carro. Ninguém nem passa pur aqui de carro. Pra nun dizer qui num passou carro pur aqui, tem uns dois dia que um doidinho subiu essa serra de onde você veio”.

Era o próprio.

COISAS DA INTELIGÊNCIA DO MATUTO

Nos seu trabalhos de pesquisa, Ricardo usa uma broca que faz um cilindro na pedra para servir de amostra, que ele retira com uma pinça, que não é barata, e é fabricada especificamente, para isso.

Numa de suas expedições esqueceu de levar o instrumento.

Um matuto que estava olhando o serviço, sentindo o seu aperreio, vai até a cerca de arame farpado corta um pedaço dobra e retira, facilmente, o cilindro de pedra.

NA ÁFRICA

Sendo convidado para realizar umas pesquisas na Namíbia, país que fica entre a África do Sul e Angola, foi cientificado de que toda a estrutura de acampamento estava garantida, e não se preocupou de tomar nenhuma providência.

Ocorre, que essa garantia não era verdadeira.

Quando montaram o acampamento, não tinha tenda para ele, e, no final da tarde, teve que estender o saco de dormir, ao relento.

Sendo um deserto, não teria problemas de enfrentar a noite africana, e, segundo os seus anfitriões, não correria perigo.

Porém, não conseguiu dormir, escutando, nas proximidades, um rugido alto, que soube no dia seguinte, que era, exatamente, num parque com leões que ele estava “hospedado”.

AINDA NA ÁFRICA

Dessa vez, na República Centro-Africana, que fica entre o Gabão, o Congo e os Camarões, teve como guias de campo alguns pigmeus, que conhecem a floresta como ninguém, e, sendo bem baixinhos, andam ligeiro dentro da mata fechada.

Eles são um dos povos mais antigos da África e dependem completamente da floresta para o seu sustento e amparo, inclusive, constroem suas casas com galhos e grandes folhas retiradas da mata.

Com eles, Ricardo comia o que tinha – um bolinho de mandioca, uma carne qualquer, que variava de galinha até macaco e, para acompanhar, “vinho de palma”, uma bebida alcoólica local, leitosa e amarga, feita a partir da fermentação da seiva de diferentes palmeiras.

Os banhos eram no rio Ubangui, que serpenteia pela região, e que, obviamente, é um criatório natural de jacarés.

Na época dessa viagem, o país estava em guerra civil e ele, junto com outros dois colegas, tinham que levar uma escolta militar, além de, cada um, carregar uma kalashnikov no ombro.

Porém, o único uso das metralhadoras foi para matar um jacaré e para acordar um barqueiro que deveria levar o grupo para o outro lado do rio.

RICARDO E EXPEDITO

Não poderia deixar de fazer um encontro entre essa duas figuras, nem que fosse telefônico.

Ricardo, um grande pesquisador e Expedito, um grande conhecedor das coisas do interior, em especial, do Seridó, e, mesmo assim, sedento por informações.

Lá, do Sítio Lagoa Velha, liguei para Expedito e coloquei Ricardo pra falar com o meu grande amigo.

Foi ótimo de ver e escutar.

Veja bem.

Ricardo falou:

Diga aí Expedito. Tio Tota, me falou que você conhece muito das coisas aqui da região!

Expedito responde: “qui nada dotô, eu sô apenas um maturo besta, aqui du siridó, mas já cunheço a sua sabedoria, pois o Dotô Antonio, já me contô.

Dotô Ricardo, já vô logo me aproveitando, pra preguntar uma coisa qui eu tenho curiosidade de saber: essas pedra toda qui tem por aqui, foi tudo de vucão?

Ricardo procurando lhe explicar, diz: sim Expedito, estamos na raiz de um grande vulcão antigo.

Olha Expedito, você sabia que antigamente tinha uma camada de 25 km de terra por cima dessas pedras?

Acuma é? Se espanta Expedito.

Pois tinha. Já falei isso para o Tio Tota, que os rios foram levando as terras e hoje elas tão tudo dentro do mar.

Expedito, impressionando, diz: Dotô, Ricardo, puramordedeus, num venha cum essa não. Si eu fô dizer uma coisa dessa pru pessoal aqui do sítio, vão tudo mangá de min.

O sinhô sabe mi dizê si as pedra daqui, do Siridó, são igual as daí de Gameleira?

Ricardo responde: sim, são as mesmas pedras, Expedito.

Dotô, qué sobê di uma coisa?

Quando as mininas da faculdade, preguntá sobri essa pedra do seridó, eu vou dizê, Olhe, quem me disse isso, foi o Dotô Ricardo Ivan, qui intende dessas coisa.

Si quizé sabê quem é ele, veja no “seu Guga”!

KKKKKK

Olhe Expedito. No Himalaia, onde ficam as montanhas mais altas do mundo hoje, as coisas são muito parecidas com as daqui. Só que, lá, a gente só pode enxergar a superfície, então os estudiosos dessas coisas, de lá, vem pra cá, para entender como é a montanha por baixo, e eu, vou pra lá, pra saber como era a montanha, daqui pra cima.

Como esse papo iria longe, faço sinal para Ricardo, mostrando o relógio, e ele fala: Expedito, hoje, vamos ter que encerrar nosso papo, pois o tempo corre rápido e nós ainda vamos até a Pedra da Boca.

Fique sabendo Expedito, que eu estou muito feliz por ter voltado aqui nessa região, mas da próxima vez, quero me encontrar com você, para conversarmos sobre essas coisas que parecem impossíveis, mas não são.
Inté lá, Dotô Ricardo.

Ainda sem desligar o telefone, como é o seu costume, Expedito fala pra ele mesmo: Meu Deus do Céu, já pensou? Esse mundo tem coisa qui ninguém imagina!

 

 

 

 

Antônio José Ferreira de Melo – Economista, [email protected]

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores

2 respostas

  1. Texto educativo. Merece destaque na grande imprensa. Parabéns para o seu sobrinho – Dr. Ricardo que possui um riquíssimo currículo, orgulho potiguar!
    É gostoso ler seus textos!

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