COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: OUTRAS COISAS DA PRAIA DO RIO DO FOGO E ADJACÊNCIAS –

AS ATIVIDADES NOTURNAS

Quando a cidade do Rio do Fogo ainda não dispunha de energia elétrica, depois do pôr do sol, só tinha claridade onde o pessoal acendia uma lanterna de bujão ou um candeeiro de pavio, alimentado por querosene ou gás, como diziam eles.

A gente ficava bebendo na calçada da casa de Raminho e depois saia pelas ruas escuras da cidade.

Confesso que parecia perigoso. Porém, entre outros que compunham a comitiva, faziam parte Raminho e Lulu, dois caras que inspiravam confiança.

Raminho era respeitado pela sua brabeza. Só andava com uma faca na cintura e não tinha dificuldade de caminhar pela escuridão, pois, da comunidade, conhecia todos os buracos. Lulu além de brabo, tinha um físico que dava duas vezes o de Raminho.

Eu, pequenininho e confiante, ia no meio desse “batalhão”.

A ZONA BOÊMIA

Nosso destino era sempre o setor onde funcionavam os bares de Rio do Fogo, para beber e gozar dos tira-gostos que tinham origem no mar, sempre de boa qualidade e que nunca conheceram a “friedade” do gelo. Portanto, frescos.

A lagosta preparada de diversas maneiras, a moqueca de arraia, um ariacó frito ou mesmo uma guaiuba, quando estava gorda, não tinham igual em sabor, e a variedade dos outros componentes do cardápio, era de fazer inveja a quem entende do riscado.

Isso não se encontra em todo canto e acrescente-se que o preparo simples e gostoso do praiano torna as iguarias inigualáveis.

Da programação artística constavam os cantadores de viola, porem era importante jogar conversa fora e conhecer as histórias e estórias da praia e das pescarias, cujo repertório não se esgotava, e isso rolava até onde a gente queria, as vezes, ou quase sempre, vendo, lá de cima do morro, o sol nascendo no mar.

A ORDEM DA PULIÇA

Existe um provérbio português que diz: “não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe”.

Certa vez, com a chegada de um novo delegado foi implantada a “lei do cão” – como denominou Raminho – determinando que todas as atividades “festivas” tinham que se encerrar às 10 horas da noite, não sendo mais permitido colocar som depois desse horário.

No máximo, o bar podia ficar com a porta aberta ainda por um tempo, porém, em silencio.

Num sábado, chegando à Rio do Fogo, fui apresentado ao Sargento, que disse já me conhecer, pelo que o povo tão bem falava da minha pessoa.

Me lembro ainda da expressão: o povo daqui “grava” muito o Senhor.

Agradeci a referência e me coloquei à disposição, no que pudesse ajudar, para a sua boa administração na manutenção da ordem, quanto a moral e aos bons costumes.

Em seguida, fui me preparar para jantar.

De noite, no forró de um dos bares do “furadinho”, mal acostumados, nem notamos que já passava das 10 horas da noite e estávamos na brincadeira, quando vimos a patrulha que vinha em nossa direção, com o Sargento à frente.

O dono do bar se adianta e diz ao Delegado: quem está mandando colocar o som, não sou eu. É o nosso amigo, Dr. Antonio Ferreira.

O Delegado coça a cabeça e fala: tá bom. Não tem problema, até porque o barulho aqui não incomoda ninguém…

Veja como é a vida. Não custa nada tratar bem.

Tipo essa, falam de algumas coisas engraçadas, que dizem terem acontecido por lá, mas não conto, porque não são verdadeiras.

ACONTECÊNCIAS NA REGIÃO – O CABARÉ ESTILO PRISÃO

Em outra ocasião, vindo do Riacho Seco, onde ficava a minha outra fazenda, recebi, através de Raminho, o convite para a inauguração de um bar na localidade do Saco de Santa Luzia, na noite daquele dia.

Após jantar uma cioba preparada por D. Alzira, mulher de Raminho, nos dirigimos para a inauguração do bar.

Chegando próximo e notando que ele ficava afastado do “arruamento”, perguntei a Raminho o porquê daquela localização, lá no meio do “tabuleiro”.

Ele respondeu: Doutor Antonio, eu acho que aquilo é um “bereu”.

E era mesmo.

Mas não perdemos a viagem. Fomos lá agradecer o convite do dono da “casa noturna”, bebemos umas cervejas, geladas em toneis com gelo e sal, porém, sem admitir a gratuidade.

Agora, imagine as “peças” femininas, as profissionais do sexo, que atuavam no pedaço.

E não é só isso. O interessante foi presenciar o funcionamento do estabelecimento.

Quando alguém escolhia uma das “meninas”, o dono abria o quarto para que o casal entrasse e fechava a porta por fora. Terminado o “serviço”, o cliente batia na porta e o dono ia lá receber o dinheiro e “soltar” o garanhão e a potranca.

Sim, o quarto não tinha janela, que era pro cara não fugir. Além do mais, com o calor, nego não podia demorar muito.

Esse mundo tem cada presepada…

A VAQUEJADA

Inventei de fazer uma vaquejada na cidade e construí o “pátio” na rua principal, numa das laterais da praça.

Ele começava na frente do mercado, e terminava ao lado da igreja. Os dois ainda estão lá, para quem quiser avaliar a situação.

Foi um acontecimento que chamou a atenção de toda a região, pois o evento entraria pela noite.

Como ainda não tinha energia elétrica, levei um grande gerador e gambiarras, para iluminar o pátio, e foi a primeira vez que Rio do Fogo viu claridade de luz elétrica na sua rua.

Já na sexta feira, para testar o sistema, o gerador passou a noite “moendo” e o povo quase não vai pra casa dormir.

Segundo os comentários, como o meu relacionamento com a população cada dia me tornava mais popular, Pedro Enéas, o Prefeito de Maxaranguape, pensando em “cortar as minhas asas” mandou calçar a rua, para que a vaquejada não pudesse mais ser feita.

Indiretamente, consegui mais um benefício para Rio do Fogo, pois, ser político, por onde andei, nunca fez parte das minhas pretensões.

A VIDA NA COMUNIDADE

Manoel Júlio era o marchante da localidade. Abatia gado para venda aos açougueiros.

No sábado, almoçar um cozido na casa dele já fazia parte da programação.

Tinha o momento alto do evento, que era a hora de bater no “corredor”, que é o osso da perna do boi, para que o tutano saísse e fizesse parte do pirão.

Nessa época não tínhamos problemas com o colesterol.

Manoel Júlio dava uma marretada no osso e dava também um grito. Fazia parte do “script”.

Numa dessa vezes, ao bater com a marreta no “corredor” o osso se desprendeu da mão dele e, caindo em cima da mesa, espalhou prato, garrafa, copo, talher e pirão para todo lado.

Todo mundo “melado”, nos dois sentidos, não parava de rir.

Comprei uma louça nova e dei de presente à D. Graça, mulher de Manoel Júlio, que foi inaugurada na semana seguinte, e comemorada com a marretada no corredor e com o grito.

“Mané Julho”, como nós o chamávamos, era um grande anfitrião. Os momentos, em sua casa, eram de pura alegria.

O CIRCO

Como é sabido, o circo foi idealizado em 1770, na Inglaterra, porém, a figura do palhaço é uma contribuição brasileira, que se constituiu numa grande inovação.

Quando a grande tenda de lona era erguida nas cidades do interior, para chamar a atenção para o espetáculo, o palhaço saía andando pelas ruas e a meninada atrás.

O palhaço dizia: HOJE TEM ESPETÁCULO? E a meninada dizia: TEM SIM SINHÔ!!! AS SETE E MEIA DA NOITE? É SIM SINHÔ!!! E o palhaço dizia: E O PALHAÇO O QUE É??? E a meninada gritava: É LADRÃO DE MUIÉ!!!!

Quem não viveu esse tempo, não sabe o que é bom.

Sim. Voltando à realidade: instalado um circo na cidade, resolvemos ir ao “espetáculo”. Chegando lá, nos localizamos próximo à entrada, que era a parte por onde “corria o vento”.

Como consequência do cozido, um e nós soltou uma grande e fedorenta flatulência.

Na nossa frente estava uma mulher, e junto, um menino.

Ela, ao sentir a catinga, danou a tapa na cabeça do pobre do “bichinho”, dizendo: tenha vergonha seu nojento. Porque não foi peidar lá fora???

Menino sofre!!!!

O pobrezinho não tinha nada a ver com o fedor.

 

Antônio José Ferreira de MeloEconomista – [email protected]

 

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